quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Tropixel, Ubatuba, telecentro Camburi...

Cuidem das crianças


Nem todo o abuso é de caráter sexual. Crianças podem sofrer muitos tipos de abuso, tanto no ambiente doméstico, como no escolar, como no mundo em geral, quando são desrespeitadas em seu conforto e em sua dignidade. Claro exemplo disso é o que retrata a imagem (acima) da Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Ubatuba ao comunicar a inauguração, nesta quinta-feira, do Telecentro do Camburi, norte do Município.

Na época em que os monitores eram feitos de tubos de raios catódicos projetados em telas de fósforo verde havia fundada preocupação com o tanto de radiação que incidia sobre a face do usuário - isso naquela época em que face era rosto, cara. As telas deixaram de ser de fósforo verde e passaram a ser coloridas, mas ainda impulsionadas por um canhão de raios catódicos. Nesta época em que face é facebook não há mais essa preocupação, porque surgiram as telas de cristal líquido e de led, que não emitem radiações nocivas. Daquela época para esta consolidaram-se noções de ergonomia, de respeito ao conforto e geometria das colunas cervical e lombar e do ponto ideal entre os olhos e a tela do computador. Tema tão técnico quanto a como ligar computadores em rede e conectá-los à internet.

Criar telecentros é bom, muito bom, especialmente quando se destinam a comunidades que, por outra forma, não teriam acesso à inclusão digital. Melhor ainda quando operados em conjunto pelo poder público e por associação de moradores em áreas carentes de quase tudo. Bem melhor ainda quando é o caso de um telecentro num bairro distante de tudo e de todos, o Camburi, norte de Ubatuba, onde não chega internet com banda larga dos provedores de internet que só se interessam pelo centro da cidade e um ou outro bairro onde os moradores - permanentes ou de temporada - têm poder aquisitivo alto. Esses provedores só oferecem seus serviços onde há a perspectiva de lucro rápido e gordo. Mas nada disso é justificativa para tratar mal as crianças, colocadas ante um mobiliário feito para adultos e sem nenhuma modificação. Não é possível instalar mesas e cadeiras que respeitem as crianças? Com cuidado e criatividade é possível colocar apoio para os pés, orientá-las a aproximar a cadeira (ajustada na altura adequada) da borda da mesa e ajustar posição de teclado, mouse e monitor de forma que sejam respeitados os critérios ergonômicos e de conforto visual - detalhes que podem mudar de criança para criança, razão pela qual o operador do telecentro precisará obter esses conhecimentos, acrescentando às suas competências (habilidades, o tropixélico "skill") específicas de saber operar computadores e redes. Navegar é preciso, tão preciso quanto colocar cada criança na posição e distância certas, para cada caso particular.

Tropixel
Os meninos e meninas do Festival Tropixel apoiam os telecentros e estarão presentes (consta da programação do Festival) na inauguração hoje, quinta-feira, do telecentro do Camburi. É uma garotada brilhante, das mais variadas idades, desde os (quase) imberbes até os que ostentam carecas e fios grisalhos denunciadores de umas quase, ou pouco mais, cinco décadas de vida. Bom exemplo foi um dos oradores na tarde de terça-feira, no auditório do prédio da Unitau, brinco na orelha e uma despojada camiseta de batman, ao discorrer sobre sua experiência de acadêmico da USP com metareciclagem. Agrônomo pela USP, especializado em Marketing pela FGV, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, doutor em Ciência da Comunicação pela USP, um dos coordenadores da Rede HumanizaSUS. Fundador e articulador do projeto Metareciclagem. Fundador do Projeto do Lixo Eletrônico no Brasil, além de ser, nas suas próprias palavras, um “artista, escritor e precursor do pensamento sobre a Internet no Brasil”. Plumas e bico de tucano, que ninguém é de ferro, ex-coordenador dos Programas AcessaSP e Acessa Escola (2009) na Escola do Futuro da USP - Programas de Inclusão Digital do Governo do Estado de São Paulo.

Reconhecido no mundo acadêmico, Hernani Dimantas foi incisivo ao dizer que é o caso de oferecer a melhor tecnologia disponível às iniciativas sociais. Fazer metareciclagem não é oferecer tecnologia ruim ou muito defasada só porque se trata do destinatário ser entidade de apoio social, cito de memória. Há que fazer o possível, mas com qualidade.

SOS crianças da Aldeia de Yperoig
Socorro, cuidem das crianças. Em Ubatuba há crianças abusadas, dizem os sinais de fumaça e, como diz a sábia sabedoria popular tanto do senso comum como do senso crítico, onde há fumaça há fogo. Cuidemos das crianças todos, todos nós, especialmente das que nos são próximas, do Perequê-Mirim, de Ubatuba, da aldeia de Yperoig, destas antigas terras de Coaquira. Há denúncias e inquéritos policiais em curso, houve prisões e mandados de soltura, há um silêncio de chumbo (segredo de justiça) mas também de ouro, porque se trata de crianças em situação de risco. Nenhum interesse político pode justificar o uso de crianças como bucha de canhão para qualquer denúncia, nem mesmo como escudo de defesa. O valor maior é a própria criança, depositária da esperança de futuro melhor para nossa gente que habita estes fins de mundo de Cunhambebe e Coaquira.

Mais há a ser dito. Mas em momento próprio, preservadas identidade e dignidade das crianças, elas sim o valor maior.

O outro lado
Procurada, a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Ubatuba não se manifestou sobre o assunto, até o fechamento desta edição.


- texto originalmente publicado na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 24/10/2013.