segunda-feira, 13 de setembro de 2010

"Traíra" na Câmara Municipal de Ubatuba



O vereador Gerson Biguá, afastado esta semana por decisão liminar do Judiciário de Ubatuba, não é um "traíra", conforme se depreende do que disse o vereador Romerson de Oliveira na última sessão do Legislativo. Mas não disse quem seria o "traíra", nem exatamente do quê se constituiria a "trairagem".
É bom guardar esse nome: Eleandro Passaia. Ele sabe que o consideram um "traíra". E suas denúncias bem documentadas botaram na cadeia uma porção de políticos, incluindo prefeito, primeira-dama, vice-prefeito e presidente da Câmara do município de Dourados, em Mato Grosso do Sul, cidade que hoje é administrada por um juiz de Direito, numa espécie de intervenção decretada pelo Tribunal de Justiça daquele Estado. Em entrevista a uma emissora de televisão, Eleandro, que é secretário de governo e aceitou o convite do juiz-prefeito para continuar no cargo, disse que "Aqueles que se colocaram na posição dos que foram presos ou que compactuam com tudo isso com certeza vão encontrar em mim um traidor. Paciência. Se as pessoas de bem entenderem o que eu fiz e que eu fiz por causa da honra, isso pra mim é o suficiente.”
Ser "traíra" não é, necessariamente, um mau negócio. O tempo dirá quais os rumos que tomará a carreira pública de Eleandro, hoje um simples secretário de governo. Dificilmente, por investigações externas, jornalísticas ou policiais, se descobre algum esquema de corrupção. Como regra, é dos "traíras" que surge o escancaramento de esquemas de corrupção. Depois da "trairagem" de denunciar o esquema do mensalão, Roberto Jefferson apareceu publicamente com um olho roxo, porque, disse, lhe caiu em cima "uma estante". Fez parte durante muito tempo do esquema, tanto que o que denunciou foi o "descumprimento" do acordo financeiro por votos em projetos de interesse do governo. E, com isso, não mais se firmou na vida pública, apesar de ainda presidir o PTB. Talvez seja melhor um "traíra" limpo, que não corrompeu nem se deixou corromper, do que um que já se sujou na lama que depois denunciou.
A Prefeitura de Ubatuba, que tem ratos, no porão segundo o prefeito Eduardo César, talvez tenha um "traíra", já que foi uma denúncia que revelou a extensão até agora conhecida da corrupção detectada. Mas é apenas um "talvez".
A Câmara de Ubatuba tem "traíra", afirmou, na sessão da Câmara de 31 de agosto de 2010, o já eleito presidente da Mesa para o biênio que começa em 1 de janeiro de 2011, o vereador Romerson, que aqui, no pé do morro do Funhanhado, é conhecido por seu apelido, Mico. Na Câmara, parece, prefere ser tratado por Romerson: ainda recentemente, o vereador José Americano chamou-o por Mico e, incontinenti, retratou-se, pediu desculpas e chamou-o de Romerson. Mico, aparentemente, não é um bom apelido para quem, dizem, quer alçar voos maiores, porque é sempre citado como "prefeiturável", em vista de ter sido o vereador mais votado nas últimas eleições municipais.
"Tem traíra também neste meio", afirmou o vereador Romerson, ao dizer que não se deve transmitir à população a ideia de que a união impera entre os vereadores. Disse que recebeu apoio de diversos vereadores durante os 40 dias de afastamento em razão de liminar judicial, citando nominalmente José Americano, Gerson, Silvinho, Claudinei e Frediani. Mas não nominou o "traíra", ou os "traíras". Nem esclareceu qual o escopo da "trairagem". Mas, aparentemente, pelo contexto da fala, referia-se a quem não prestou solidariedade aos vereadores afastados no episódio judicial da eleição do Conselho Tutelar. Os vereadores que se manifestaram a respeito falaram em "processo absurdo", injustiça, testemunhas falsas, armação, sede de poder a qualquer custo. Mas não disseram de quem partiu a armação, ainda que pareça certo que se referiam, em parte, ao Executivo. Tanto que houve manifestações no sentido da Casa unir-se, para cumprir suas funções, inclusive a de fiscalizar o Executivo. E o vereador Romerson foi enfático, ao dizer que o prefeito deveria saber que a cidade "está um lixo", com ruas esburacadas, coisa que, aqui, no Perequê-Mirim, se resolveria simplesmente usando as máquinas que a Prefeitura tem. Dito e feito, o prefeito Eduardo César considerou que foi um desabafo, e imediatamente mandou para cá as máquinas que arrumaram as ruas. Coisa provisória, é claro, porque as últimas chuvas já começaram a danificar os recém-aplainados leitos de terra batida, já que asfalto é raridade por aqui.
É de se perguntar por que precisou o vereador fazer seu veemente desabafo para que a Prefeitura resolvesse cuidar de nosso bairro humilde. De perguntar, visto que a praia do Perequê-Mirim acumula este ano mais semanas de bandeira vermelha da CETESB do que a tradicional praia do Itaguá, quando a SABESP vai se mexer e incluir o bairro em seu programa de saneamento. De perguntar, porque será medida impopular (pelos custos e pela quase duplicação do valor das contas mensalmente pagas à SABESP pelos moradores), se há interesse político, tanto do vereador como do prefeito, em zelar para que aqui se faça saneamento básico. De lembrar que houve convocação de sessão extraordinária da Câmara para entregar, por mais 30 anos, o saneamento básico da cidade à SABESP.
A lealdade haverá de ser para com o povo, para com a lei. Não está excluída a possibilidade da Câmara se ver na contingência de exercer uma de suas altas funções, a de "julgar os vereadores, o prefeito e o vice-prefeito pela prática de infrações político-administrativas" (Lei Orgânica do Município, art. 12, XVII), ou outra de suas altas funções, a de "criar comissões parlamentares de inquérito sobre fato determinado que se inclua na competência municipal, por prazo certo, sempre que o requerer, pelo menos, um terço de seus membros" (mesma lei e artigo, XV). Um terço de dez: quatro vereadores. Apenas quatro. Mas é claro que a Câmara poderá optar por apequenar-se, preferir não exercer suas altas funções. E continuar com suas corriqueiras moções de congratulações, porque o Município está uma maravilha, está tudo em seu devido lugar, nada há para ser apurado e os vereadores estão sendo aplaudidos, como se viu no lotado auditório da última sessão. De qualquer forma, os vereadores provaram sua capacidade de mobilização. Ubatuba não é Dourados e aqui não voam sapatos, nem temos um Eleandro. Mas temos churrascos, grandes eventos de congraçamento.
O povo, o eleitor, o mandante, é o destinatário da lealdade. A lealdade deve ser, imperativo categórico, para com o bem comum, para com a lei, para com a probidade. Como se trata de interesse público, a lealdade não é devida a pessoas, pois nenhuma é acima de qualquer suspeita; pois a lealdade, quando se trata de interesse público, quando endereçada exclusivamente à pessoa do mandatário, o vereador, pode embutir deslealdade para com o mandante, o eleitor, o povo. Falta esse esclarecimento, quanto à fala do eleito presidente da Mesa do Legislativo. Não é uma questão de "Quem gosta, e quem não gosta". Mas uma questão de interesse público, quem age com probidade, quem não age com probidade.
Na lista dos silêncios nos microfones institucionais do Legislativo, há dois gritantes: o do atual presidente da Casa, que nada disse, nem esclareceu, sobre o afastamento de seis dos dez membros da Câmara, nem sobre a apreensão de bens públicos em seus domínios, como objeto de diligências provocadas pelo Ministério Público e autorizadas pelo Judiciário. E o do vereador Gerson Biguá, agora afastado, que preferiu não pronunciar ainda palavra em sua defesa.
Talvez melhor assim, sabe-se lá. Melhor dizer nada do que simplesmente fazer declarações, especialmente se forem de inocência. Melhor, talvez, esperar para ver o que indicam as evidências, as provas judiciais. Melhor dizer nada, direito constitucional, do que negar o que adiante poderá, ou não, se quedar provado.
Negar é direito, e direito a ser respeitado, assim como o de nada dizer. Acreditar no que o acusado diz ("sou inocente") é direito também, da mesma forma como o é não acreditar no que ele diz. Estamos nos instantes iniciais de vários procedimentos submetidos ao Judiciário, onde pode ser exercido pelos acusados o direito de ampla defesa (inclusive o direito de não falar a verdade). Mas também pode, e deve, ser exercido o direito à pretensão punitiva que tem o Estado, através da acusação pelo Ministério Público e do julgamento imparcial pelo Judiciário, de ver condenados aqueles contra os quais as provas tornem em fundamentos da culpabilidade o que, nas fases iniciais do processo, eram apenas indícios. Também pode, e deve, ser exercida a competência privativa da Câmara, "não dependendo de sanção ou veto do prefeito" (parágrafo único da lei e artigo citados).
Uma palavrinha necessária: o acusado, o réu, não é obrigado a falar a verdade. Mas a testemunha é obrigada a falar a verdade, não tem o direito de mentir. Quando se afirma que alguém prestou falso testemunho, está-se a dizer que a testemunha cometeu delito, punível. Houve falso testemunho, foi afirmado da tribuna da Câmara. Mas não basta dizer, é necessário provar.
O sistema judiciário é, todos sabem, lento e, muitas vezes, ineficaz. Mas é o que temos, no Estado de Direito. Melhor isso do que nada. Resta, portanto, apelar para a paciência e acompanhar o que as apurações mostrarão.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá
em 12/09/2010. 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Paraty, para ti, Ubatuba

 Arquivo público do Estado de São Paulo Paraty - Repórter Helio Rocha - 4x5 polegadas PB acetato 19520910. - Imagem: © Arquivo público do Estado de São Paulo
Quarta-feira passada fomos a Paraty, fantasiados de turistas, com direito a máquina fotográfica pendurada no pescoço e tudo o mais, o que resultou em belas fotos, especialmente uma, que a Marlene fez. Não éramos turistas: os estudiosos do ramo chamam de excursionistas os visitantes que, com intenção turística (ou seja, não com intenção de negócios, estudo ou de visitar amigos e familiares), vão a algum lugar mas nele não pernoitam. É o caso, por exemplo, dos excursionistas dos ônibus que vão ao terminal turístico do Perequê-Açu, ou dos excursionistas que se utilizam do pier do Itaguá, vindos a bordo dos enormes transatlânticos.
Excursionista é sempre um turista em potencial. Vai uma vez, gosta, pode eventualmente voltar para uma temporada. Ao menos foi assim que fomos recebidos em Paraty, no posto de informações turísticas. Um rapaz muito simpático cuidou de oferecer os vários folderes disponíveis, mais de meia-dúzia, e insistiu para que levássemos o calendário anual, afirmando que sempre encontraríamos algum bom motivo para voltar a Paraty.
Tiramos a sorte grande, ao meio-dia, em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios: após as 12 badaladas, teve início o toque festivo, como um dos atos da novena preparatória para a festa, que é no dia 8 de setembro. Em Minas Gerais são comuns os toques de sinos, cada qual com seu significado. Os festivos, por ocasião das festas em homenagem aos santos padroeiros, são os mais comuns. Mas há também, dentre outros, os toques solenes, quando da visita do bispo, e os fúnebres, quando do falecimento de algum fiel. Além, é claro, dos toques diferenciados para os dias do tempo comum e para os dos tempos especiais. Os toques de vésperas são muito conhecidos. Não sou católico (na verdade, não professo qualquer crença), mas sempre fico encantado com a música sacra (antiga, não a de hoje) e com os toques dos sineiros, cada qual com sua particularidade, que os individualiza. Só existem sineiros onde a tradição se mantém, o mestre ensinando o aprendiz. Fico me perguntando onde estariam os mestres sineiros de Ubatuba.
Foram vários minutos de toque festivo, de surpresa, o que impediu que o gravássemos. Dois sinos repicando em toques rítmicos e harmoniosos, de estilo vibrante, alegre, festivo. Ficamos sabendo que no dia 8 de setembro, ao estilo do responsório da liturgia tridentina, as demais igrejas da cidade - da Santa Rita, de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, e de Nossa Senhora das Dores - saúdam a padroeira da cidade, replicando, cada qual com seu estilo peculiar, o toque festivo da Nossa Senhora dos Remédios.
Almoçamos num restaurante que fica na beira do canal, uma construção antiga, à qual foi acrescentada ampla varanda. Creio que é a construção visível logo no final da ponte, na foto aérea de setembro de 1952, disponível na internet graças ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que digitalizou os negativos do jornal carioca Última Hora, conforme nosso siri eletrônico, O Guaruçá, informou dia 4 último.
Dentre os 12 negativos 4x5 polegadas PB em acetato, de uma reportagem feita em 9 de setembro de 1952 pelo repórter Helio Rocha, há uma foto (não consta quem foi o autor das fotos) que me chamou a atenção: parece ser uma fabricante, ou vendedora, de tamancos. "Dos velhos bailes de bate-pé, com dança de tamanca em piso de tábua, restaram apenas versos de canoa." É com essa afirmação que O Globo, em sua edição de 29/2/2004, com registro de uma ONG socioambiental, inicia a descrição da meteórica agonia dos caiçaras de Paraty. Lá, como aqui, os caiçaras nativos, verdadeiros, estão em extinção. Quantos dos 23 recenseados em 2004 ainda estariam vivos hoje, seis anos depois?
Seja como for, Paraty sabe exatamente qual sua vocação, sabe exatamente o que quer, sabe com precisão como fomentar o turismo, e, bem ou mal, consegue preservar alguma coisa de suas tradições. Ubatuba não está nesse nível, nem de longe. E ainda recentemente, uma tradição de 87 anos, a procissão marítima de São Pedro Pescador, foi quebrada por causa da naniquice (dos políticos e) da política local. É mais do que urgente Ubatuba levar-se a sério, parar com a falta de humildade dos falsos super ufanismos, abandonar a enxurrada de moções com finalidade eleitoreira e prestar atenção no que ainda resta, para preservar e cultivar. E elaborar uma verdadeira política de turismo, não os arremedos que se vê hoje. Para isso, é preciso levantar o olhar, para o nível das montanhas que nos cercam, e não mantê-lo no chão das dezenas de pequenos currais eleitorais espalhados ao longo da costa. Abandonar a política de galinhas ciscando à cata de minhocas e acabar de vez com o mal-estar que é ser chamada, de vez em quando, do que definitivamente não é: cidadezinha.

- Texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá,
em 06/09/2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Tribuna da Câmara de Ubatuba é dos vereadores



Dos seis vereadores afastados que reassumiram seus cargos por decisão judicial, quatro se manifestaram na sessão de terça-feira da Câmara Municipal, declarando-se inocentes das acusações de interferência indevida na eleição do Conselho Tutelar. E, deslocando, em parte, o foco de defesa e de explicações, três desses  vereadores criticaram o presidente da OAB local, o advogado Thiago Penha de Carvalho Ferreira, por ter manifestado pela imprensa opinião de que o Legislativo deveria realizar nova eleição da Mesa Diretora, independentemente dos resultados jurídicos relativos ao processo que resultou no afastamento liminar de três, e depois, mais três vereadores.

A Câmara de Ubatuba decidiu antecipar para julho passado a eleição para composição da Mesa que dirigirá o Legislativo a partir  de 1º de janeiro de 2011 e até 31 de dezembro de 2012. A argumentação foi a de que no período das eleições gerais seria mais difícil realizar a votação. Na época da manifestação do advogado, estavam afastados os eleitos presidente e primeiro vice-presidente, bem como o 1º secretário.

Acostumado com o princípio do contraditório, próprio da seara judicial, o advogado Thiago Penha de Carvalho Ferreira, presidente da OAB Ubatuba, citado criticamente por vereadores, incidiu em equívoco, ao pretender utilizar-se da tribuna da Câmara Municipal durante a sessão ordinária do dia 31 de agosto de 2010. É que o recinto do plenário e o uso da tribuna, durante as sessões ordinárias, são privativos de quem tem mandato popular legislativo em nosso Município, vale dizer, os vereadores (e, quando for o caso, suplentes) regularmente eleitos, diplomados e empossados. Há apenas duas excessões, com ritos próprios. O primeiro deles é o do parágrafo 2º do artigo 96 do Regimento Interno da Câmara, que autoriza o presidente da Mesa a convidar autoridades públicas federais, estaduais e municipais e personalidades homenageadas (além de representantes credenciados da imprensa e do rádio). Mas esses convidados só poderão falar se for "para agradecer a saudação que lhes for feita pelo Legislativo" (grifo nosso), diz o parágrafo 3º. A outra exceção é a Tribuna Popular, no formato instituído pela Resolução nº (ilegível, no indecente Regimento Interno "provisório" disponível no portal da Câmara), de 29 de março de 2001.

Mas, alto lá! O presidente da OAB local não poderia ter usado a Tribuna Popular? Poderia, caso tivesse feito sua inscrição até o final do Expediente. Até que tentou, mas foi-lhe negado o direito. É que, na seara política, da qual pouca prática tem o advogado, quando convém ao primeiro intérprete do regimento, o presidente da Casa, a interpretação pode ser literal, a ferro e a fogo: encerrado o Expediente, não mais pode acontecer inscrição para a Tribuna Popular.

Aconteceu assim:

O presidente, Ricardo Cortes, ao final do último pronunciamento no Expediente: "Nada mais havendo a tratar no Expediente, está reaberta a sessão."

O advogado Thiago Ferreira se manifesta do auditório, pedindo o direito de se pronunciar.

A resposta do presidente: "O sr... A manifestação é da Câmara. Então, em outra oportunidade."

O vereador  Rogério Frediani: "Pode abrir a palavra prá ele."

A incisiva resposta de Cortes: "Não. Não está inscrito."

O vereador Frediani, com sorriso de troça: "Aí é regimento..."

Risos, no Plenário e no auditório, em achincalhe ao hostilizado advogado.  

O vereador Frediani requereu, então, o adiamento em bloco da pauta do dia, por uma sessão, requerimento imediatamente votado e aprovado por unanimidade. Ato contínuo, o presidente declarou encerrada a sessão, com o quê se perdeu, por uma semana, o que de mais importante tinham os vereadores a fazer, que era legislar, votar, cumprir a pauta da Ordem do Dia, exercer a responsabilidade de decidir, pelo voto, sobre  

Incide o presidente da Câmara, o médico Ricardo Cortes, em reiterado equívoco ao declarar "reaberta" a sessão após o Expediente (a sessão, reza o art. 97, compõe-se de duas partes,  Expediente e Ordem do Dia, e tem uma terceira, porque (com o perdão da má palavra) o rebosteio que é o Regimento Interno da Câmara, introduz, sem explicitar, uma terceira parte, que são as  Explicações Pessoais, o que se observa à luz do parágrafo 1º do art. 105). Mas fato é que, "reaberta" a sessão, sem jamais ter sido suspensa, a parte seguinte é a Ordem do Dia, momento impossível para inscrição na Tribuna Popular.

As Tribunas Livres, Tribunas Populares e quetais, foram introduzidas quando da redemocratização do Brasil, que acabou com a ditadura instaurada em 1964. Foi uma frebre, que contagiou legislativos municipais em todo o país, com maior ou menor grau de percepção do que significa o exercício direto do Poder (que todo o poder emana do povo) pelo povo. Em tempos de abertura ampla, geral e irrestrita, a maioria das Tribunas Populares era tudo isso, levando a evidentes exageros, porque colocava na tribuna qualquer um do povo, mesmo que tivesse representatividade nula. Amadurecida a ideia, os Legislativos municipais cuidaram de se adaptar. O de Araraquara, a título de exemplo, disciplinou a matéria exigindo representatividade mínima, 30 assinaturas para inscrição do orador, ou comprovação de que representava entidade legalmente constituída. O de Assis exige que o orador seja eleitor no município.

O que, parece, foi uma lógica seguida desde o princípio, e não foi diferente em Ubatuba, é a de que agentes políticos e autoridades constituídas não podem se utilizar da Tribuna Popular, porque, em função do tipo de representatividade, não poderiam falar como simples cidadãos, mas sim, de alguma forma, como investidos de algum tipo poder. Apesar da ressalva da tal resolução que instituiu o art. 105A no RI da Câmara de Ubatuba, ainda recentemente o secretário muncipal da Educação foi ao Legislativo local, acompanhado de grande número de diretores de escolas, e usou a tribuba para um passa-moleque no vereador que ousou fazer críticas à sua pasta.

Se algum sentido faz que qualquer pessoa se inscreva de última hora, durante o Expediente da sessão, é que, citado por qualquer vereador, tenha como se defender. Foi o caso, quanto ao presidente da OAB, alvo da declaração de repúdio do vereador eleito presidente da Mesa. E, no entanto, não conseguiu falar, emitindo, depois, uma nota, na qual reitera que as observações foram de caráter técnico-jurídico. No entanto, foram de caráter eminentemente político, o que não é vedado à OAB, mas então devem ser interpretadas em seu real contexto.

Um registro necessário: o vereador Frediani ofereceu ao advogado Thiago um exemplar do Regimento Interno da Câmara de Ubatuba. Deve ser algum outro, mais decente do que o "provisório" de 2007, disponível no portal da Câmara. Se for algum outro,  definitivo, também gostaria de obter uma cópia. 

- Texto também publicado na revista eletrônica O Guaruçá
em 05/09/2010.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ubatuba e Ladainha, o eleitorado das irmãs


Parecia uma praça de guerra, o Cartório Eleitoral de Ubatuba, no dia seguinte ao encerramento do prazo para o alistamento para as eleições de 3 de outubro. Era o dia 6 de maio, e havia tiras de papel espalhadas pelo chão, sobras dos picotes dos formulários utilizados até o dia anterior, para os que quiseram transferir para Ubatuba o seu título eleitoral. Logo na abertura do expediente, não havia fila, fui direto ao balcão do protocolo, e fui atendido exatamente pela pessoa que fui procurar: a diretora do Cartório.
Parecia uma praça de guerra, e, no entanto, o clima entre os funcionários era de tranquila organização, exatamente como no dia anterior, quando havia considerável fila de eleitores. Atendimento impecável, cortês, mas muito objetivo, típico de repartição pública bem organizada e bem dirigida. Já vi outros cartórios eleitorais e lembro-me, particularmente, de um deles, muito tempo atrás, em Araraquara, onde funcionários, móveis, instalações, cheiravam a desorganização e o clima era de franco mau-humor.
Ao longo dos últimos dez anos, tem trabalhado muito, o Cartório de Ubatuba: cresceu 43,5% o número de eleitores do município, entre outubro de 2000 e maio de 2010, contra 23,4% de crescimento do colégio eleitoral de todo o Brasil, e de 25% quanto ao Estado de São Paulo. Não conheço o cartório de Ladainha, em Minas Gerais, mas trabalhou bem menos: seu eleitorado, no mesmo período, cresceu apenas 13,5%, num Estado cujo aumento de eleitores foi de 18,5%.
Ladainha. Família que se amplia, são cidades irmãs, anunciou o prefeito Eduardo César, dias atrás, que foi até Ladainha consolidar os laços entre ambas. Três gerações de ladainhenses vivem em Ubatuba, diz release da Prefeitura. O Julinho Mendes registrou acidamente a presença dos mineiros entre os caiçaras, com uma de suas histórias. Aliás, o Julinho foi o autor da tela oferecida de presente por Eduardo César ao prefeito de outra cidade da família, a chilena Melipilla. A família, entre reconhecidas e em reconhecimento, inclui Jeffrey’s Bay (África do Sul), Campinas, Pirassununga, Jaguariúna (interior de São Paulo) e Tateyama (Japão). Há também, todos sabem, uma certa relação com cheiro de incestuosa com Barueri, fruto de casamento de interesses.
Mas voltemos a Ladainha, e seu eleitorado. Se cresceu 73% do aumento do eleitorado estadual, intui-se que parte dele foi para outros lugares, Ubatuba entre eles, cidade que viu crescer seu eleitorado em 186% relativamente ao crescimento do colégio eleitoral do Estado de São Paulo. Eleitor = voto, em qualquer lugar. Em ano eleitoral, então...
O site do TSE oferece interessantes estatísticas e, proximamente, será possível falar sobre o crescimento do número de eleitores de Ubatuba, que foi de 20.788 em outubro de 1988 a 58.522, em maio de 2010. Mas falta ainda preparar os gráficos, que ajudarão a elucidar o inchaço do colégio eleitoral das antigas terras de Coaquira.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 28/08/2010.
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Saulo e Guerra, meninos, não briguem


O pluralismo presente em O Guaruçá é algo ímpar na mídia de Ubatuba. Uma das razões de começar a escrever para a revista eletrônica editada por Luiz Moura, primeiro por "E-mails à Redação" e depois, convidado a ter uma coluna, foi ter observado que no restante Ubatuba é uma cidade paupérrima quando se trata de jornais e jornalistas, de ter informações confiáveis, de ter comentários a favor, contra ou muito pelo contrário, mas honestos, límpidos, como os que encontramos aqui. Há também, claro, um estilo local de gosto que considero duvidoso e também posições extremadas, mas é inegável aqui o pluralismo tão necessário à consolidação das democracias. Como registro, não que meus escritos fossem, de longe, suprir qualquer coisa, mas me estimulam a procurar as respostas e análises que não encontro.
Desisti faz bom tempo de comprar jornais em papel e só leio a mídia eletrônica. Mantenho minha opinião de que o Imprensa Livre é o único efetivo jornal que atende a cidade e que Saulo Gil é o único jornalista com a competência necessária para ouvir, com isenção, o outro lado, seja qual for. Há também o Maranduba News, ao qual falta um caminho a trilhar, a se expandir, mas parece estar no bom caminho. Ainda assim, vez por outra percebe-se, no Imprensa Livre, matérias laudatórias a certos candidatos ao parlamento, bem como reprodução de releases oficiais. Mas, no geral, vale o escrito: "A independência da informação".
Com Saulo, tive uma única vez possibilidade de conversar uns poucos minutos, a três, junto com Sidney Borges, que mantém um blog também diversificado, quando da entrega da gestão da Santa Casa para a Cruz Vermelha. Cheguei a escrever um texto a respeito da Santa Casa, mas depois, por várias razões, não consegui escrever muita coisa, e menos ainda tentar coletar dados. Saulo mostra competência no que faz, a despeito de, imagino, faltarem-lhe recursos necessários. Acho, e disse isso a ele e ao Luiz Moura, que Ubatuba merece uma Editoria própria, uma página própria no Imprensa Livre. Ou o Maranduba News, mas como semanário, estender sua penetração a todo o Município. Mas entra em cena o aspecto econômico, a relação custo-benefício disso, a capacidade da cidade de gerar receita suficiente para ter um jornal independente, que não sobreviva às custas, direta ou indiretamente, da Prefeitura ou de grupos políticos. São, no momento, meus sonhos de consumo quanto à mídia local.
Quanto ao estrilo de Saulo, aqui na nossa oca eletrônica O Guaruçá, achei muito apropriado, pois expressou sua discordância quanto à interpretação dada às matérias que publicou. Tenho um registro a fazer: há falta de informação básica, e completa falta de informação um pouco mais aprofundada, sobre a apreensão de computadores, sobre o que se passa na seção de Execução Tributária da Prefeitura, sobre o envolvimento direto de um vereador nesses episódios. Falta saber quem é o promotor do caso, se é o promotor "natural" (por analogia a juiz natural), coisas que não arranham o segredo de justiça decretado sobre o feito, segredo, consta, já desfeito. Falta saber, exatamente, o que está sendo investigado. A matéria da VNews sobre isso é bastante incompleta (e é conhecida a superficialidade com que a televisão, premida pelo fator tempo e pela necessidade de imagens, trata qualquer matéria). O Imprensa Livre também não desvendou os mistérios que permanecem. E dos demais não há que falar, pois se trata da mídia submissa e de releases.
Foi corajoso, o jovem Saulo, porque estava a discordar abertamente de Marcos Guerra, colunista aqui de O Guaruçá e conhecido e reconhecido por sua vigorosa combatividade e firmeza de posições. Guerra, a quem não conheço pessoalmente, também acrescenta informações, como fez em relação ao desvio de receitas em Ubatuba. E desancou Saulo, por não ter conseguido as informações diretamente das autoridades que poderiam prestá-las e por não relatar a íntegra da conversa que tiveram. Guerra é um formador de opinião, atira-se apaixonadamente aos debates, até com prejuízo do equilíbrio de ponderações, e pode-se discordar dele, mas não se pode negar a combatividade e a consistência com que afirma suas posições, nem o destemor com que o faz, o que o coloca em importante posição na mídia local.
É minha opinião que ambos, cada qual a seu modo, contribuem para existência, em Ubatuba, de um mínimo de informação e de incisividade para discutir os problemas das terras de Coaquira, o que, certamente, muito desgosta os que Moura nomina de "os donos do pudê". Então, respeitando as posições de ambos, creio que cabe a conhecida frase popular: "Meninos, não briguem". Os bichos-papões, ou ratos, ou seja lá o que corrói e corrompe em Ubatuba, não são vocês, são outros.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 27/08/2010

Câmara de Ubatuba, aniversário indecente

                                                  reprodução
Regimento Interno da Câmara Municipal de Ubatuba. - Imagem: © Reprodução
Fez aniversário no dia 20 deste corrente mês de agosto o arquivo ri_prov20070820.pdf, oferecido no site da Câmara Municipal de Ubatuba no box "Legislação" à guisa de Regimento Interno. Parece mais uma apostila escolar, toda rabiscada e com imprecisões que permitem interpretações ao sabor da ocasião. É algo para envergonhar ubatubenses, ubatubanos e caiçaras em geral, mas especialmente para envergonhar o presidente e os vereadores do Legislativo municipal, bem como o diretor administrativo, de quem é a responsabilidade de prover um documento decente.
A Câmara em alvoroço, 60 por cento de vereadores afastados, seis suplentes no exercício do mandato oferecendo às terças-feiras deprimentes espetáculos de despreparo, retorno dos seis titulares aos cargos (como já havia antecipado aqui, o a quo manteve a tradição), e cuida-se aqui de um pequeno detalhe, o Regimento Interno? É, entretanto, um detalhe que disciplina o funcionamento da casa e é revelador do descaso da Mesa da Câmara, que deveria cuidar no mínimo do básico, que é a organização administrativa. Nem se fala aqui dos deveres políticos, mas tão somente da correta utilização dos recursos públicos que mantêm uma casa legislativa nada barata, que ocupa dois prédios alugados (e que deixou ao abandono o prédio histórico) e que paga salários a tantos funcionários, além dos terceirizados e fornecedores contratados. Se nem o dever de casa a Mesa faz, o que esperar quanto ao restante? Devo dizer palavra em minha defesa: da primeira vez que abordei o tema, o furacão ainda não tinha destelhado os vidros do Legislativo de Yperoig.
Há mais a dizer. Em vez de delírios com portais na rodovia Osvaldo Cruz, de um suplente-vereador novamente suplente sem noção, como diz o Marcos Guerra, em vez de enxurros de moções, levar a sério a discussão sobre turismo em Ubatuba é necessidade de hoje, de ontem, não pode esperar os noveis vereadores aprenderem o que já deveriam ter aprendido sobre o funcionamento da casa legislativa, nem, por causa dos processos a que respondem, os ex-afastados deixarem as questões de Ubatuba como estão, para ver como é que ficam. Chega de mais do mesmo, não é mesmo? Publicidade: publicar um Regimento Interno decente e ativar o link "Arquivos anexados à Ordem do Dia", contendo os pdf dos projetos, suas justificativas e, depois, a tramitação das matérias, é para ontem, é o dever de casa não cumprido, e isso não tem a ver com qualquer furação que se abata sobre a Câmara Municipal, onde os funcionários, vereadores e terceirizados continuam a receber salários, e os contratos continuam a ser pagos. Não se trata, portanto, de tripudiar ou de bater em cachorro morto. Trata-se de uma casa viva, que acaba de “reempossar” seus ex-afastados. E é necessário ter uma Casa Legislativa com dignidade de tal, e não uma Casa de Mãe Joana. Porque a outra opção, já que não fazem o dever de casa, que é cortar salários, é impossível.

-Texto originalmente publicado na revista eletrônica  O Guaruçá, em 25/08/2010  
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