segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Paraty, para ti, Ubatuba

 Arquivo público do Estado de São Paulo Paraty - Repórter Helio Rocha - 4x5 polegadas PB acetato 19520910. - Imagem: © Arquivo público do Estado de São Paulo
Quarta-feira passada fomos a Paraty, fantasiados de turistas, com direito a máquina fotográfica pendurada no pescoço e tudo o mais, o que resultou em belas fotos, especialmente uma, que a Marlene fez. Não éramos turistas: os estudiosos do ramo chamam de excursionistas os visitantes que, com intenção turística (ou seja, não com intenção de negócios, estudo ou de visitar amigos e familiares), vão a algum lugar mas nele não pernoitam. É o caso, por exemplo, dos excursionistas dos ônibus que vão ao terminal turístico do Perequê-Açu, ou dos excursionistas que se utilizam do pier do Itaguá, vindos a bordo dos enormes transatlânticos.
Excursionista é sempre um turista em potencial. Vai uma vez, gosta, pode eventualmente voltar para uma temporada. Ao menos foi assim que fomos recebidos em Paraty, no posto de informações turísticas. Um rapaz muito simpático cuidou de oferecer os vários folderes disponíveis, mais de meia-dúzia, e insistiu para que levássemos o calendário anual, afirmando que sempre encontraríamos algum bom motivo para voltar a Paraty.
Tiramos a sorte grande, ao meio-dia, em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios: após as 12 badaladas, teve início o toque festivo, como um dos atos da novena preparatória para a festa, que é no dia 8 de setembro. Em Minas Gerais são comuns os toques de sinos, cada qual com seu significado. Os festivos, por ocasião das festas em homenagem aos santos padroeiros, são os mais comuns. Mas há também, dentre outros, os toques solenes, quando da visita do bispo, e os fúnebres, quando do falecimento de algum fiel. Além, é claro, dos toques diferenciados para os dias do tempo comum e para os dos tempos especiais. Os toques de vésperas são muito conhecidos. Não sou católico (na verdade, não professo qualquer crença), mas sempre fico encantado com a música sacra (antiga, não a de hoje) e com os toques dos sineiros, cada qual com sua particularidade, que os individualiza. Só existem sineiros onde a tradição se mantém, o mestre ensinando o aprendiz. Fico me perguntando onde estariam os mestres sineiros de Ubatuba.
Foram vários minutos de toque festivo, de surpresa, o que impediu que o gravássemos. Dois sinos repicando em toques rítmicos e harmoniosos, de estilo vibrante, alegre, festivo. Ficamos sabendo que no dia 8 de setembro, ao estilo do responsório da liturgia tridentina, as demais igrejas da cidade - da Santa Rita, de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, e de Nossa Senhora das Dores - saúdam a padroeira da cidade, replicando, cada qual com seu estilo peculiar, o toque festivo da Nossa Senhora dos Remédios.
Almoçamos num restaurante que fica na beira do canal, uma construção antiga, à qual foi acrescentada ampla varanda. Creio que é a construção visível logo no final da ponte, na foto aérea de setembro de 1952, disponível na internet graças ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que digitalizou os negativos do jornal carioca Última Hora, conforme nosso siri eletrônico, O Guaruçá, informou dia 4 último.
Dentre os 12 negativos 4x5 polegadas PB em acetato, de uma reportagem feita em 9 de setembro de 1952 pelo repórter Helio Rocha, há uma foto (não consta quem foi o autor das fotos) que me chamou a atenção: parece ser uma fabricante, ou vendedora, de tamancos. "Dos velhos bailes de bate-pé, com dança de tamanca em piso de tábua, restaram apenas versos de canoa." É com essa afirmação que O Globo, em sua edição de 29/2/2004, com registro de uma ONG socioambiental, inicia a descrição da meteórica agonia dos caiçaras de Paraty. Lá, como aqui, os caiçaras nativos, verdadeiros, estão em extinção. Quantos dos 23 recenseados em 2004 ainda estariam vivos hoje, seis anos depois?
Seja como for, Paraty sabe exatamente qual sua vocação, sabe exatamente o que quer, sabe com precisão como fomentar o turismo, e, bem ou mal, consegue preservar alguma coisa de suas tradições. Ubatuba não está nesse nível, nem de longe. E ainda recentemente, uma tradição de 87 anos, a procissão marítima de São Pedro Pescador, foi quebrada por causa da naniquice (dos políticos e) da política local. É mais do que urgente Ubatuba levar-se a sério, parar com a falta de humildade dos falsos super ufanismos, abandonar a enxurrada de moções com finalidade eleitoreira e prestar atenção no que ainda resta, para preservar e cultivar. E elaborar uma verdadeira política de turismo, não os arremedos que se vê hoje. Para isso, é preciso levantar o olhar, para o nível das montanhas que nos cercam, e não mantê-lo no chão das dezenas de pequenos currais eleitorais espalhados ao longo da costa. Abandonar a política de galinhas ciscando à cata de minhocas e acabar de vez com o mal-estar que é ser chamada, de vez em quando, do que definitivamente não é: cidadezinha.

- Texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá,
em 06/09/2010

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