sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A irmã votou em Dilma


Ladainha (MG), a Cidade Irmã de Ubatuba, votou em Dilma. Quase quatro em cada cinco eleitores votaram em Dilma, no segundo turno: 79,41%, contra 20,59% que votaram em Serra. Foi uma confirmação do que aconteceu no primeiro turno, quando Dilma teve 74,55%, Serra 20,45% e Marina 4,52% dos votos válidos. Os outros seis candidatos, juntos, tiveram menos de meio por cento.

Mas o que chamou mesmo a atenção foi a abstenção em Ladainha: 34,76% dos 11.747 eleitores registrados lá não compareceram às urnas (33,62% no primeiro turno). Boa parte, tem-se como certo, protocolou o requerimento de justificativa eleitoral aqui, em Ubatuba. Se a maioria dos que transferiram para cá seu título de eleitor votou em Serra, como afirma o Soçaite, é impossível saber.

Para governador, vale a piada de que Maluf, Lula e Aécio elegem até poste: funcionou, em Ladainha (como, de resto, em toda Minas), a composição de voto chamada de "Dilmasia". Antonio Anastasia, o ilustre poste desconhecido de lá, com maciço apoio de Aécio, foi eleito governador em primeiro turno, e teve 63,58% dos votos válidos de Ladainha, contra 35,63% dos votos dados ao ex-Rede Globo e ex-ministro das Comunicações de Lula, Hélio Costa. Alckmin também era um ilustre desconhecido, quando Covas, mesmo doente, relutava em se afastar do governo estadual. Resultado: Covas acabou morrendo, Alckmin assumiu definitivamente e depois conseguiu se reeleger. E elegeu-se agora, novamente, em primeiro turno, apesar de notabilizar-se por ser um "picolé de chuchu", expressão criada pelo humorista João Simão, tão insosso que se mostra. Importante aqui em São Paulo, berço e feudo do PSDB, Alckmin não conseguiu projeção nacional, e sua campanha para presidente, quatro anos atrás, mal decolou.

Pitta deu no que deu, mas o eleitorado de Maluf não o atendeu: "nunca mais votem em mim". Está, por enquanto, eleito, visto que ainda resta ultrapassar a malha fina da Lei da Ficha Limpa, ainda não inteiramente julgada pelo reticente e empatado STF. Dilma e Anastasia representam o anseio de continuidade dos eleitores, da mesma forma quando da reeleição de FHC e Lula, e de Alckmin. Exceto pelos anátemas lançados pelas viúvas políticas de Serra, algumas já agarradas indecentemente ao Alckmin, que já vaticinam receitas de fracasso para Dilma, ela e Anastasia têm uma chance razoável de bons governos. É diferente a situação de Alckmin: já mostrou seus limites e se, especialmente em Ubatuba, os paulistas acham que o que está por vir será melhor, só há que lamentar.

Preconceito e xenofobia
Preconceito é preconceito, quando expresso em poucas linhas muito agressivas no twitter, ou dito com palavras mais edulcoradas, numa revista eletrônica. Quem tiver curiosidade de ver a quantas anda a juventude paulista e sua relação com o preconceito, um bom local é o tumblr.

O Nordeste, nestes últimos dias, tem sido vítima predileta desse preconceito, classificado como xenofóbico. Separar entre bons e maus, entre inteligentes e burros, entre os que produzem e os que usufruem, entre os desta região e daquela, entre os de "raça inferior" e os de "raça superior" são formas maniqueístas de expressar preconceito. São a forma mais pobre do reducionismo que dá vazão a sentimentos que brotam da parte mais obscura e antiga do cérebro, e não da racionalidade de suas funções mais modernas e complexas.

Fato é que não foi o Nordeste o fiel da balança que elegeu Dilma. Foram, basicamente, Minas Gerais e o Rio de Janeiro, Estados que somam no esforço nacional de produção de bens e serviços e que, certamente, não são, na visão maniqueísta, os que usufruem sem contribuir.

Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 05/11/2011
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Oportunidades de melhoria perdidas na votação

 
É possível que o amptigo, velho e (quase) infalível pincel atômico, bem como seus dois grandes amigos, o papel de embrulho e o papelão, não tenham ainda sido apresentados aos responsáveis pela sinalização visual do 2° turno da eleição, na Escola Maria da Cruz Barreto, no Perequê-Mirim. Bastaria usá-los para que ficasse visível de longe, porque o pátio e os corredores da escola são grandes, a localização das seções eleitorais que lá funcionaram. Com isso, ficou perdida uma oportunidade de melhoria. Foi criada outra oportunidade, um bilhetinho no portão: a sinalização do local para entrega do requerimento de justificativa eleitoral.

Mudei-me definitivamente para Ubatuba antes da Marlene, que ainda tinha pendências profissionais a resolver em Assis. Transferi meu título para cá um pouco antes do encerramento do prazo para isso. Ela veio depois e seu domicílio eleitoral, portanto, ainda é Assis. Precisava justificar sua ausência na urna do 2º turno. Votei logo cedo e não havia nenhuma sinalização sobre local para a justificativa eleitoral. A seção onde voto fica na escola Maria da Cruz Barreto, a três quarteirões daqui e, por volta da hora do almoço, fomos até lá, para a Marlene poder assinar e entregar o formulário de justificativa eleitoral obtido no site do TSE. Bem, por volta da hora do almoço havia um bilhetinho, afixado no portão, dizendo que a justificativa deveria ser entregue em outra escola do bairro.

Até o 190, Polícia Militar, registro para preservação de direitos, tentamos. O atendente, de voz aguda mas de nome masculino, interpôs uma porção de perguntas, antes de acolher qualquer pedido. Queria saber de tudo, ter um panorama preciso, antes de acionar qualquer medida. A pergunta fatal foi: "Tem um PM aí, no local?" A resposta foi, claro, "sim". "Então fale com ele, que ele tomará as providências". Escusado dizer que não seria o caso de voltar ao policial militar, postado no portão, evitando, à guisa de informar, a entrada dos 8 em cada 10 eleitores que procuravam o local, para tentar a justificativa. Estava ali para impor a autoridade de sua (felizmente) respeitada farda para dizer: "justificativa não é aqui".

Não conseguimos nenhum contato. Nem o dr. promotor eleitoral, nem, menos ainda, o dr. juiz dotado de Poder de Polícia eleitoral. Mas, através da eficiente Leila, conseguimos falar com a eficiente Cecília, diretora do Cartório Eleitoral, repartição que já elogiei. Ela abriu o jogo: o TSE está errado, ao dizer "qualquer seção eleitoral", para justificativa. Que, em Ubatuba, foram selecionados 16 locais para justificativas. Mas que, sendo o caso (e era) de discordância, estava aberta a possibilidade de consignação em ata do requerimento da justificativa. Leila, com eficiência, orientou a mesária quanto ao preenchimento da ata, coisa rápida e que não atrapalhou o andamento da votação. O problema agora é do dr. juiz, de acolher, deferir, o requerimento de justificativa, ou denegá-lo, conforme seu livre e fundamentado convencimento.

Qualquer burocracia, e a eleitoral não é exceção, tende a regulamentar procedimentos conforme sua própria conveniência, e não conforme conveniente para os usuários dos serviços burocráticos. Os usuários, é claro, não sabem, e nem querem saber, das dificuldades do burocrata, com malotes, horários para malotes, logística, coisas assim. O usuário, leigo, lê, nas instruções para preenchimento do formulário, "qualquer local de votação", e pronto. Nem um, nem outro, estão essencialmente errados.

Ubatuba é cidade turística, recebe, como recebeu neste feriado prolongado, uma multidão de pessoas, a maioria das quais eleitoras, que precisaram justificar ausência. Faz todo o sentido canalizar essa demanda para locais específicos, evitando tumultuar o processo normal de votação dos ubatubenses. Mas, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O TSE orienta no sentido de que o formulário da justificativa, disponível em seu site da internet, pode ser entregue em qualquer seção eleitoral. No entanto, abre a possibilidade, para os TREs, de que a justificativa possa ser entregue nas seções eleitorais ou em mesas receptoras específicas, ou em ambas, mas diz: (parágrafo 3º, art. 9º, Res. 23.218): "O Tribunal Regional Eleitoral que adotar, para o segundo turno, mecanismo alternativo de captação de justificativa deverá regulamentar os procedimentos e divulgá-los amplamente ao eleitorado". Amplamente é a a palavra. Não canhestramente, com bilhetinhos de hora de almoço.

Por final, há duas questões. Deficiência física, ambulatória, e necessidade de comprovação do exercício do dever legal de votar, ou justificar, para perceber os legítimos vencimentos de aposentadoria. A decisão da seção eleitoral, do cartório eleitoral, do juiz eleitoral, tem reflexos mais do que patrimoniais, tem reflexos na sobrevivência - alimentação, água, moradia - e no dever de prover acessibilidade a quem tem deficiência. Vejamos no que vai dar.

- Texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá, em 04/11/2010
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Ubatuba elege Serra novamente

 
Confirmando a tendência apontada pelo 1° turno, Ubatuba deu a José Serra, do PSDB, 63,2% dos votos válidos, contra 36,8% dados a Dilma Rousseff, do PT. Nacionalmente, Dilma teve 56,05% e Serra, 43,95%. A abstenção foi muito alta, 24,02%, ou seja, quase 1, em cada 4 ubatubenses, não compareceu às urnas. Nacionalmente, a abstenção foi de 21,47%. Aqui, os votos em branco foram 2,86% e os nulos, 3,65%, contra, nacionalmente, 2,3% e 4,4%, respectivamente.
Abaixo, os resumos da votação do 2° turno no Litoral Norte (apuração concluída) e no Brasil (99,99% das urnas apuradas, faltando só 23, dados do arquivo do TSE das 01:46:56 horas de 1/11/2010).

Ubatuba - 169 Seções - Eleitorado: 58.399
Abstenção - Em branco - Nulos14.028 (24,02%) - 920 (2,07%) - 1.516 (3,42%)
Dilma - 15.432 (36,80%) - No primeiro turno, 30,09%
Serra - 26.503 (63,20%) - No primeiro turno, 47,39%

Caraguatatuba - 181 Seções - Eleitorado: 68.781
Abstenção - Em branco - Nulos15.891 (23,10%) - 1.284 (2,43%) - 1.909 (3,61%)
Dilma - 20.732 (41,72%) - No primeiro turno, 33,76%
Serra - 28.965 (58,28%) - No primeiro turno, 44,01%

São Sebastião - 144 Seções - Eleitorado: 52.108
Abstenção - Em branco - Nulos11.872 (22,78%) - 861 (2,14%) - 1.331 (3,31%)
Dilma - 19.547 (51,38%) - No primeiro turno, 40,64%
Serra - 18.497 (48,62%) - No primeiro turno, 34,69%

Ilhabela - 57 Seções - Eleitorado: 20.204
Abstenção - Em branco - Nulos4.650 (23,02%) - 238 (1,53%) - 398 (2,56%)
Dilma - 4.854 (32,54%) - No primeiro turno, 24,35%
Serra - 10.064 (67,46%) - No primeiro turno, 52,93%

Brasil - 400.001 Seções - Eleitorado: 135.804.433
Abstenção - Em branco - Nulos29.194.309 (21,50%) - 2.452.588 (2,30%) - 4.689.293 (4,40%)
Dilma - 55.751.918 (56,05%) - No primeiro turno, 46,91%
Serra - 43.710.381 (43,95%) - No primeiro turno, 32,61%

- Texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá, em 01/11/2010.

Alvíssaras: as Nephilengys cruentata voltaram


Cães são diferentes de gatos, e humanos são diferentes de ambos. Cães vivem com o focinho pregado no chão, o mundo em que vivem contém uma imensidão de odores, cheiros, traços que lhes ativam o aguçado olfato. Têm, dizem, nunca contei, 220 milhões de receptores olfativos, enquanto que nós, pobres mortais, temos apenas 5 milhões. Cães raramente olham para o alto, só mesmo quando algum ruído lhes chame a atenção. Gatos, nem imagino quantos receptores olfativos têm, mas são curiosos e têm o aguçado olhar de caçadores que são. Cães não escalam. Não mesmo?  Gatos adoram subir em coisas, móveis, objetos, muros, telhados, árvores. Até mesmo para um aconchego. Frequentemente, do nada, começam a olhar para cima, para o alto, procurando uma oportunidade de escalada ou buscando algum pássaro, mariposa ou barata para predar. Dizem que gatos caçam camundongos. Por aqui não os há, nem ratos que aqui não é Prefeitura, e raramente há baratas, mas mesmo essas poucas não escapam das garras e do espírito brincalhão da Elis, nossa gatinha vira-lata.
Humanos, moderadamente, escalam, cheiram, olham para o alto. Os nomes das constelações estelares que conhecemos hoje foram dados séculos atrás, pelos curiosos que olhavam o céu noturno. A maioria das constelações e nomes de estrelas veio de um imbróglio de tradições gregas, romanas e árabes. Mas, bichos humanos urbanos que somos, raramente olhamos para o telhado, para o forro, para o alto, dentro de nossas casas.
Assim, não sei desde quando, pois foi somente hoje que olhei para o alto, para a face inferior do telhado da varanda, três filhotes de Nephilenbis cruentata estão a construir suas teias de caça e abrigos diurnos. Tem uma maiorzona, uma média e uma pequenina. Alimentam-se de pequenos insetos voadores, inclusos os pernilongos chatos Culex e os perigosos Aedes, estes últimos, felizmente, sumidos daqui.
Há uma outra habitante, da qual ainda não sei o nome. Instalou-se no forro da cozinha. Fez seu casulo diurno e sua teia de caça, mas não é uma Nephilengys. É menor, e muito bonitinha.
Humanos têm fobias. A Zélia, que cuida da limpeza pesada da casa, tem horror, pânico, a gatos, mesmo os mais inofensivos do mundo, como são a Elis Elis e o Goya. E não gosta, nem um pouco, de aranhas. Mas aprendeu a não bulir com elas, aqui em casa, no nosso Cantinho, no pé do morro do Funhanhado. Aqui, essas aracnídeas estão a salvo do predador humano. Seguirão seu curso normal de vida. Morrerão um dia, certamente, mas que a vida lhes seja longa e feliz.
Por final, de vez em quando beija-flores entram na cozinha e, como sempre tentam voar para cima, nem sempre percebem uma janela ou porta aberta. Tempos atrás, o "salvamento" de um deles foi feito com o auxílio de um rodinho, momento registrado pela Elka e publicado pela Marlene. Esta semana, o Sidney Borges fez registro de forte emoção, imperdível: um final feliz. Em comentário, o Carlos Rizzo até mencionou o nome do bichinho.

- Texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá , em 28/10/2010. 

domingo, 17 de outubro de 2010

Oportunidades de melhoria na votação em Ubatuba


Foi bem a votação em Ubatuba, exceto algumas pequenas picuinhas. Mas que talvez apontem para alguma oportunidade de melhoria.
A Justiça Eleitoral não é um ente etéreo, que opera fora dos padrões humanos. É constituída por pessoas, uma multidão de pessoas, desde seus colaboradores cidadãos comuns, a quem cabe trabalhar na preparação do espaço de votação, na organização das filas e acesso às seções eleitorais, nas mesas receptoras de votos, nas apurações (com a urna eletrônica, fica obsoleto falar em mesas apuradoras), até aqueles a quem, por dever de ofício, cabe fazer os registros eleitorais, expedir e fazer cumprir instruções convenientes à execução do Código Eleitoral, e, até, exercer uma espécie de "poder de polícia", de natureza eminentemente administrativa. Como boa parte, senão a maior parte, dessas atribuições não tem a ver com jurisdição contenciosa, é comum os juristas falarem em jurisdição voluntária, lembrando sempre que há países que adotam sistemas de comissões eleitorais, das quais não participa o aparato judiciário, reservado este exclusivamente ao conteúdo contencioso das eleições.
O juiz eleitoral, nas eleições, especialmente nos dias de votação, exerce atividades administrativas, com ritos e procedimentos nem sempre iguais aos das lides contenciosas. Não deve ser inerte, não precisa ser provocado, mas deve decidir de pronto, quando o é. Há julgados do TSE no sentido de que, por conta de sua função híbrida de juiz eleitoral, quando este atua como administrador, e sofre desobediência quando exerce poder de polícia, pode ficar impedido de atuar, no caso concreto, como órgão jurisdicional.
Por extensão, promotor, cartorário, diretor da escola, o encarregado de destrancar o portão, são funcionários que mantêm seus títulos, mas que, nos dias de votação, exercem atividades que auxiliam o juiz eleitoral em sua missão administrativa. Ou, mesmo, agem apenas como cidadãos, no interesse do melhor desenrolar da atividade de votação.
Não é prudente generalizar a partir do meu pequeno bairro pobre. Mas o que vi, de uma maneira menos intensa que a descrita por Rui Grilo, foi semelhante. O espaço para votação, na escola onde funcionou a Seção Eleitoral em que votei, estava bem organizado, mas mal sinalizado. E o bocado de gente que tentava ajudar os eleitores não portava qualquer crachá, identificação ou coisa assim. Quando fui à procura da representante da Justiça Eleitoral, a melhor referência que obtive foi "aquela moça morena, do Cartório Eleitoral, de blusa branca". Encontrei-a, afinal, e relatei sobre a propaganda desrespeitosa, pedindo para que constasse da ata. Não sei quanto à ata, mas Léia, a moça da blusa branca, solícita e decidida, tomou um bocado de chuva e resolveu a questão.
O relato do fiscal de partido, sobre a votação na seção eleitoral onde atuou, mostra algo mais contundente, e o relato do promotor diz que Grilo, ao apontar tumulto, "somente estava querendo causar tumulto". Grilo apontou falha de procedimento - fiscal impedido de entrar para registro da "zerésima" - e tumulto nas filas, pessoas sem identificação, coisas fáceis de resolver. Foi denunciado ao promotor por boca de urna - não constatada -, o que leva a supor uma espécie de maldosa retaliação. O dr. promotor eleitoral registrou, em nota, as duas faces do episódio. Mas foi além, talvez até muito: "De todo modo, caso alguém tenha presenciado boca de urna, ou qualquer outra irregularidade, por gentileza, que apresente à Justiça Eleitoral a devida representação por escrito e acompanhada de nomes, lugar, testemunhas e um início de elementos probatórios a permitir que uma investigação possa ser realizada e os responsáveis punidos. Não basta "denuncismo" por "denuncismo" ou "achismo", tal como ocorrido no episódio do Sr. Rui Grilo, mas sim informações concretas e que permitam efetivamente a punição dos responsáveis. Além disso, a representação deve ser redigida em documento assinado a fim de que a pessoa que apresentar a notícia assuma também a responsabilidade pelos fatos que levar a conhecimento da Justiça, coibindo assim qualquer tentativa de usar a Justiça para fins estritamente eleitoreiros e eventual prática de denunciação caluniosa, o que, infelizmente, por vezes ocorre."
Bem, o cidadão comum tem horror a se envolver em episódios policiais ou judiciários. Na verdade, evita até mesmo reclamar no supermercado, quando vê algum produto mal embalado ou com data de validade vencida. Ao estacionar seu carro em via pública, sofre calado a extorsão praticada por "flanelinhas" oportunistas, não vinculados a qualquer entidade. Sofre na pele, mas apenas vagamente sabe o que é assédio moral, algo que por vezes relata para seu amigo, mas jamais chega ao ponto de denunciar, especialmente se for funcionário público de cidadezinha ou empregado de terceirizada. O cidadão sabe que, se resolver reclamar, caber-lhe-á imenso ônus, que se sente despreparado para assumir. Que verá muitas caras feias e pouco auxílio de onde quer esperar defesa da cidadania. Não é diferente quando se trata de eleições. E a própria propaganda do TSE diz isso, na animação em que, assediado pelo bando da boca de urna, o eleitor simplesmente pega a colinha eleitoral que lhe foi imposta e, a seguir, a joga no lixo, seguindo sorridente para a urna. A propaganda institucional não o mostra redigindo extensa petição nem, ao menos, pegando um telefone para denunciar. Não: a mensagem subjacente é "não confronte, não reclame, apenas jogue no lixo".
Então, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Na efervescência do processo de votação, os administradores são chamados para intervir exercendo poder de polícia, e não, portanto, sujeitos aos ritos judiciários contenciosos. Daqui a pouco, os mais afoitos estarão a exigir capacidade postulatória para resolver questões meramente organizacionais, administrativas.
Do visto, parece claro que o fiscal de partido Grilo, talvez até fazendo jus ao apelido do inseto que lhe empresta o nome de família, "cri-cri", falava da possibilidade de atos atentatórios à liberdade do voto, durante o processo de votação. Possibilidade a justificar atuação dos administradores do processo, e não evento contencioso, a nascer na esfera jurisdicional e penal, a partir de testemunhas e um início de elementos probatórios, como quer o promotor eleitoral. Há que reconhecer o mérito dos que se batem pela cidadania.
Andou bem o promotor eleitoral de Ubatuba ao evidenciar, em sua nota, os excessos do fiscal Grilo. Andaria melhor ainda se também reconhecesse que faltou, ao local da votação, melhor organização para prover informações de melhor qualidade ao eleitor, bem como reconhecer que, mesmo presumivelmente não causando prejuízo a ninguém, ritos do processo eleitoral - norma não contém palavras inúteis - devem ser observados e eventuais desvios corrigidos, preventivamente, na esfera administrativa de que se trata.
Por final, oportunidade de melhoria é linguagem da Ciência da Administração, e, convenhamos, um eufemismo que os adeptos da Qualidade Total usam para escamotear erros, defeitos e problemas, coisas de gente, de humanos, de pessoas. Mas, admitindo válida a otimista expressão, a tal Qualidade Total vê no equívoco, no erro, na falha, na falta, no mais leve escorregão, uma oportunidade de melhoria. É linguajar da ciência da administração, mas pode, com cuidado, ser aplicado ao processo eleitoral: a administração do processo eleitoral, com especial ênfase para os procedimentos do dia das eleições, talvez tenha a ganhar se a Justiça Eleitoral e seus colaboradores, Ministério Público Eleitoral incluso, tiverem a humildade de admitir alguma possibilidade de melhoria, oportunidade eventualmente apontada na efervescência dos ânimos exaltados no dia de votação.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 15/10/2010

sábado, 9 de outubro de 2010

Ninguém teve voto em Ubatuba


Ninguém, do PSL, teve um único voto em Ubatuba. Ele totalizou 787 votos nesta eleição. É engenheiro, tem um patrimônio de pouco mais de 8 mil reais. Seu nome é Silvio Luiz Martuci, mas optou por colocar, na urna eletrônica, "Ninguém". E a Justiça Eleitoral deferiu.
Luiz Moura não teve nenhum voto em Ubatuba, mas figura entre os eleitos, pela coligação Somos Mais São Paulo, liderada pelo PT. Seu patrimônio ascende a R$ 5.125.587,92, dos quais 4 milhões referem-se a uma empresa de turismo, a Happy Play Tour. É alagoano, de Batalha, o cabra da peste.
Guerra teve, em todo o Estado, 30 votos. Ele é do PTN, ator e diretor de espetáculos públicos. Lê e escreve. Em Ubatuba, nenhum voto. A foto na urna é bem interessante.
O Elcio, em todo o Estado, teve 19.585 votos. Mas como foi pego na malha da Lei da Ficha Limpa, se teve algum voto em Ubatuba ainda não vai ser agora que isso será conhecido. Só mesmo depois que o TSE julgar o tema. É do PPS.
Julhinho - isto mesmo, maio, junho, Julhinho -, em Ubatuba, zero, nenhum voto. No Estado, teve 851 votos. É do PRP.
Julinho foi mais esperto: renunciou à candidatura. Com patrimônio de 150 mil, o advogado integra os quadros do PMDB.
Grilo, o da lotação, teve 397 no somatório estadual, e zero, neca de pitibiribas, em Ubatuba. Adenisio Miguel da Silva, PSC, é um pernambucano de Glória de Goitá, cujos bens somam 300 mil reais, dos quais 120 mil referem-se ao seu micro-ônibus ano 2004. De onde tirou o apelido de Grilo para a urna só se pode fazer suposições.
Quociente Eleitoral
Bem, esta foi a parte (que pretendi ser) divertida. Agora vamos à parte chata: entender melhor essa coisa de eleição proporcional, na qual nem sempre quem tem mais votos leva.
Na eleição chamada de majoritária, para presidente, senador, governador, prefeito, é bem simples: quem tiver maior número de votos, leva, é eleito (às vezes, conforme o caso, em segundo turno). O cargo em disputa tem apenas uma e única vaga, mesmo quando se trata do caso de senador, porque é um número fixo de representantes por Estado: três. O Amapá tem direito a três senadores, um dos quais é, hoje, o presidente do Senado, o ex-presidente José Sarney, do Maranhão. Ué. Pode? Pode. É uma esperteza, e seria uma fraude se não fosse algo permitido pela legislação eleitoral. Bastou que ele mudasse seu domicílio eleitoral para Macapá, mesmo continuando a morar (quando não está em Brasília) em São Luís. Simples assim. São Paulo também tem direito a três senadores. O argumento dos defensores do sistema bicameral sustenta que o Senado representa o Estado federado em si, enquanto que a Câmara dos Deputados representa o povo de cada Estado. Seria maravilhoso, se o Amapá, Roraima e Rondônia, por exemplo, fossem Estados de verdade, e não as ficções, os arremedos, que são hoje, praticamente mantidos com recursos federais.
Vamos agora examinar o caso da Câmara dos Deputados, mas a regra vale para as Assembleias Legislativas e para as Câmaras Municipais.
A Câmara dos Deputados tem um máximo de 513 cadeiras, número definido proporcionalmente à população, dados fornecidos pelo IBGE. A regra legal diz que nenhum Estado poderá ter menos de 8 cadeiras, e não mais de 70. Dos 27 Estados da Federação, apenas São Paulo fica limitado ao máximo de 70 vagas. Minas tem 53, o Rio de Janeiro 46, a Bahia 39. São os mais populosos. Onze Estados têm população pequena e se beneficiam da regra do mínimo de 8 vagas cada.
A proporcionalidade ocorre com o uso do quociente eleitoral (QE), que é a divisão dos votos válidos (votos em candidatos e nas legendas) pelo número de vagas de cada Estado. Foi introduzido pelo código eleitoral de 1932 e é o número mínimo de votos que precisa ter um partido ou coligação para ter representante na casa legislativa. Subsidiariamente, há a regra das maiores médias.
Assim, o QE de São Paulo, na eleição de 3 de outubro, foi de (21 317 327 / 70 =) 304 533 votos. O candidato eleito para a vaga 70, Salvador Zimbaldi, do PDT, precisou de 42.743 votos. O primeiro suplente da coligação liderada pelo PSDB, Wanderlei Macris, teve 111.531 votos.
O QE, por exemplo, de Roraima, foi de (21 317 327 / 8 =) 2 664 665 votos. Roraima não tem esse número de pessoas, que dirá de eleitores. O candidato eleito para a vaga 8, Chico das Verduras, da coligação liderada pelo PRB, precisou de apenas 5.903 votos, enquanto que o primeiro não-eleito, suplente, portanto, Urzeni Rocha, da coligação liderada pelo PSDB, teve realmente votação menor, 4.555.
Por que essas diferenças? O voto de São Paulo vale menos? Por que, aqui, o candidato que menos votos precisou, para ser eleito, teve que conseguir quase 43 mil, enquanto que o de Roraima precisou de apenas quase 6 mil? Por que o primeiro suplente paulista não foi eleito, apesar de seus mais de 111 mil votos? Que mágica é essa?
Não há mágica. Há um sistema, consagrado desde 1932, que não é perfeito, é alvo de várias críticas e que, nitidamente, beneficia os Estados menos populosos. Seus defensores dizem que esse é o preço a pagar para ter, e manter, uma república organizada sob a forma de uma federação de Estados-membros, sem que o maior sufoque o menor. Há vários outros sistemas eleitorais proporcionais em uso no mundo, todos com suas vantagens e todos também com suas desvantagens. Esses sistemas são obras humanas e jamais serão perfeitos.
O sistema em uso no Brasil usa dois critérios, o do Quociente Eleitoral, e o das maiores médias. Examinar um caso concreto poderá facilitar o entendimento desses critérios. Por que o vereador Maurão decidiu ser candidato a deputado federal? Teria a ilusão de conseguir se eleger, com votos de um colégio eleitoral tão pequeno como o de Ubatuba, que teve pouco mais de 39 mil votos válidos? Tem-se como certo que não. O raciocínio é de outra ordem, que leva em consideração o interesse partidário. Maurão teve muito mais sucesso pedindo votos para si próprio do que teria pedindo votos para algum outro candidato de seu partido. Conseguiu 3.573 votos em Ubatuba, e outros 1.946 em outros municípios, uma votação nada desprezível, e que o consolida como liderança regional no PSC, além de colocá-lo como 12º suplente.
Com isso, contribuiu para eleger os dois representantes da coligação na Câmara dos Deputados. Vejamos: o candidato mais votado da coligação, Marco Feliciano, teve 211.855 votos, bem menos que o quociente eleitoral. O segundo mais votado, Marcelo Aguiar, teve 98.842, muito menos que o quociente eleitoral, que é de 304.533. No entanto, a coligação teve 650.202 votos dados ao conjunto de seus candidatos, mais 9.489 votos dados às legendas, resultando num total de 668.691 votos. Ou seja, mais de duas vezes o quociente eleitoral (668 691 / 304 533 = 2.19579159), garantindo assim duas vagas e mais uma pequena sobra.
Essa sobra permite à coligação participar da segunda rodada da eleição proporcional, que é o método das maiores médias. Funciona assim: preenchidas as vagas pelo método do quociente eleitoral, poderão restar mais vagas, decorrentes das sobras de todos os partidos/coligações, bem como daqueles que não tenham alcançado o quociente (e que ficarão sem nenhum representante). A média da coligação Humanista-Cristão para disputar uma terceira vaga será de (668 691 / 3 =) 222.897. Ou seja, um deputado para cada 222.897 eleitores.
Para comparação, tomemos o caso da coligação Juntos por São Paulo, cujos dois principais partidos são o PT e o PR. O PR, na verdade, é um partido inexpressivo, feudo do deputado Valdemar da Costa Neto. Mas abrigou, nesta eleição, o candidato Tiririca, que teve 1.353.820 votos. No conjunto, a coligação teve um total de 6.789.330 de votos válidos. Aplicando o método do QE, fica fácil perceber que teria direito a 22 vagas: 6 789 330 / 304 533 = 22,2942341, com uma sobra relativamente alta, quase um terço de uma vaga. Para disputar uma terceira vaga sua média será (6 789 330 / 23 =) 295 188,261. Ou seja, um deputado para cada 295.188 eleitores. Bem maior, portanto, que a da coligação do vereador Maurão, que é de um deputado para cada 222.897 eleitores.
Mas a coligação do Tiririca, mesmo garantindo uma 23ª vaga, ainda tinha uma sobra significativa, garantindo nova média elevada: (6 789 330 / 24 =) 282 888. Resultado: conquistou uma 24ª vaga. Mas seu gás acabou por aí. A média para a 25ª vaga seria 6 789 330 / 25 = 271 573, ainda elevada, mas mesmo assim menor do que a de outras coligações em disputa. Essa perda de sobras significa candidatos com muitos votos, mas não eleitos. Por causa disso é que há candidatos suplentes com mais votos que candidatos de outras coligações, eleitos. Então, individualmente, Tiririca elegeu-se a si próprio e a mais três candidatos de sua coligação, mas a coligação em si só ganhou duas vagas pelo método das maiores médias. As demais coligações, pela ordem do QE obtido e das sobras, ficaram com as vagas remanescentes, com médias sempre maiores que as da coligação do Maurão, a qual ficou só com suas duas legítimas vagas de QE e mais uma pequena perda.
É justamente por causa desse critério de redistribuição de vagas pelas sobras, do qual se aproveitam todas as coligações e partidos, mas principalmente os maiores, que acontecem casos como o de suplentes, geralmente das grandes coligações, terem mais votos do que os últimos dos eleitos, geralmente das coligações menores. Ter muitos votos é muito bom, ter sobras altas também é bom, porque resulta em mais cadeiras para a coligação, mas acaba deixando sobras ainda altas, ou seja, candidatos não eleitos apesar de mais votados que eleitos de coligações menores. Considerando que o mais forte não deve sufocar o mais fraco, a solução não é de todo ruim. E, como, de uma forma ou de outra, o sistema acaba beneficiando a todos (exceto os partidos realmente nanicos), ninguém, nem o Niguém, se interessa muito em mudar isso.
Só para constar, Tiririca garantiu a eleição dos candidatos Delegado Protógenes, do PC do B, que teve 94.906 votos, e de Vanderlei Siraque, PT, 93.314. E ainda colocou José Genoino, PT, como primeiro suplente.
Só para constar, o segundo suplente da coligação Humanista-Cristão é Ney Santos, 40.321 votos, e que a polícia paulista suspeita ser representante de uma facção do crime organizado. Quatro anos depois de sair da cadeia passou a ser proprietário ou sócio de 18 postos de combustíveis e, em recente operação policial, teve apreendido um carro Ferrari.
Só para constar, Tiririca tem seu mandato ameaçado, por conta de duas ações propostas pelo Ministério Público, uma das quais pelo fundamento de que uma das causas de inelegibilidade é o analfabetismo. Protógenes é o ex-delegado da Polícia Federal que investigou alguns figurões, entre os quais Daniel Dantas, banqueiro que, na esteira da festa da privatização da telefonia, viu aumentar significativamente seu patrimônio e que chegou a ser preso, na Operação Satiagraha, que apurava irregularidades em operações financeiras de grande vulto. Genoino, que tem uma história de combate à ditadura instaurada em 1964, sabe ler e escrever, e assinou, sem ler, como presidente do PT à época, contrato que se transformou numa das peças do processo judicial que apura o caso do Mensalão.
Só para concluir, boa parte desse quadro de eleitos pode mudar, porque o Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou sobre a situação dos candidatos cujos votos são, no momento, considerados como nulos, em face do indeferimento de suas candidaturas com fundamento na Lei da Ficha Limpa. Se o STF julgar que os votos atribuídos a esses candidatos são nulos, fica tudo como está. Se julgar que são válidos, então novas contas do QE e das maiores médias precisarão ser feitas, podendo resultar em mudanças significativas.

- Texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá , em 08/10/2010
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Ubatuba: retirada propaganda constrangedora

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Escola Municipal Maria da Cruz Barreto, no Perequê-Mirim, Ubatuba, SP. - Imagem: © Elcio Machado

Alertada por um constrangido eleitor, a fiscal da Justiça Eleitoral no prédio da Escola Municipal Maria da Cruz Barreto, no Perequê-Mirim, onde funcionam diversas seções eleitorais, providenciou contato com o proprietário do terreno lindeiro que ostentava propaganda mirando o interior do prédio público. Antes de meio-dia do chuvoso dia da eleição, a propaganda já havia sido retirada.

- Texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá , em 05/10/2010
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Ubatuba: propaganda mirando seção eleitoral

                                                                           Elcio Machado 
Escola Municipal Maria da Cruz Barreto, rua Pedro Barbosa 248, Perequê-Mirim, Ubatuba, SP. - Imagem: © Elcio Machado

Finzinho de tarde, sábado, véspera de eleição, Escola Municipal Maria da Cruz Barreto, na rua Pedro Barbosa 248, aqui no Perequê-Mirim: algo mudou. A propaganda instalada num terreno particular, paralelamente ao muro da escola que neste domingo será a seção eleitoral 104, não tem mais a fotografia do presidente da Câmara de Ubatuba. Permanece lá a imagem de candidato que consta como "deferido com recurso" na Justiça Eleitoral. E agora há uma nova, a de um candidato a senador.
O que diz a lei? Bem, lei, ora, a lei! É matéria de interpretação. O leigo interpreta de um jeito, o advogado de uns dois ou três, o promotor de outro jeito, o juiz nunca se sabe o que dirá, o tribunal menos ainda. O tribunal supremo, aquele que erra por último ou acerta por último (palavras de seu ex-presidente Gilmar, Mendes ou Dantas, conforme algum jornalista de renome cometa ato falho), claudica em questões simples, interrompe julgamento por pedido de vista, depois de telefonema (negado por Serra e por Gilmar) de um candidato a governador, e nem consegue dizer se a lei da Ficha Limpa vale ou não para estas eleições.
Legal ou ilegal, a propaganda mirando a seção eleitoral 104, onde voto, na Escola Municipal Maria da Cruz Barreto, na rua Pedro Barbosa 248, aqui no Perequê-Mirim, é de mau gosto e de uma "esperteza" que beira ao imoral, coisa de quem está disposto ao vale-tudo, de um candidato que consta como "deferido com recurso" na Justiça Eleitoral.
Sinto-me constrangido como eleitor.

- Texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá em 03/10/2010.
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Espertezas em Ubatuba

                                                                                                        Marlene CW 
Escola Municipal Maria da Cruz Barreto, rua Pedro Barbosa 248, Perequê-Mirim, Ubatuba, SP. - Imagem: © Marlene CW

Política é para políticos, diz-se. O exercício de mandatos eleitorais é sim para políticos, mas a participação no mundo político é para qualquer cidadão, e, mesmo, para qualquer proto-cidadão (no conceito de cidadão-eleitor), como é o caso das crianças e adolescentes que ainda não completaram 16 anos de idade.
Dentre as habilidades do político, é certo, estão as de ser esperto e de não ser ingênuo. É um mundo cão, onde a esperteza de corretamente avaliar a conjuntura é tão imprescindível como a de jamais embarcar em canoa caiçara furada por ingenuidade. Caso contrário, será engolido pelo mundo do poder. O poder queima, é brasa viva. Que o digam Jânio Quadros, Collor e José Dirceu, dentre muitos outros.
Mas a vivaz esperteza não é, e nem pode ser (poder ser-dever ser), desrespeito a preceitos éticos. Não é (não pode ser) um mundo de vale-tudo. Recebi ontem, aqui no pé do morro do Funhanhado, envelope de plástico reciclado fechado com um selo em fundo verde: "Ficha Limpa - A lei que o Brasil faz valer". E, dentro, propaganda eleitoral de dois candidatos apoiados pelo prefeito Eduardo César, um dos quais Gil Arantes, cuja ficha já foi citada pela mídia. Envelope de plástico reciclado por fora, dentro panfletos insustentáveis, não-recicláveis pelo alto teor de metais nas tintas empregadas.
A seção eleitoral 104, onde voto, será instalada na Escola Municipal Maria da Cruz Barreto, na rua Pedro Barbosa 248, aqui no Perequê-Mirim. Há uma aula de esperteza do vale-tudo no terreno vizinho a ela, para que a garotada aprenda desde cedo o que é isso. Basta ver a foto: a propaganda está dirigida a quem estiver no interior do pátio da escola-seção eleitoral, e mostra o bom moço presidente da Câmara Municipal apoiando candidato que consta como "deferido com recurso" na Justiça Eleitoral.
A cara de pau de alguns políticos impressiona. Talvez seja outra das habilidades necessárias.

- Texto publicado originalmente na Revista eletrônica O Guaruçá em 30/09/2010
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Câmara de Ubatuba: Ordem do Dia festiva


Ordem do Dia da 27ª Sessão Ordinária, a realizar-se no dia 28 de setembro de 2010, às 20h00, na Câmara Municipal de Ubatuba, rua Hans Staden, 467 - Centro.

01 - Projeto de Decreto Legislativo nº 01/10, que concede título de "Cidadão Ubatubense"

02 - Projeto de Decreto Legislativo nº 02/10, que concede o título de “Cidadão Ubatubense”

03 - Moção nº 35/10, de Congratulações

04 - Moção nº 37/10, de Congratulações

05 - Moção nº 43/10, de Congratulações

06 - Requerimento nº 084/10, à Telefônica, afim de que seja retirada a central do local ao lado da Padaria Pão de Mel, na rua João Baile, bairro Sertão da Quina.

É a Câmara da cidade onde tudo está às mil maravilhas.

- Texto originalmente publicado na Revista Eletrônica O Guaruçá
 em 28/09/2010.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

"Traíra" na Câmara Municipal de Ubatuba



O vereador Gerson Biguá, afastado esta semana por decisão liminar do Judiciário de Ubatuba, não é um "traíra", conforme se depreende do que disse o vereador Romerson de Oliveira na última sessão do Legislativo. Mas não disse quem seria o "traíra", nem exatamente do quê se constituiria a "trairagem".
É bom guardar esse nome: Eleandro Passaia. Ele sabe que o consideram um "traíra". E suas denúncias bem documentadas botaram na cadeia uma porção de políticos, incluindo prefeito, primeira-dama, vice-prefeito e presidente da Câmara do município de Dourados, em Mato Grosso do Sul, cidade que hoje é administrada por um juiz de Direito, numa espécie de intervenção decretada pelo Tribunal de Justiça daquele Estado. Em entrevista a uma emissora de televisão, Eleandro, que é secretário de governo e aceitou o convite do juiz-prefeito para continuar no cargo, disse que "Aqueles que se colocaram na posição dos que foram presos ou que compactuam com tudo isso com certeza vão encontrar em mim um traidor. Paciência. Se as pessoas de bem entenderem o que eu fiz e que eu fiz por causa da honra, isso pra mim é o suficiente.”
Ser "traíra" não é, necessariamente, um mau negócio. O tempo dirá quais os rumos que tomará a carreira pública de Eleandro, hoje um simples secretário de governo. Dificilmente, por investigações externas, jornalísticas ou policiais, se descobre algum esquema de corrupção. Como regra, é dos "traíras" que surge o escancaramento de esquemas de corrupção. Depois da "trairagem" de denunciar o esquema do mensalão, Roberto Jefferson apareceu publicamente com um olho roxo, porque, disse, lhe caiu em cima "uma estante". Fez parte durante muito tempo do esquema, tanto que o que denunciou foi o "descumprimento" do acordo financeiro por votos em projetos de interesse do governo. E, com isso, não mais se firmou na vida pública, apesar de ainda presidir o PTB. Talvez seja melhor um "traíra" limpo, que não corrompeu nem se deixou corromper, do que um que já se sujou na lama que depois denunciou.
A Prefeitura de Ubatuba, que tem ratos, no porão segundo o prefeito Eduardo César, talvez tenha um "traíra", já que foi uma denúncia que revelou a extensão até agora conhecida da corrupção detectada. Mas é apenas um "talvez".
A Câmara de Ubatuba tem "traíra", afirmou, na sessão da Câmara de 31 de agosto de 2010, o já eleito presidente da Mesa para o biênio que começa em 1 de janeiro de 2011, o vereador Romerson, que aqui, no pé do morro do Funhanhado, é conhecido por seu apelido, Mico. Na Câmara, parece, prefere ser tratado por Romerson: ainda recentemente, o vereador José Americano chamou-o por Mico e, incontinenti, retratou-se, pediu desculpas e chamou-o de Romerson. Mico, aparentemente, não é um bom apelido para quem, dizem, quer alçar voos maiores, porque é sempre citado como "prefeiturável", em vista de ter sido o vereador mais votado nas últimas eleições municipais.
"Tem traíra também neste meio", afirmou o vereador Romerson, ao dizer que não se deve transmitir à população a ideia de que a união impera entre os vereadores. Disse que recebeu apoio de diversos vereadores durante os 40 dias de afastamento em razão de liminar judicial, citando nominalmente José Americano, Gerson, Silvinho, Claudinei e Frediani. Mas não nominou o "traíra", ou os "traíras". Nem esclareceu qual o escopo da "trairagem". Mas, aparentemente, pelo contexto da fala, referia-se a quem não prestou solidariedade aos vereadores afastados no episódio judicial da eleição do Conselho Tutelar. Os vereadores que se manifestaram a respeito falaram em "processo absurdo", injustiça, testemunhas falsas, armação, sede de poder a qualquer custo. Mas não disseram de quem partiu a armação, ainda que pareça certo que se referiam, em parte, ao Executivo. Tanto que houve manifestações no sentido da Casa unir-se, para cumprir suas funções, inclusive a de fiscalizar o Executivo. E o vereador Romerson foi enfático, ao dizer que o prefeito deveria saber que a cidade "está um lixo", com ruas esburacadas, coisa que, aqui, no Perequê-Mirim, se resolveria simplesmente usando as máquinas que a Prefeitura tem. Dito e feito, o prefeito Eduardo César considerou que foi um desabafo, e imediatamente mandou para cá as máquinas que arrumaram as ruas. Coisa provisória, é claro, porque as últimas chuvas já começaram a danificar os recém-aplainados leitos de terra batida, já que asfalto é raridade por aqui.
É de se perguntar por que precisou o vereador fazer seu veemente desabafo para que a Prefeitura resolvesse cuidar de nosso bairro humilde. De perguntar, visto que a praia do Perequê-Mirim acumula este ano mais semanas de bandeira vermelha da CETESB do que a tradicional praia do Itaguá, quando a SABESP vai se mexer e incluir o bairro em seu programa de saneamento. De perguntar, porque será medida impopular (pelos custos e pela quase duplicação do valor das contas mensalmente pagas à SABESP pelos moradores), se há interesse político, tanto do vereador como do prefeito, em zelar para que aqui se faça saneamento básico. De lembrar que houve convocação de sessão extraordinária da Câmara para entregar, por mais 30 anos, o saneamento básico da cidade à SABESP.
A lealdade haverá de ser para com o povo, para com a lei. Não está excluída a possibilidade da Câmara se ver na contingência de exercer uma de suas altas funções, a de "julgar os vereadores, o prefeito e o vice-prefeito pela prática de infrações político-administrativas" (Lei Orgânica do Município, art. 12, XVII), ou outra de suas altas funções, a de "criar comissões parlamentares de inquérito sobre fato determinado que se inclua na competência municipal, por prazo certo, sempre que o requerer, pelo menos, um terço de seus membros" (mesma lei e artigo, XV). Um terço de dez: quatro vereadores. Apenas quatro. Mas é claro que a Câmara poderá optar por apequenar-se, preferir não exercer suas altas funções. E continuar com suas corriqueiras moções de congratulações, porque o Município está uma maravilha, está tudo em seu devido lugar, nada há para ser apurado e os vereadores estão sendo aplaudidos, como se viu no lotado auditório da última sessão. De qualquer forma, os vereadores provaram sua capacidade de mobilização. Ubatuba não é Dourados e aqui não voam sapatos, nem temos um Eleandro. Mas temos churrascos, grandes eventos de congraçamento.
O povo, o eleitor, o mandante, é o destinatário da lealdade. A lealdade deve ser, imperativo categórico, para com o bem comum, para com a lei, para com a probidade. Como se trata de interesse público, a lealdade não é devida a pessoas, pois nenhuma é acima de qualquer suspeita; pois a lealdade, quando se trata de interesse público, quando endereçada exclusivamente à pessoa do mandatário, o vereador, pode embutir deslealdade para com o mandante, o eleitor, o povo. Falta esse esclarecimento, quanto à fala do eleito presidente da Mesa do Legislativo. Não é uma questão de "Quem gosta, e quem não gosta". Mas uma questão de interesse público, quem age com probidade, quem não age com probidade.
Na lista dos silêncios nos microfones institucionais do Legislativo, há dois gritantes: o do atual presidente da Casa, que nada disse, nem esclareceu, sobre o afastamento de seis dos dez membros da Câmara, nem sobre a apreensão de bens públicos em seus domínios, como objeto de diligências provocadas pelo Ministério Público e autorizadas pelo Judiciário. E o do vereador Gerson Biguá, agora afastado, que preferiu não pronunciar ainda palavra em sua defesa.
Talvez melhor assim, sabe-se lá. Melhor dizer nada do que simplesmente fazer declarações, especialmente se forem de inocência. Melhor, talvez, esperar para ver o que indicam as evidências, as provas judiciais. Melhor dizer nada, direito constitucional, do que negar o que adiante poderá, ou não, se quedar provado.
Negar é direito, e direito a ser respeitado, assim como o de nada dizer. Acreditar no que o acusado diz ("sou inocente") é direito também, da mesma forma como o é não acreditar no que ele diz. Estamos nos instantes iniciais de vários procedimentos submetidos ao Judiciário, onde pode ser exercido pelos acusados o direito de ampla defesa (inclusive o direito de não falar a verdade). Mas também pode, e deve, ser exercido o direito à pretensão punitiva que tem o Estado, através da acusação pelo Ministério Público e do julgamento imparcial pelo Judiciário, de ver condenados aqueles contra os quais as provas tornem em fundamentos da culpabilidade o que, nas fases iniciais do processo, eram apenas indícios. Também pode, e deve, ser exercida a competência privativa da Câmara, "não dependendo de sanção ou veto do prefeito" (parágrafo único da lei e artigo citados).
Uma palavrinha necessária: o acusado, o réu, não é obrigado a falar a verdade. Mas a testemunha é obrigada a falar a verdade, não tem o direito de mentir. Quando se afirma que alguém prestou falso testemunho, está-se a dizer que a testemunha cometeu delito, punível. Houve falso testemunho, foi afirmado da tribuna da Câmara. Mas não basta dizer, é necessário provar.
O sistema judiciário é, todos sabem, lento e, muitas vezes, ineficaz. Mas é o que temos, no Estado de Direito. Melhor isso do que nada. Resta, portanto, apelar para a paciência e acompanhar o que as apurações mostrarão.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá
em 12/09/2010. 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Paraty, para ti, Ubatuba

 Arquivo público do Estado de São Paulo Paraty - Repórter Helio Rocha - 4x5 polegadas PB acetato 19520910. - Imagem: © Arquivo público do Estado de São Paulo
Quarta-feira passada fomos a Paraty, fantasiados de turistas, com direito a máquina fotográfica pendurada no pescoço e tudo o mais, o que resultou em belas fotos, especialmente uma, que a Marlene fez. Não éramos turistas: os estudiosos do ramo chamam de excursionistas os visitantes que, com intenção turística (ou seja, não com intenção de negócios, estudo ou de visitar amigos e familiares), vão a algum lugar mas nele não pernoitam. É o caso, por exemplo, dos excursionistas dos ônibus que vão ao terminal turístico do Perequê-Açu, ou dos excursionistas que se utilizam do pier do Itaguá, vindos a bordo dos enormes transatlânticos.
Excursionista é sempre um turista em potencial. Vai uma vez, gosta, pode eventualmente voltar para uma temporada. Ao menos foi assim que fomos recebidos em Paraty, no posto de informações turísticas. Um rapaz muito simpático cuidou de oferecer os vários folderes disponíveis, mais de meia-dúzia, e insistiu para que levássemos o calendário anual, afirmando que sempre encontraríamos algum bom motivo para voltar a Paraty.
Tiramos a sorte grande, ao meio-dia, em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios: após as 12 badaladas, teve início o toque festivo, como um dos atos da novena preparatória para a festa, que é no dia 8 de setembro. Em Minas Gerais são comuns os toques de sinos, cada qual com seu significado. Os festivos, por ocasião das festas em homenagem aos santos padroeiros, são os mais comuns. Mas há também, dentre outros, os toques solenes, quando da visita do bispo, e os fúnebres, quando do falecimento de algum fiel. Além, é claro, dos toques diferenciados para os dias do tempo comum e para os dos tempos especiais. Os toques de vésperas são muito conhecidos. Não sou católico (na verdade, não professo qualquer crença), mas sempre fico encantado com a música sacra (antiga, não a de hoje) e com os toques dos sineiros, cada qual com sua particularidade, que os individualiza. Só existem sineiros onde a tradição se mantém, o mestre ensinando o aprendiz. Fico me perguntando onde estariam os mestres sineiros de Ubatuba.
Foram vários minutos de toque festivo, de surpresa, o que impediu que o gravássemos. Dois sinos repicando em toques rítmicos e harmoniosos, de estilo vibrante, alegre, festivo. Ficamos sabendo que no dia 8 de setembro, ao estilo do responsório da liturgia tridentina, as demais igrejas da cidade - da Santa Rita, de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, e de Nossa Senhora das Dores - saúdam a padroeira da cidade, replicando, cada qual com seu estilo peculiar, o toque festivo da Nossa Senhora dos Remédios.
Almoçamos num restaurante que fica na beira do canal, uma construção antiga, à qual foi acrescentada ampla varanda. Creio que é a construção visível logo no final da ponte, na foto aérea de setembro de 1952, disponível na internet graças ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que digitalizou os negativos do jornal carioca Última Hora, conforme nosso siri eletrônico, O Guaruçá, informou dia 4 último.
Dentre os 12 negativos 4x5 polegadas PB em acetato, de uma reportagem feita em 9 de setembro de 1952 pelo repórter Helio Rocha, há uma foto (não consta quem foi o autor das fotos) que me chamou a atenção: parece ser uma fabricante, ou vendedora, de tamancos. "Dos velhos bailes de bate-pé, com dança de tamanca em piso de tábua, restaram apenas versos de canoa." É com essa afirmação que O Globo, em sua edição de 29/2/2004, com registro de uma ONG socioambiental, inicia a descrição da meteórica agonia dos caiçaras de Paraty. Lá, como aqui, os caiçaras nativos, verdadeiros, estão em extinção. Quantos dos 23 recenseados em 2004 ainda estariam vivos hoje, seis anos depois?
Seja como for, Paraty sabe exatamente qual sua vocação, sabe exatamente o que quer, sabe com precisão como fomentar o turismo, e, bem ou mal, consegue preservar alguma coisa de suas tradições. Ubatuba não está nesse nível, nem de longe. E ainda recentemente, uma tradição de 87 anos, a procissão marítima de São Pedro Pescador, foi quebrada por causa da naniquice (dos políticos e) da política local. É mais do que urgente Ubatuba levar-se a sério, parar com a falta de humildade dos falsos super ufanismos, abandonar a enxurrada de moções com finalidade eleitoreira e prestar atenção no que ainda resta, para preservar e cultivar. E elaborar uma verdadeira política de turismo, não os arremedos que se vê hoje. Para isso, é preciso levantar o olhar, para o nível das montanhas que nos cercam, e não mantê-lo no chão das dezenas de pequenos currais eleitorais espalhados ao longo da costa. Abandonar a política de galinhas ciscando à cata de minhocas e acabar de vez com o mal-estar que é ser chamada, de vez em quando, do que definitivamente não é: cidadezinha.

- Texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá,
em 06/09/2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Tribuna da Câmara de Ubatuba é dos vereadores



Dos seis vereadores afastados que reassumiram seus cargos por decisão judicial, quatro se manifestaram na sessão de terça-feira da Câmara Municipal, declarando-se inocentes das acusações de interferência indevida na eleição do Conselho Tutelar. E, deslocando, em parte, o foco de defesa e de explicações, três desses  vereadores criticaram o presidente da OAB local, o advogado Thiago Penha de Carvalho Ferreira, por ter manifestado pela imprensa opinião de que o Legislativo deveria realizar nova eleição da Mesa Diretora, independentemente dos resultados jurídicos relativos ao processo que resultou no afastamento liminar de três, e depois, mais três vereadores.

A Câmara de Ubatuba decidiu antecipar para julho passado a eleição para composição da Mesa que dirigirá o Legislativo a partir  de 1º de janeiro de 2011 e até 31 de dezembro de 2012. A argumentação foi a de que no período das eleições gerais seria mais difícil realizar a votação. Na época da manifestação do advogado, estavam afastados os eleitos presidente e primeiro vice-presidente, bem como o 1º secretário.

Acostumado com o princípio do contraditório, próprio da seara judicial, o advogado Thiago Penha de Carvalho Ferreira, presidente da OAB Ubatuba, citado criticamente por vereadores, incidiu em equívoco, ao pretender utilizar-se da tribuna da Câmara Municipal durante a sessão ordinária do dia 31 de agosto de 2010. É que o recinto do plenário e o uso da tribuna, durante as sessões ordinárias, são privativos de quem tem mandato popular legislativo em nosso Município, vale dizer, os vereadores (e, quando for o caso, suplentes) regularmente eleitos, diplomados e empossados. Há apenas duas excessões, com ritos próprios. O primeiro deles é o do parágrafo 2º do artigo 96 do Regimento Interno da Câmara, que autoriza o presidente da Mesa a convidar autoridades públicas federais, estaduais e municipais e personalidades homenageadas (além de representantes credenciados da imprensa e do rádio). Mas esses convidados só poderão falar se for "para agradecer a saudação que lhes for feita pelo Legislativo" (grifo nosso), diz o parágrafo 3º. A outra exceção é a Tribuna Popular, no formato instituído pela Resolução nº (ilegível, no indecente Regimento Interno "provisório" disponível no portal da Câmara), de 29 de março de 2001.

Mas, alto lá! O presidente da OAB local não poderia ter usado a Tribuna Popular? Poderia, caso tivesse feito sua inscrição até o final do Expediente. Até que tentou, mas foi-lhe negado o direito. É que, na seara política, da qual pouca prática tem o advogado, quando convém ao primeiro intérprete do regimento, o presidente da Casa, a interpretação pode ser literal, a ferro e a fogo: encerrado o Expediente, não mais pode acontecer inscrição para a Tribuna Popular.

Aconteceu assim:

O presidente, Ricardo Cortes, ao final do último pronunciamento no Expediente: "Nada mais havendo a tratar no Expediente, está reaberta a sessão."

O advogado Thiago Ferreira se manifesta do auditório, pedindo o direito de se pronunciar.

A resposta do presidente: "O sr... A manifestação é da Câmara. Então, em outra oportunidade."

O vereador  Rogério Frediani: "Pode abrir a palavra prá ele."

A incisiva resposta de Cortes: "Não. Não está inscrito."

O vereador Frediani, com sorriso de troça: "Aí é regimento..."

Risos, no Plenário e no auditório, em achincalhe ao hostilizado advogado.  

O vereador Frediani requereu, então, o adiamento em bloco da pauta do dia, por uma sessão, requerimento imediatamente votado e aprovado por unanimidade. Ato contínuo, o presidente declarou encerrada a sessão, com o quê se perdeu, por uma semana, o que de mais importante tinham os vereadores a fazer, que era legislar, votar, cumprir a pauta da Ordem do Dia, exercer a responsabilidade de decidir, pelo voto, sobre  

Incide o presidente da Câmara, o médico Ricardo Cortes, em reiterado equívoco ao declarar "reaberta" a sessão após o Expediente (a sessão, reza o art. 97, compõe-se de duas partes,  Expediente e Ordem do Dia, e tem uma terceira, porque (com o perdão da má palavra) o rebosteio que é o Regimento Interno da Câmara, introduz, sem explicitar, uma terceira parte, que são as  Explicações Pessoais, o que se observa à luz do parágrafo 1º do art. 105). Mas fato é que, "reaberta" a sessão, sem jamais ter sido suspensa, a parte seguinte é a Ordem do Dia, momento impossível para inscrição na Tribuna Popular.

As Tribunas Livres, Tribunas Populares e quetais, foram introduzidas quando da redemocratização do Brasil, que acabou com a ditadura instaurada em 1964. Foi uma frebre, que contagiou legislativos municipais em todo o país, com maior ou menor grau de percepção do que significa o exercício direto do Poder (que todo o poder emana do povo) pelo povo. Em tempos de abertura ampla, geral e irrestrita, a maioria das Tribunas Populares era tudo isso, levando a evidentes exageros, porque colocava na tribuna qualquer um do povo, mesmo que tivesse representatividade nula. Amadurecida a ideia, os Legislativos municipais cuidaram de se adaptar. O de Araraquara, a título de exemplo, disciplinou a matéria exigindo representatividade mínima, 30 assinaturas para inscrição do orador, ou comprovação de que representava entidade legalmente constituída. O de Assis exige que o orador seja eleitor no município.

O que, parece, foi uma lógica seguida desde o princípio, e não foi diferente em Ubatuba, é a de que agentes políticos e autoridades constituídas não podem se utilizar da Tribuna Popular, porque, em função do tipo de representatividade, não poderiam falar como simples cidadãos, mas sim, de alguma forma, como investidos de algum tipo poder. Apesar da ressalva da tal resolução que instituiu o art. 105A no RI da Câmara de Ubatuba, ainda recentemente o secretário muncipal da Educação foi ao Legislativo local, acompanhado de grande número de diretores de escolas, e usou a tribuba para um passa-moleque no vereador que ousou fazer críticas à sua pasta.

Se algum sentido faz que qualquer pessoa se inscreva de última hora, durante o Expediente da sessão, é que, citado por qualquer vereador, tenha como se defender. Foi o caso, quanto ao presidente da OAB, alvo da declaração de repúdio do vereador eleito presidente da Mesa. E, no entanto, não conseguiu falar, emitindo, depois, uma nota, na qual reitera que as observações foram de caráter técnico-jurídico. No entanto, foram de caráter eminentemente político, o que não é vedado à OAB, mas então devem ser interpretadas em seu real contexto.

Um registro necessário: o vereador Frediani ofereceu ao advogado Thiago um exemplar do Regimento Interno da Câmara de Ubatuba. Deve ser algum outro, mais decente do que o "provisório" de 2007, disponível no portal da Câmara. Se for algum outro,  definitivo, também gostaria de obter uma cópia. 

- Texto também publicado na revista eletrônica O Guaruçá
em 05/09/2010.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ubatuba e Ladainha, o eleitorado das irmãs


Parecia uma praça de guerra, o Cartório Eleitoral de Ubatuba, no dia seguinte ao encerramento do prazo para o alistamento para as eleições de 3 de outubro. Era o dia 6 de maio, e havia tiras de papel espalhadas pelo chão, sobras dos picotes dos formulários utilizados até o dia anterior, para os que quiseram transferir para Ubatuba o seu título eleitoral. Logo na abertura do expediente, não havia fila, fui direto ao balcão do protocolo, e fui atendido exatamente pela pessoa que fui procurar: a diretora do Cartório.
Parecia uma praça de guerra, e, no entanto, o clima entre os funcionários era de tranquila organização, exatamente como no dia anterior, quando havia considerável fila de eleitores. Atendimento impecável, cortês, mas muito objetivo, típico de repartição pública bem organizada e bem dirigida. Já vi outros cartórios eleitorais e lembro-me, particularmente, de um deles, muito tempo atrás, em Araraquara, onde funcionários, móveis, instalações, cheiravam a desorganização e o clima era de franco mau-humor.
Ao longo dos últimos dez anos, tem trabalhado muito, o Cartório de Ubatuba: cresceu 43,5% o número de eleitores do município, entre outubro de 2000 e maio de 2010, contra 23,4% de crescimento do colégio eleitoral de todo o Brasil, e de 25% quanto ao Estado de São Paulo. Não conheço o cartório de Ladainha, em Minas Gerais, mas trabalhou bem menos: seu eleitorado, no mesmo período, cresceu apenas 13,5%, num Estado cujo aumento de eleitores foi de 18,5%.
Ladainha. Família que se amplia, são cidades irmãs, anunciou o prefeito Eduardo César, dias atrás, que foi até Ladainha consolidar os laços entre ambas. Três gerações de ladainhenses vivem em Ubatuba, diz release da Prefeitura. O Julinho Mendes registrou acidamente a presença dos mineiros entre os caiçaras, com uma de suas histórias. Aliás, o Julinho foi o autor da tela oferecida de presente por Eduardo César ao prefeito de outra cidade da família, a chilena Melipilla. A família, entre reconhecidas e em reconhecimento, inclui Jeffrey’s Bay (África do Sul), Campinas, Pirassununga, Jaguariúna (interior de São Paulo) e Tateyama (Japão). Há também, todos sabem, uma certa relação com cheiro de incestuosa com Barueri, fruto de casamento de interesses.
Mas voltemos a Ladainha, e seu eleitorado. Se cresceu 73% do aumento do eleitorado estadual, intui-se que parte dele foi para outros lugares, Ubatuba entre eles, cidade que viu crescer seu eleitorado em 186% relativamente ao crescimento do colégio eleitoral do Estado de São Paulo. Eleitor = voto, em qualquer lugar. Em ano eleitoral, então...
O site do TSE oferece interessantes estatísticas e, proximamente, será possível falar sobre o crescimento do número de eleitores de Ubatuba, que foi de 20.788 em outubro de 1988 a 58.522, em maio de 2010. Mas falta ainda preparar os gráficos, que ajudarão a elucidar o inchaço do colégio eleitoral das antigas terras de Coaquira.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 28/08/2010.
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Saulo e Guerra, meninos, não briguem


O pluralismo presente em O Guaruçá é algo ímpar na mídia de Ubatuba. Uma das razões de começar a escrever para a revista eletrônica editada por Luiz Moura, primeiro por "E-mails à Redação" e depois, convidado a ter uma coluna, foi ter observado que no restante Ubatuba é uma cidade paupérrima quando se trata de jornais e jornalistas, de ter informações confiáveis, de ter comentários a favor, contra ou muito pelo contrário, mas honestos, límpidos, como os que encontramos aqui. Há também, claro, um estilo local de gosto que considero duvidoso e também posições extremadas, mas é inegável aqui o pluralismo tão necessário à consolidação das democracias. Como registro, não que meus escritos fossem, de longe, suprir qualquer coisa, mas me estimulam a procurar as respostas e análises que não encontro.
Desisti faz bom tempo de comprar jornais em papel e só leio a mídia eletrônica. Mantenho minha opinião de que o Imprensa Livre é o único efetivo jornal que atende a cidade e que Saulo Gil é o único jornalista com a competência necessária para ouvir, com isenção, o outro lado, seja qual for. Há também o Maranduba News, ao qual falta um caminho a trilhar, a se expandir, mas parece estar no bom caminho. Ainda assim, vez por outra percebe-se, no Imprensa Livre, matérias laudatórias a certos candidatos ao parlamento, bem como reprodução de releases oficiais. Mas, no geral, vale o escrito: "A independência da informação".
Com Saulo, tive uma única vez possibilidade de conversar uns poucos minutos, a três, junto com Sidney Borges, que mantém um blog também diversificado, quando da entrega da gestão da Santa Casa para a Cruz Vermelha. Cheguei a escrever um texto a respeito da Santa Casa, mas depois, por várias razões, não consegui escrever muita coisa, e menos ainda tentar coletar dados. Saulo mostra competência no que faz, a despeito de, imagino, faltarem-lhe recursos necessários. Acho, e disse isso a ele e ao Luiz Moura, que Ubatuba merece uma Editoria própria, uma página própria no Imprensa Livre. Ou o Maranduba News, mas como semanário, estender sua penetração a todo o Município. Mas entra em cena o aspecto econômico, a relação custo-benefício disso, a capacidade da cidade de gerar receita suficiente para ter um jornal independente, que não sobreviva às custas, direta ou indiretamente, da Prefeitura ou de grupos políticos. São, no momento, meus sonhos de consumo quanto à mídia local.
Quanto ao estrilo de Saulo, aqui na nossa oca eletrônica O Guaruçá, achei muito apropriado, pois expressou sua discordância quanto à interpretação dada às matérias que publicou. Tenho um registro a fazer: há falta de informação básica, e completa falta de informação um pouco mais aprofundada, sobre a apreensão de computadores, sobre o que se passa na seção de Execução Tributária da Prefeitura, sobre o envolvimento direto de um vereador nesses episódios. Falta saber quem é o promotor do caso, se é o promotor "natural" (por analogia a juiz natural), coisas que não arranham o segredo de justiça decretado sobre o feito, segredo, consta, já desfeito. Falta saber, exatamente, o que está sendo investigado. A matéria da VNews sobre isso é bastante incompleta (e é conhecida a superficialidade com que a televisão, premida pelo fator tempo e pela necessidade de imagens, trata qualquer matéria). O Imprensa Livre também não desvendou os mistérios que permanecem. E dos demais não há que falar, pois se trata da mídia submissa e de releases.
Foi corajoso, o jovem Saulo, porque estava a discordar abertamente de Marcos Guerra, colunista aqui de O Guaruçá e conhecido e reconhecido por sua vigorosa combatividade e firmeza de posições. Guerra, a quem não conheço pessoalmente, também acrescenta informações, como fez em relação ao desvio de receitas em Ubatuba. E desancou Saulo, por não ter conseguido as informações diretamente das autoridades que poderiam prestá-las e por não relatar a íntegra da conversa que tiveram. Guerra é um formador de opinião, atira-se apaixonadamente aos debates, até com prejuízo do equilíbrio de ponderações, e pode-se discordar dele, mas não se pode negar a combatividade e a consistência com que afirma suas posições, nem o destemor com que o faz, o que o coloca em importante posição na mídia local.
É minha opinião que ambos, cada qual a seu modo, contribuem para existência, em Ubatuba, de um mínimo de informação e de incisividade para discutir os problemas das terras de Coaquira, o que, certamente, muito desgosta os que Moura nomina de "os donos do pudê". Então, respeitando as posições de ambos, creio que cabe a conhecida frase popular: "Meninos, não briguem". Os bichos-papões, ou ratos, ou seja lá o que corrói e corrompe em Ubatuba, não são vocês, são outros.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 27/08/2010

Câmara de Ubatuba, aniversário indecente

                                                  reprodução
Regimento Interno da Câmara Municipal de Ubatuba. - Imagem: © Reprodução
Fez aniversário no dia 20 deste corrente mês de agosto o arquivo ri_prov20070820.pdf, oferecido no site da Câmara Municipal de Ubatuba no box "Legislação" à guisa de Regimento Interno. Parece mais uma apostila escolar, toda rabiscada e com imprecisões que permitem interpretações ao sabor da ocasião. É algo para envergonhar ubatubenses, ubatubanos e caiçaras em geral, mas especialmente para envergonhar o presidente e os vereadores do Legislativo municipal, bem como o diretor administrativo, de quem é a responsabilidade de prover um documento decente.
A Câmara em alvoroço, 60 por cento de vereadores afastados, seis suplentes no exercício do mandato oferecendo às terças-feiras deprimentes espetáculos de despreparo, retorno dos seis titulares aos cargos (como já havia antecipado aqui, o a quo manteve a tradição), e cuida-se aqui de um pequeno detalhe, o Regimento Interno? É, entretanto, um detalhe que disciplina o funcionamento da casa e é revelador do descaso da Mesa da Câmara, que deveria cuidar no mínimo do básico, que é a organização administrativa. Nem se fala aqui dos deveres políticos, mas tão somente da correta utilização dos recursos públicos que mantêm uma casa legislativa nada barata, que ocupa dois prédios alugados (e que deixou ao abandono o prédio histórico) e que paga salários a tantos funcionários, além dos terceirizados e fornecedores contratados. Se nem o dever de casa a Mesa faz, o que esperar quanto ao restante? Devo dizer palavra em minha defesa: da primeira vez que abordei o tema, o furacão ainda não tinha destelhado os vidros do Legislativo de Yperoig.
Há mais a dizer. Em vez de delírios com portais na rodovia Osvaldo Cruz, de um suplente-vereador novamente suplente sem noção, como diz o Marcos Guerra, em vez de enxurros de moções, levar a sério a discussão sobre turismo em Ubatuba é necessidade de hoje, de ontem, não pode esperar os noveis vereadores aprenderem o que já deveriam ter aprendido sobre o funcionamento da casa legislativa, nem, por causa dos processos a que respondem, os ex-afastados deixarem as questões de Ubatuba como estão, para ver como é que ficam. Chega de mais do mesmo, não é mesmo? Publicidade: publicar um Regimento Interno decente e ativar o link "Arquivos anexados à Ordem do Dia", contendo os pdf dos projetos, suas justificativas e, depois, a tramitação das matérias, é para ontem, é o dever de casa não cumprido, e isso não tem a ver com qualquer furação que se abata sobre a Câmara Municipal, onde os funcionários, vereadores e terceirizados continuam a receber salários, e os contratos continuam a ser pagos. Não se trata, portanto, de tripudiar ou de bater em cachorro morto. Trata-se de uma casa viva, que acaba de “reempossar” seus ex-afastados. E é necessário ter uma Casa Legislativa com dignidade de tal, e não uma Casa de Mãe Joana. Porque a outra opção, já que não fazem o dever de casa, que é cortar salários, é impossível.

-Texto originalmente publicado na revista eletrônica  O Guaruçá, em 25/08/2010  
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