sexta-feira, 16 de julho de 2010

Vereadores afastados. Cabeça de juiz.


A decisão judicial, como diz o antigo e sempre verdadeiro provérbio popular, decorre da cabeça do juiz, que é como bunda de nenê: ninguém sabe o que dali vai sair. E é bom que seja assim, por conta de um dos pilares da aplicação da Justiça, que é o livre convencimento do magistrado. Livre, porque não adstrito ao que diz o advogado do autor, nem ao que diz o advogado da outra parte, nem ao que diz o Ministério Público. Mas livre, desde que fundamentado. Não pode o juiz dizer "faça-se assim porque quero, bato pezinho, que faça-se assim". Precisa dizer "faça-se assim porque diz o autor isto, alega isto, prova isto, e diz a outra parte que é aquilo, alega aquilo, prova aquilo; diz o Ministério Público que a lei diz outro tanto e que, no caso concreto, resulta naqueoutro. Portanto, isto, aquilo e aquilo outro configuram um fato jurídico, a exata situação que, silogisticamente, resulta neste fato jurídico, como diz aquele ícone judiciário com respaldo do doutrinarista aqueloutro ainda, o que me faz acolher, ou rejeitar, integralmente ou parcialmente, a pretensão desta e ou daquela parte." Precisa fundamentar, dar fundamentos, dar alicerce, fincar pilotis no manguezal para dar sustentação à sua sentença, que passa então a ser, no jargão judicialesco, "r." de respeitável, ou "v." de veneranda. Bem, quanto ao jargão, menos, menos... Ainda que a sentença seja uma das possibilidades do nenê, uma merda completa, ainda assim será "r." ou "v.".
Diz um juiz que isto é certo, diz o outro que é errado, julga o primeiro tribunal a apreciar a causa que está certo o juiz, diz o outro tribunal que está errado o juiz, diz ainda outro tribunal superior que errado está o tribunal inferior, e por aí vai, até chegar ao ente Supremo, que erra ou acerta por último, como bem disse o tristemente inesquecível Gilmar Dantas. Entram em cena outros conhecimentos, outras matemáticas, que falam em moda estatística, em recorte, em densidade: ao final, ainda que entre cada individual caso continue existindo a contradição, a densidade de opções por esta ou por aquela linha definirá, coletivamente, e ao longo da linha do tempo, o que é justo e o que não é, consolidado num fenômeno do mundo jurídico chamado de "jurisprudência".
Por que a Justiça não é ciência exata? Porque é humana. Navegar é preciso, viver não é preciso. Humanos vivem, navegam imprecisamente na vida, a menos que o problema seja estritamente matemático, ou geográfico. Nos conflitos humanos submetidos ao Judiciário, só as contas financeiras podem ser (mais ou menos) exatas. Os direitos, os fundamentos, jamais os serão.
Então, menos, menos, ao louvar ou atacar a decisão do juiz. Podemos, devemos, respeitar a decisão do magistrado, partindo sempre do pressuposto de sua boa fé, de seu livre convencimento. Vale para o magistrado da primeira instância daqui, para o de segunda instância, para o do tribunal superior, vale até mesmo para o ministro do Supremo. Até prova em contrário quanto ao pressuposto. E então, percebemos (digo no plural, porque acho que é assim que o comum do povo percebe, mas cometo a ousadia de propor um exercício de pensar, que é tomar o particular pelo geral, um método científico calcado na indução e seus perigos) que o juiz local vive um mundo paroquialista, que o juiz intermediário vive um mundo tecnicista, que o juiz superior vive um mundo político, que o juiz supremo vive um mundo de fantasias na sua ilha da fantasia, sede dos Poderes da República, onde existe o mundo tecnicista a serviço do mundo político. Trata-se, claro, de perigosa e brutal simplificação.
Assim, temos, quanto a três vereadores da Câmara Municipal de Ubatuba, a decisão liminar, proferida antes do julgamento efetivo e principal, do magistrado local afastando-os "imediatamente" do cargo. Teremos, é possível, a decisão de alguma câmara do Tribunal de Justiça do Estado cassando tal liminar. A lenta, lerda, lerdésima engrenagem judicial seguirá seu tortuoso caminho pontilhado de recursos protelatórios até tomar uma decisão final que, com boa probabilidade, será então inócua - caso não ocorra antes algum tipo de prescrição.
Proponho aqui outra consideração, desta vez como eleitor. Mas também como juiz de fato, dos fatos dos quais tomei confiável conhecimento e, assim, posso proferir minha própria decisão, válida exclusivamente para mim, razoavelmente livre (porque não tenho acesso pleno a todos os fatos, em vista do filtro da mídia local e da impossibilidade de conhecer todo o universo dos fatos, dos quais ouvi, e muito, falar aqui no meu bairro, no pé do morro do Funhanhado). Collor passou por julgamentos político e judicial. No político, sua pena foi o impeachment e o impedimento, por muitos anos, de participar da vida pública como candidato a qualquer cargo eletivo da República. No judicial, não foi condenado, por falta de provas. Meu julgamento político particular o condenou, definitivamente, irrevogavelmente.
A situação é análoga. Não sei em quem votarei para vereador. Mas já sei desde agora, firmei meu veredito como juiz dos meus atos, em quem não vou votar, independentemente do que diga o Poder Judiciário. É meu direito inalienável e, diferentemente do juiz togado, não preciso fundamentar minha decisão, ainda que, para consumo interno de minha consciência, alinhe os fundamentos e finque meus pilotis no manguezal que é a política, geralmente nanica, aqui de Ubatuba.
Há também, é lamentável, um quarto vereador envolvido, com a conivência de todos os demais: o que propôs, e viu aprovada, sua moção de congratulações aos eleitos para o Conselho Municipal em questão. Uma moção que apresenta congratulações pelo simples fato de terem sido eleitos, não por qualquer trabalho efetivamente realizado. Uma moção de congratulações, portanto, inclusive aos dois membros ora afastados, por conta dos vícios do processo eleitoral. Tal vereador, é certo, não terá meu voto, se candidato. No mínimo, para que aprenda a melhor direcionar seu chorrilho de moções de congratulações a granel. Fico cá pensando se se trata do mesmo vereador que o Julinho Mendes chama de Zé Moção.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá
em 16/07/2010

terça-feira, 13 de julho de 2010

Heróis, anti-heróis, família


Para ter algo mais o que fazer do que simplesmente observar as belas tupinambás com suas vergonhas saradinhas (a insinuação é de Machado de Assis), o ilustre cativo hóspede de Cunhambebe nas terras de Coaquira, aqui em Yperoig, escreveu vasto poema dedicado à Virgem Maria: o padre jesuíta José de Anchieta, que agora é Herói da Pátria. A lei que concede o título ao articulador da Paz de Yperoig foi sancionada dia 5 de julho de 2010 pelo presidente em exercício, José Alencar, pouco antes de ver-se internado com problemas na tubulação cardíaca. É outro herói nacional, esse nosso vice-presidente, por sua prolongada luta pela vida, que ele encara de peito aberto. Bem, nem tanto, que desta vez foi só um cateterismo para instalar um stent, não foi nem cirurgia de abrir caixa torácica. De qualquer forma, é um ícone quando se trata de encarar a vida e a saúde, e a morte, inevitável, seja pelo câncer de onze anos que ele, teimosamente, ao custo de umas 12 cirurgias e mais tratamentos, mantém sob o controle possível; seja pelas coisas da idade, entupimento de artérias; ou, quem sabe, até a queda no mar de um helicóptero. Ninguém sabe quando e como vai morrer, nem mesmo o Alencar, mas ele é religioso e disse, ainda recentemente, que Deus ainda não o quis levar. Herói que é, declarou e demonstra, está pronto para o fim da existência, que é a morte.

Cunhambebes foram dois, parece certo, o pai e o filho. Na confusão da falta de informação histórica, ora atribui-se ao pai, ora atribui-se ao filho, a famosa Maldição de Cunhambebe, algo assim: "Paz de Yperoig? Qualé! Embromation, foi puro rebolation português para melhor se armar e nos destruir. Paz a p.q.p. e, portanto, phoda-se (grafia, sabe-se lá, antiga?) o que vier a ser Ubatuba, onde nem mangueiras frutificarão". Se Anchieta, o quase santo que não o foi por ajudar pessoalmente na morte enforcada de um francês protestante luterano perseguido pela Inquisição católica em terras d’além mar; o Anchieta do poema bilíngue (trema, pelo Acordo Ortográfico, já era) em Latim e em Português, que usava seu cajado de taquara para escrever na praia de Yperoig (grafia arcaica, hoje escreve-se Iperoig); se Anchieta pode ser guindado à honra de pertencer ao Panteão dos Heróis da Pátria brasileira, Cunhambebe também pode, e deve, ser candidato a tal honra, candidatura a ser patrocinada por nós, caiçaras ubatubenses e ubatubanos que somos os destinatários das maldições (e bendições, é bom que se diga) de Cunhambebe, seja ele o pai ou o filho.
Um parêntese. Cajado de taquara é mera especulação. A "estauta", em bom sutaque minêro, a estátua do Anchieta lá na praia de Yperoig não tem mais o bastão, a vara, o cajado, com a qual teria escrito os versos à Virgem. Poderia ser de taquara, mas também um galho de ? ? , ou de, quem sabe, ? ? (de qual madeira é mesmo feito o ratambufe, criação do genial caiçara Domingos Anagro?).

Pois bem, como diz o Maierovitch, pano rápido. Falemos agora dos heróis anti-heróis, os que eram para ser e, como Anchieta, não viraram santos, nem mesmo serão jamais heróis com direito a lei que lhes garanta o título. Cheguemos ao presente, ao goleiro (ou ex-goleiro, como já o chama a mídia) Bruno, do Flamengo, dona da propalada maior torcida nacional. Pessoa sem noção, "ah, ele é sem-noção", nem imagina o impacto que podem ter suas declarações e ações, principalmente estas, na formação da molecada, das crianças, dos jovens, que buscam se espelhar nos heróis da hora, "ah, ele é da hora!", no linguajar em curso dos "manos" e candidatos a "mano", aquelas pessoas do bonezinho com a aba virada para trás, que fazem sucesso entre a molecada. Há algo de podre no reino da Dinamarca, diria Shakespeare, pela boca de Hamlet. Há algo de podre no Brasil, que endeusa Brunos sob o olhar acrítico da mídia que é só ufanismo - vide Yperoig de hoje, a Ubatuba dos releases oficiais. E, quando percebe o tamanho da monstruosidade cometida pelo até então endeusado, sai-se com o "caso Bruno" quando, na verdade, trata-se do caso da vítima, a moça (nem um pouco santa) do "caso Elisa".

Chegamos então ao fator gerador de toda essa m&$d@, a família. A destroçada família de origem do Bruno, a destroçada família de Elisa, um imblóglio de acusações de assassinato, abandono, estupro, doença mental, favela, classe média, o escambau. E chegamos à precisa intervenção da dra. Marlene, ao falar sobre a A supremacia do macho, ao apontar que na sua família, na minha família, na família da classe média de gente igualzinha a nós, pode estar a semente dessas barbaridades. Ela convida os jornalistas à reflexão, mas, na verdade, convida todos nós, pais, maridos, companheiros, cuidadores, educadores, a uma grande reflexão. Que m&$d@ é essa de não respeitarmos as mulheres, esposas, filhas e mães, de nossa vida, de nossa família? No que isso, coletivamente, vai dar? Vale para mim, marido (e nada menos que marido da dra. Marlene), mas para todos nós, que devemos ter responsabilidade social.

Texto publicado originalmente em O Guaruçá
em 13/07/2010. Atualizado em 23/07/2010.

domingo, 4 de julho de 2010

A promessa de Maradona


Não tenho intimidade com futebol, não gosto de futebol, essa coisa de Copa do Mundo não me empolga. No entanto, é só do que se fala, em qualquer lanchonete de beira de estrada sempre tem um jogo passando na televisão.
Foi numa dessas lanchonetes que vi os últimos três minutos do jogo que devolveu a seleção argentina ao solo argentino. Então, lembrei-me da promessa de Maradona, de que desfilaria pelado numa praça central de Buenos Aires, caso a Argentina ganhasse a Copa.
Não sei alemão, mas sempre presto atenção no hino nacional alemão, porque me traz lembranças de infância, quando essa melodia, com outra letra, era um hino cantado nas igrejas de recorte luterano (metodistas, presbiterianas e outras). Também não sou compositor nem piadista. Mas o que vai a seguir saiu de improviso, ao ver a cara do Maradona depois do jogo contra a Alemanha.
Trata-se daquela espécie de refrão no final do hino, aos 40s na versão (em ogg) que tem na Wikipedia.

Deutschland, Deutschland
über alles, über alles in der Welt.

Pois não é que dá prá cantar assim?
 

Dom Die-e-go Maa-ra-do-o-na
Não va-a-ai mais desfilar peladão...

Tanta coisa importante acontecendo em Ubatuba e me saio com essa bobagem...

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça  
em 04/07/2010