Para ter algo mais o que fazer do que simplesmente observar as belas tupinambás com suas vergonhas saradinhas (a insinuação é de Machado de Assis), o ilustre cativo hóspede de Cunhambebe nas terras de Coaquira, aqui em Yperoig, escreveu vasto poema dedicado à Virgem Maria: o padre jesuíta José de Anchieta, que agora é Herói da Pátria. A lei que concede o título ao articulador da Paz de Yperoig foi sancionada dia 5 de julho de 2010 pelo presidente em exercício, José Alencar, pouco antes de ver-se internado com problemas na tubulação cardíaca. É outro herói nacional, esse nosso vice-presidente, por sua prolongada luta pela vida, que ele encara de peito aberto. Bem, nem tanto, que desta vez foi só um cateterismo para instalar um stent, não foi nem cirurgia de abrir caixa torácica. De qualquer forma, é um ícone quando se trata de encarar a vida e a saúde, e a morte, inevitável, seja pelo câncer de onze anos que ele, teimosamente, ao custo de umas 12 cirurgias e mais tratamentos, mantém sob o controle possível; seja pelas coisas da idade, entupimento de artérias; ou, quem sabe, até a queda no mar de um helicóptero. Ninguém sabe quando e como vai morrer, nem mesmo o Alencar, mas ele é religioso e disse, ainda recentemente, que Deus ainda não o quis levar. Herói que é, declarou e demonstra, está pronto para o fim da existência, que é a morte. Cunhambebes foram dois, parece certo, o pai e o filho. Na confusão da falta de informação histórica, ora atribui-se ao pai, ora atribui-se ao filho, a famosa Maldição de Cunhambebe, algo assim: "Paz de Yperoig? Qualé! Embromation, foi puro rebolation português para melhor se armar e nos destruir. Paz a p.q.p. e, portanto, phoda-se (grafia, sabe-se lá, antiga?) o que vier a ser Ubatuba, onde nem mangueiras frutificarão". Se Anchieta, o quase santo que não o foi por ajudar pessoalmente na morte enforcada de um francês protestante luterano perseguido pela Inquisição católica em terras d’além mar; o Anchieta do poema bilíngue (trema, pelo Acordo Ortográfico, já era) em Latim e em Português, que usava seu cajado de taquara para escrever na praia de Yperoig (grafia arcaica, hoje escreve-se Iperoig); se Anchieta pode ser guindado à honra de pertencer ao Panteão dos Heróis da Pátria brasileira, Cunhambebe também pode, e deve, ser candidato a tal honra, candidatura a ser patrocinada por nós, caiçaras ubatubenses e ubatubanos que somos os destinatários das maldições (e bendições, é bom que se diga) de Cunhambebe, seja ele o pai ou o filho. Um parêntese. Cajado de taquara é mera especulação. A "estauta", em bom sutaque minêro, a estátua do Anchieta lá na praia de Yperoig não tem mais o bastão, a vara, o cajado, com a qual teria escrito os versos à Virgem. Poderia ser de taquara, mas também um galho de ? ? , ou de, quem sabe, ? ? (de qual madeira é mesmo feito o ratambufe, criação do genial caiçara Domingos Anagro?). Pois bem, como diz o Maierovitch, pano rápido. Falemos agora dos heróis anti-heróis, os que eram para ser e, como Anchieta, não viraram santos, nem mesmo serão jamais heróis com direito a lei que lhes garanta o título. Cheguemos ao presente, ao goleiro (ou ex-goleiro, como já o chama a mídia) Bruno, do Flamengo, dona da propalada maior torcida nacional. Pessoa sem noção, "ah, ele é sem-noção", nem imagina o impacto que podem ter suas declarações e ações, principalmente estas, na formação da molecada, das crianças, dos jovens, que buscam se espelhar nos heróis da hora, "ah, ele é da hora!", no linguajar em curso dos "manos" e candidatos a "mano", aquelas pessoas do bonezinho com a aba virada para trás, que fazem sucesso entre a molecada. Há algo de podre no reino da Dinamarca, diria Shakespeare, pela boca de Hamlet. Há algo de podre no Brasil, que endeusa Brunos sob o olhar acrítico da mídia que é só ufanismo - vide Yperoig de hoje, a Ubatuba dos releases oficiais. E, quando percebe o tamanho da monstruosidade cometida pelo até então endeusado, sai-se com o "caso Bruno" quando, na verdade, trata-se do caso da vítima, a moça (nem um pouco santa) do "caso Elisa". Chegamos então ao fator gerador de toda essa m&$d@, a família. A destroçada família de origem do Bruno, a destroçada família de Elisa, um imblóglio de acusações de assassinato, abandono, estupro, doença mental, favela, classe média, o escambau. E chegamos à precisa intervenção da dra. Marlene, ao falar sobre a A supremacia do macho, ao apontar que na sua família, na minha família, na família da classe média de gente igualzinha a nós, pode estar a semente dessas barbaridades. Ela convida os jornalistas à reflexão, mas, na verdade, convida todos nós, pais, maridos, companheiros, cuidadores, educadores, a uma grande reflexão. Que m&$d@ é essa de não respeitarmos as mulheres, esposas, filhas e mães, de nossa vida, de nossa família? No que isso, coletivamente, vai dar? Vale para mim, marido (e nada menos que marido da dra. Marlene), mas para todos nós, que devemos ter responsabilidade social. Texto publicado originalmente em O Guaruçá em 13/07/2010. Atualizado em 23/07/2010. |
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terça-feira, 13 de julho de 2010
Heróis, anti-heróis, família
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