Colunista aqui de O Guaruçá, Nenê Velloso falou sobre o "Efeito Orloff"
e propôs a adoção de uma espécie arbórea, a murta, para povoar as
calçadas de Ubatuba. É possível dividir em duas partes o que escreveu.
Na primeira parte, verbera contra excrescências arbóreas plantadas nas
calçadas da cidade, e cita exemplo: um flamboyant. O nome francês
(flamejante, em tradução livre) sugere que essa planta é de origem
europeia, mas os botânicos afirmam que sua origem é na costa leste do
continente africano, encontrada também na ilha vizinha de Madagascar. É
uma árvore magnífica, também chamada de flor-do-paraíso pela cativante
forma e pela cor de suas flores, que se apresentam com belíssimos tons
de vermelho, indo até o rosa. Aqui no litoral, devido à elevada umidade,
pode ser semi-decídua, não se despindo de folhas no inverno. Está
sempre pronta para oferecer grande área de sombra, de valor inestimável
nos dias quentes. Está, pois, justificando o encantamento do funcionário
municipal que, durante os desgovernados mandatos de Eduardo César,
mandou (ou permitiu) plantar essa árvore exótica na rua citada por Nenê
Velloso.
Justificado que seja o encantamento, é injustificável a
escolha que fez o tal funcionário (não o crucifiquemos, o titular do
desgoverno Dudu foi o responsável último por essa e outras mazelas),
tanto pelos motivos citados por Nenê Velloso quanto pelo fato,
infelizmente quase sempre esquecido, de que Ubatuba está no bioma da
Mata Atlântica, rico em espécies arbóreas nativas e que devem ser
preservadas. Não apenas preservadas, mas cultivadas, cultuadas como
coisas nossas, cada vez mais só nossas em vista da degradação geral que
sofreu, e sofre, a Mata Atlântica. Só nossas porque vivemos em meio a
áreas de preservação do que resta da Mata Atlântica, que precisa ser
vista não como um fardo a suportar, mas como um bem precioso a
preservar, e a patrimonializar, dela obtendo recursos fiscais,
financeiros e compensatórios, mediante políticas públicas brilhantes
(não é pra fazer Ubatuba brilhar?) e não através de choramingações e
pedidos de óbolos. Juntando e misturando compensações ambientais, nos
diversos níveis que esse tipo de política comporta; estimulando o
turismo qualificado que aceita pagar pelo diferencial Mata Atlântica
preservada; e, sim, instituindo política fiscal que onere, sim, qualquer
ente que dela desfrute e ou a ameace.
Flamboyants não são as
únicas árvores deletérias nas calçadas e canteiros centrais. Há, ao
menos uma outra, falsa seringueira protegida por decreto do ex-prefeito
Eduardo César, mandatos de triste memória. É a que fica no canteiro
central em frente ao Shopping Itaguá, espécie exótica (proveniente da
Ásia) de raízes agressivas mas frágil em seus pesados galhos
(verdadeiros troncos) horizontais, árvore de grande porte que não é,
absolutamente, recomendada em ambientes urbanos. Dizem que foi um douto
"ambientalista" do meio marinho que deu uma de galo e reivindicou
tamanho despautério, o decreto protetivo até agora não revogado.
A
segunda parte do texto de Nenê Velloso é uma elegia à murta, que é
originária do sudoeste da Europa e do norte de África. É também uma
arvorezinha encantadora, com tronco que parece velho, levemente
enrugado, como que uma pátina bem feita, um charme. Suas folhas
pequeninas, de um verde intenso que se mantém assim durante todo o ano,
são salpicadas periodicamente após as chuvas com umas pequeninas flores
brancas que, desde o início da noite, exalam suave e delicioso olor.
A
murta, entretanto, além de exótica, não é uma arvorezinha inofensiva.
Ela é odiada pelos citricultores, porque abriga os insetos que propagam a
bactéria do "greening", uma catástrofe para os laranjais. Alguns
estados e muitos municípios têm leis que proíbem plantar e mandam
erradicar murtas em locais públicos e particulares. Em São Paulo a
Assembleia Legislativa aprovou algo nesse sentido, mas o então
governador Serra não fez a promulgação. Ainda assim, e devido ao lobby
da Fundecitrus, a maioria dos municípios onde a citricultura é
economicamente significativa editou leis de erradicação da murta. Nesse
sentido, ainda bem que não há citricultura em Ubatuba.
O que plantar?
Falamos
de plantas: modismos têm elevado potencial de se transformar em pragas.
O interesse econômico imediatista empurra para deslumbrados e
geralmente incultos compradores as novidades baratinhas e lindinhas.
Alguns quiosques de uma de nossas vitrines, a avenida (Leovegildo)
beira-mar do Itaguá ostentam, na calçada pública, um modismo nem tão
recente, o pingo-de-ouro nativo do México, um arvoredo que, antes de
frutificar com suas bolinhas amarelinhas, os pingos-de-ouro, plantado em
uma linha, forma uma espécie de cerca viva baixinha, de aparência
inofensiva. O problema é que esse arvoredo insiste em crescer e a poda
de suas copas expõe cada vez mais um tronco nu e feio. Há também outro
modismo, em um ou outro ponto da cidade, os Ficus benjamina, com origem
na Índia, desastrosas frondes que nascem pequeninas e inofensivas, em
vasos domésticos e que, depois de transplantadas para as calçadas,
tornam-se monstros difíceis de manejar e combater. Os benjamina foram a
moda imediatamente subsequente à excrescência da falsa seringueira, a
do poleiro do galo
(que já foi tucano) em frente ao Shopping Itaguá. Não são coisas
privativas. São Paulo, a capital, e muitas outras cidades, sofrem com
elas.
Xico Graziano, agrônomo, que foi secretário de Agricultura e
secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, tucano até as
pregas da raiz da alma, diz que
"Existe uma repulsa dos ambientalistas brasileiros contra as plantas
chamadas exóticas. Sua posição, radical, idolatra a vegetação nativa. O
assunto virou tabu: espécie exótica é do mal; nativa, do bem.
Polarização falaciosa. O mamão é americano. Latino-americanas são a
pitanga e a goiaba. Brasileira, mesmo, fica a jabuticaba." Falaciosa é a
mãe da ideia, é a opinião dele, não a minha, cuja filiação é outra. Mas
concordo num ponto com ele, e repito: "Brasileira, mesmo, fica a
jabuticaba".
O poder público só pode agir quando autorizado por
lei. Mas eu, cidadão, afinal, posso plantar o que quiser aqui em
Ubatuba, em casa ou na calçada ou na praça? A inteira verdade é que,
conforme o princípio da legalidade, expresso na Constituição Federal, no
famoso Art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei. E o que dizem as leis daqui? O
primeiro a se ocupar da questão foi o prefeito José Nélio, no distante
ano de 1990, quando propôs e promulgou a Lei 1028, "que disciplina o
plantio de árvores e dá outras providências". Essa lei, em seu artigo
7º, diz que "Fica oficializada e adotada em todo o Município, com
observância obrigatória, a "Guia de Arborização", elaborado pela
Companhia Energética de São Paulo - CESP, com colaboração da
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - (CATI)." A guia,
cara-pálida? Qual guia? A lei, como publicada pelo site do legislativo
local, não contém "a guia" nem nenhum anexo. O site atual da CESP não
tem nenhuma guia, nem nenhum guia, sobre esse assunto. No entanto, é
possível supor que o guia da CESP tivesse preocupação com as frondes que
ameaçam a fiação aérea das distribuidoras de energia elétrica,
desconsiderando qualquer preocupação com biomas e sistemas ecológicos.
Há
outras duas leis. Uma, de 2001, de autoria do então vereador Charles
Medeiros, promulgada pelo então presidente da Câmara, vereador Biguá,
"Dispõe sobre programa de incentivo e distribuição de mudas de árvores
no Município de Ubatuba" e, só de raspão, cita que a Prefeitura "dará
preferência a árvores nativas da região". O Executivo solenemente obrou
(outras obras) e andou sem observar a tal lei. Outra "lei", igualmente
aparentando caráter demagógico, foi proposta pelo então vereador
Frediani, em novembro de 2012, no apagar das luzes fraquinhas da
legislatura que, para alívio geral, encerrou-se em dezembro daquele ano,
o ano passado. Versava sobre um projeto de "Uma árvore na calçada",
para plantio de mudas no Dia Mundial do Meio Ambiente, "podendo ser
frutíferas ou não". Mas nada, nadica, necas de pitibiribas sobre o
respeito ao Meio Ambiente do sistema ecológico da Mata Atlântica e seu
bioma aqui em Ubatuba.
A lei? Ora, a lei. Há as que pegam, há as
que não pegam, há as que são meras pegadinhas demagógicas, há as que
envelhecem, há as que são cumpridas à risca - em Ubatuba, estas últimas
são raridades. A efetiva proteção do meio ambiente, do sistema ecológico
local, da Mata Atlântica e seu bioma, tudo isso aqui, em Ubatuba,
precisará de leis modernas, mas elas jamais serão garantia de coisa
alguma, se a mudança não ocorrer na dimensão cultural do nosso povo. É
na cultura (não na "curtura", nem através do "povo da curtura" nem
através da secretaria da "curtura") que mudanças profundas, talvez
demoradas, acontecerão. Alguém precisa começar. Poderia até ser o colega
colunista aqui de O Guaruçá, o Nenê Velloso, mas não
foi: pessoalmente, acho, e respeitosamente, por todo o exposto, que
nesse específico caso ele se equivocou, ainda que em muitos outros, oito
respeitáveis páginas de títulos aqui em O Guaruçá, seja credor de louvores.
Esses
temas remetem à Secretaria do Meio Ambiente, cujo titular, para
(rimando) fazer Ubatuba brilhar, é pessoa que tem formação obtida em
Madri em artes imaginárias, ao menos no campo da cinematografia.
Trata-se de Juan Blanco Prada, que chegou há pouco de fora (reside em
Ubatuba desde 2010) e cujo barulhento silêncio se fez ouvir no caso das magnólias do centro
da cidade, árvores tradicionais naquela praça mas exóticas (fala-se que
são nativas do Himalaia ao Japão, oeste da Malásia, leste da América do
Norte, México e regiões tropicais). Blanco Prada, o Juan, tem formação
também em Agroecologia e Manejo Ambiental pelo Merritt College
(Oakland). Para quem, como eu, não tem formação em imaginologia, fica
difícil imaginar que artes o secretário imagina para fazer propostas e,
quiçá, proposta de lei, quanto à arborização urbana de Ubatuba.
Ipê e guapuruvu
Ano passado, por esta época (abril, maio), Julinho, outro colunista daqui, de O Guaruçá, incidia em equívoco, ao propor o abricoeiro
como árvore-símbolo de Ubatuba. É realmente uma planta comum por aqui e
já foi homenageada, como nome de rua, no Jardim Itaipava. É paralela à
rua Figueira e transversal à rua Jabuticabeira. Apesar do nome de seu
fruto, abricó, ser derivado do francês apricot, mais uma vez, a planta
não é de origem europeia, apesar de ser muito comum naquelas bandas. Seu
nome científico esclarece sua origem: Prunus armeniaca. Era cultivada
na Armênia desde a época da pedra lascada. Julinho provocou, e tomou
resposta de outro colunista da nossa revista eletrônica, o amigo que não
consegui conhecer em vida, Eduardo Souza, que escolheu como árvore-símbolo de Ubatuba o guapuruvu, e "zéfini". Concordo com Eduardo Souza, guapuruvu como árvore-símbolo de Ubatuba.
Bem
brasileiro também é o ipê, apesar de uns respingos encontradiços no
Uruguai. O International Plant Names Index o chama de Tabebuia vellosoi
Toledo, enquanto que o Instituto Florestal diz que o ipê é Tabebuia
heptaphylla (Velloso) Toledo, como descrito pelo frei José Mariano da
Conceição Velloso, de mesmo sobrenome de nosso colunista Nenê. É uma
árvore que pode chegar aos 30 metros de altura e 90 cm de diâmetro.
Ipê e guapuruvu são, contudo, árvores de grande porte, coisa para praças ou parques.
De porte menor são as pitangueiras e goiabeiras, que dificilmente atingirão a fiação elétrica.
Jabuticabeira
Brasileira,
mesmo, é a jabuticabeira, nativa da Mata Atlântica. Coisa nossa. Daqui.
Que tem um sistema radicular inofensivo às calçadas. Cujo porte não
ameaça a fiação. Que, nas épocas próprias, dá flores que nascem
diretamente do tronco, polinizadas pela água das chuvas, que resultam em
deliciosos frutos negros doces que até diabéticos podem consumir, que
os adultos caiçaras verdadeiramente ubatubanos
neles sentem gosto de lembranças da infância, que as crianças de hoje
adoram, ao menos as felizardas que conseguem conhecê-las. É meu voto
para plantio nas calçadas e canteiros centrais de Ubatuba.
Amanhã
Não sou doutor do imaginário, mas ocorreu-me uma imagem de programas de rádio que não ouvi, narrados pelo Julinhobebe:
(Voz
impostada, de locutor narrando) "Eu, árvore, espécie invasora, exótica,
estranha ao sistema ecológico local, sou você, Ubatuba, amanhã, quando
se consumar o divórcio entre o município de Mata Atlântica preservada e a
urbe descaracterizada. Você, Ubatuba, que espere pelos estragos (e já
fiz muitos) que farei."
- texto originalmente publicado na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 08/04/2013
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