terça-feira, 5 de novembro de 2013

Tropixel Ubatuba, alienação e pluviômetro

Marlene me chamou a atenção para algo que eu já tinha percebido. Boa parte da plateia dos eventos do Festival Tropixel (faz parte da rede Pixelache, e é Tropixel porque aqui por Ubatuba passa o Trópico de Capricórnio), mês passado, teve realmente característica multimídia.

Pessoalmente acho no mínimo descortês, para não dizer falta de educação, falar ao telefone (ou mesmo deixá-lo ligado) quando tem um orador se esforçando para transmitir por voz, ao vivo, sua mensagem. O que dizer, então, de quem, “ouvindo” o orador, fala ao telefone celular e, ao mesmo tempo, tecla e rola telas no tablet? Marlene é psicóloga, da linha psicanalítica (uma das oitocentas e quarenta e sete que existem...), e já me falou que, na clínica, há algo chamado de atenção flutuante, uma técnica que o povo da psicologia usa para, mais do que ouvir, escutar o paciente sem privilegiar a priori qualquer elemento do discurso dele. É coisa do tio Sigmund, mas é técnica que se aplica à prática clínica da psicologia, não a um painel, exposição, palestra ou o raio-que-o-parta quando tem alguém falando para uma plateia. Tem gente que consegue... Consegue tomar café (um aroma delicioso se espalhando para a fileira de trás, onde estávamos, e nem se deu ao trabalho de oferecer...), fazer uma boquinha com um lanchinho de ocasião, ao mesmo tempo em que, ou seja, simultaneamente, tem fone em um dos ouvidos, escorrega o dedo na tela do tablet e dedilha no smartphone. Vá ser multimídia assim na caixa-prego (melhor dizendo, "Caxa-Prego" (sic), um quiosque do Itaguá, onde sempre tem um bom peixe frito, especialmente o porquinho, quando nas épocas próprias), porque tem mais cara de atenção dispersa, um dispersivo comportamento de captar ruídos mas nada escutar.

O que dizer de quem traduzia para a plateia lusófona a fala de um orador anglófono e ainda conseguia atender telefone celular e tomar decisões? Tá, vamos dar um desconto, o cara era o coordenador daquela bagunça razoavelmente organizada e tinha problemas a resolver, decisões a tomar em tempo real, gente que o solicitava não apenas para dizer “boa tarde”. Refiro-me, é claro, ao Felipe Fonseca, o “efeefe” de várias postagens que já li em blogues e sites.

Houve, em todo o Festival Tropixel Ubatuba, muita alienação presente e despresente. Presente, pois havia corpo presente mas alma flutuante. Despresente porque muita gente não foi. Não por ausência (ausência é diferente de falta) mas por falta, porque, se não há falta na ausência, certamente há falta na despresença, de quem tinha tudo para ir e não foi, de quem deveria - dever - estar presente e não esteve, de quem se alienou pela despresença. Essa imagem, é claro, foi inspirada, Com Alguma Poesia, em Drummond:

Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Confesso que, depois de ter ouvido do James Wallbank que fizeram, habilidosamente (o tropixélico "skil"), uma espécie de cnc com os dois componentes mais caros (os motores de passo de elevado torque) reusados a partir de “sucata” eletrônica, fiquei um tanto decepcionado ao ver uma (máquina de) cnc para corte de madeira exposta no Tropixel: uma máquina comprada pronta de um fornecedor de Guaratinguetá, logo ali em cima, no vale do Paraíba. Faltou alguma coerência entre discurso e prática. Deixei meu endereço eletrônico pessoal com o rapaz da cnc comprada pronta, para ter informações sobre o fornecedor, mas, até agora, nada... Não é o caso de insistir, já percebi que não haverá retorno, mas apenas anotar, mais uma vez, a distância entre o discurso e a prática.

Daqui a dez anos
O prefeito de Ubatuba, Maurício Moromizato, esteve presente na abertura do Festival Tropixel, e fez um discurso, quase como de campanha eleitoral, falando de seus visionários planos para daqui a dez anos. O que queremos para daqui a dez anos, lindeiros que somos das imensas riquezas do pré-sal? Educação e tecnologia são caminhos necessários, disse. Visionário, enxerga longe, mas - toda a cidade sabe - não consegue ver um palmo adiante do nariz, no dia-a-dia de uma cidade, um município, que precisa de um zelador, um caseiro, um prefeito, coisas bem menos do que um estadista e alto executivo do Poder Executivo como ele acha que é. O que me vem à imaginação é um quelônio terrestre, aparentado com um jabuti mestiço, que enxerga longe mas anda a passos curtos, devagar, quase parando, conhecido como Mamô. Que frequentemente é pego de calças curtas (a despeito de suas perninhas já bem curtas), que tem um nariz que parece encompridar a cada inverdade, porque a palavra “mentira” é feia. De qualquer forma, não foi despresente, deu o seu recado, falou muito e ouviu pouco (e nada o fará ler nem escrever), como sempre.

Bico de tucano
Hernani Dimantas, sobre quem já falei, aceitou a provocação que fiz e teve a gentileza de me responder que “como se diz na rede, tucano de cú é rola” (sic), ao bradar “sou hacker!!!”. Um parêntese: minha habilidade com a língua inglesa é tão pequena que, naquele texto provocativo, grafei “tropixélico skill” em vez de “skil”. Peço desculpas aos leitores e, especialmente, aos tropixélicos, ao tempo em que, “by the way”, relevo o acento agudo do Hernani ao grafar “cu”, essa coisa difícil em português para a qual não cabe acento, nem costuma caber em qualquer assento, penicos que o digam. À margem, e a propósito, quem não souber o que é penico basta ir à Padaria Bacana, que é um restaurante mas também um excelente bar, em frente ao Shopping Itaguá, e pedir umas cervejas no gelo. Não consigo fazer a menor ideia onde foi que o Ronaldo Dias conseguiu os penicos esmaltados, coisas hoje raríssimas, que criativamente usa (reusa) como baldes com gelo para, claro, cervejas. Ou para um bom espumante, quem sabe.

Pluviômetro
Foi gratificante perceber que Marlene, minha mulher, compreendeu melhor, na mesa com James Wallbank, de Sheffield (Reino Unido), algumas maluquices minhas, como redução, reuso, reciclagem. Ela fica indignada com minha recusa em receber como presente um computador novo, desses ultrabooks 64k como o dela, mencionando sempre minha interminável briga com as velharias que uso (reuso). Sempre preferi os velhos e envelhecidos desktops, desprovidos de suas tampas laterais para facilitar acesso às suas barriguinhas e - admito - um tanto sujos, especialmente os teclados, já que óleos, graxas e coisas de oficina integram meu universo do cotidiano. Mas atualmente uso - reuso - um notebook que herdei de minha filha Elka, um Dell Vostro 1000 velhinho de uns cinco ou seis anos, com o qual ela fez toda a licenciatura e quase todo o bacharelado em Biologia. Ele é meio lerdo, já morreu três vezes, a tecla oito simplesmente não funciona (mas basta copiar-colar a partir de qualquer tela ou texto e lá está o 8) e precisei complementar sua pequena capacidade de armazenamento com um HD externo, isso sem contar que sua memória embarcada do núcleo não passa de uma vaga lembrança. Tenho também uma m&rd@ de Toshiba STi, que herdei da Marlene, um notebook que apresentou problemas desde que chegou, zerinho, sem que a assistência técnica desse conta. É esse que pretendo usar no projeto pluviômetro.

Tentei conseguir com o pessoal do Tropixel ajuda para resolver os problemas que encontro para tornar operacional um pluviômetro de báscula, mesmo mecanismo básico dos 9 pluviômetros doados pelo Cemaden que foram instalados em Ubatuba, em áreas de risco de escorregamento de encostas. Claro que a báscula dos pluviômetros do Cemaden é de plástico abs de primoroso design e a do meu é um cano de PVC com algumas adaptações, que aquele tem um sistema digital de mensuração e registro da chuva com display de cristal líquido, e custa uns oito mil reais cada um, e este usará como interface USB um prosaico mouse e o Toshibinha de m&rd@, mas são materiais já disponíveis e o custo será baixo. Mas não deu certo: uma parte dos eventos previstos para o Tropixel simplesmente não aconteceu e, objetivamente, não consegui ajuda no Ônibus Hacker - que ouviu com atenção, mas não deu resposta, um jovem que procurava auxílio para seu projeto de um alarme automático para inundação em áreas de risco de Ubatuba.

Meu problema está nos códigos de software. Creio que já sei fazer o JavaScript ler os eventos do mouse USB, que uso (reuso) como minha prosaica interface USB para o pluviômetro, mas não consigo gravar data e horário desses eventos em arquivo txt ou csv, pois ainda não consegui criar e manipular esses arquivos. Compreendam, estou a poucos meses de me tornar oficialmente idoso e não tenho mais habilidades (ainda que tenha toda a gana, sem ter a grana) de conseguir produzir os códigos necessários.

Sobre James Wallbank, de Sheffield (Reino Unido), talvez um tucano fazendo do muro o banco onde se senta, é necessário dizer que aquele carinha simpático e meio esquisito, de falar claro e pausado, com um uma longa cabeleira composta por fios entre alourados e negros como maioria, e uns grisalhos denunciadores das décadas de vida, cabeleira contida num rabinho de cavalo, falava de experiências concretas, já realizadas, e ainda em curso, e não de meros projetos, menos ainda de quiméricas ideias. Ele foi o criador e administra um treco doku (sei lá o que significa, mas deve ser do ku e o endereço é um php "access-space.org/doku" Acess Space que ele define como um espaço de acesso, bem no meio entre a parte pobre e a parte rica de Sheffield, um espaço de acesso para pessoas interessadas em arte, design, informática, reciclagem, música, eletrônica, fotografia e em conhecer pessoas com ideias interessantes, compartilhar e desenvolver habilidades e trabalho em projetos criativos, empreendedores e técnicos. Ufa! Não é pouco. E o Access Space se dá ao luxo de declarar moratória de doações de computadores e equipamentos eletrônicos - matérias-primas para reuso e reciclagem - até o dia 18 deste mês, porque precisa utilizar, reutilizar e reciclar o que já tem. Aqui em Ubatuba, no evento tropixélico, uma das dificuldades foi obter doações de equipamentos eletrônicos para uma oficina, que acabou não acontecendo, de reuso de lixo eletrônico.

Aceito ideias e códigos
As chuvas estão às portas e o pluviômetro precisa funcionar. Todos sabem, moro em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, num bairro onde há várias áreas com risco de escorregamento de encostas. O Cemaden instalou aqui no Perequê-Mirim um pluviômetro digital, do mais baratinho que existe (R$ 8 mil, algo completamente impossível para mim), mas na casa de um voluntário, um particular, e é em outro ponto do bairro, distante daqui. Comecei agora a pesquisar sobre Arduino e Raspberry, mas o recurso ora disponível é o Toshibinha de m&rd@. Os registros precisam dar informações sobre a chuva do momento, mas também o acumulado. Então, talvez em JavaScipt, ASC para exportar para planilha. Com muita paciência, meu guru de TI, o editor desta revista O Guaruçá, o Luiz Moura, tenta me introduzir no universo Linux, Apache, PHP, SQL e adjacências, mas sou muito lerdo (ainda que, espero, não tão lerdo como o Mamô) e, como Anibal para os romanos, as chuvas estão ad portas. Preciso de socorro, algum código fácil e pronto.

- texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 05/11/2013. 

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