quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Non siamo tutti buona gente

Siamo tutti oriundi, tutti buona gente.
Ma no, non siamo tutti buona gente



Passei minha infância e a juventude no interior caipira de São Paulo, ouvindo o linguajar típico da letra erre como em "porrta", jamais rascante, mas meio indolente. E também uma forma peculiar do erre no início de palavras como "reto", como em "segue reto". Não o rascante "rrrreto", mas o suave "ãreto", um ere que começa gutural e termina com a ponta da língua tocando a base dos dentes incisivos superiores. Quem quer que já tenha ouvido um oriundi do Brás saberá o que tento (e não consigo) descrever com palavras escritas.

Eram comunidades de brasileiros trabalhadores, a maioria bem pobres, descendentes principalmente de italianos, mas também de portugueses e espanhóis, além dos muitos afrodescendentes. Era comum ouvir a expressão tradicional "Siamo tutti oriundi, tutti buona gente", vinda de quem tinha sobrenomes como Moretti, Caprara, Capusso, Caputo, Malatesta, Mangiacapra, Mazzaroppi, Matarazzo, Agnelo, Scipio, Scipione, Guido, Guidon, e muitos outros.

Cresci convicto de que os italianos eram boa gente, como era boa gente la mia nonna Giuseppa, ativa, forte, atenta e muito afetuosa. Agora na velhice, mantenho essa convicção. Mas percebo que entre nós, oriundi, nem todos somos boa gente. É uma pancada forte na boca do estômago ouvir o sobrenome italiano mais falado atualmente, Bolsonaro.

No, non siamo tutti buona gente. Autoritário e sanguinário, o criador do fascismo, Benito Mussolini, não era boa gente. Nenhum capo de nenhuma famiglia da Máfia rural  siciliana,  do tipo que gosta de apelar para a violência no convívio social, nenhum é boa gente. Nenhum dos membros da urbana Camorra, que não tem capi, é boa gente, porque gostam de resolver pendências na bala e explodindo bombas, em banheiros mas também em juízes.

Non siamo tutti buona gente. Bolsonaros, os três da política, não são boa gente, ao apelarem para discursos e gestos fascistas, violentos, autoriátios. Seja querendo explodir bombas para reivindicar melhores soldos, seja querendo usar cabo e soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal, seja com a intolerância que mostram ter com as minorias. E com as mulheres em geral, as mulheres que todas nascem de "fraquejadas" do macho.

Não, la mia nonna Giuseppa, que com saudade relembro nosso mútuo e suave afeto, não foi resultado de uma frquejada, e saberia dizer hoje, com toda a firmeza, que Bolsonaro buona gente non é.

Tempos tristes, estes, dos quais foi poupada pela morte, aos quase cem anos, la mia nonna, ela sim, das que podiam dizer com orgulho "siamo tutti oriundi, tutti buona gente".



Elcio Machado, de mãe e avó Capusso.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Um ano desde o assassinato de Guerra em Ubatuba

Completa hoje, dia 23 de dezembro de 2015, um ano desde o assassinato do jornalista e blogueiro Marcos de Barros Leopoldo Guerra, então com 51 anos de idade. Ele foi sepultado dia 25 de dezembro, no cemitério São Paulo, em Pinheiros, na capital paulista, em cerimônia fúnebre restrita a familiares. O inquérito que apura o assassinato ainda está insepulto, não foi arquivado mas anda a passo de tartaruga, apesar do envolvimento da Delegacia de Ubatuba e da Seccional de São Sebastião.

O delegado titular de Ubatuba, responsável pelo inquérito, dr. Fausto Geraldo Moro Cardoso, pede ajuda à população para que acione o disque-denúncia 181, caso tenha alguma informação relevante sobre o caso. "É um inquérito difícil, pois Guerra recebeu várias ameaças anônimas devido às muitas denúncias que fez contra autoridades e pessoas da cidade, políticos e empresários. E da execução em si não há testemunhas, nem localizamos imagens em câmeras de segurança, que não existem nas imediações da casa da vítima", no bairro Tenório, disse. O que se sabe, de pessoas que viram os fatos de longe, à noite (depois das 23h), é que foram duas pessoas, em uma motocicleta, e que um deles era um homem alto.

Guerra atraiu para si o ódio de muitas das pessoas contra as quais fez denúncias públicas, incluindo prefeitos, vereadores, policiais, promotores de Justiça, juízes, comerciantes, profissionais liberais, administradores da Santa Casa e pessoas do povo. Algumas autoridades e ex-autoridades certamente ficaram mais aliviadas com o assassinato de Guerra. É bastante provável que tenha sido crime de mando, cuja responsabilidade é dividida entre o mandante e o executor, o típico pistoleiro, alguém com habilidade no manejo de armas.

O assassinato teve menções até mesmo na mídia internacional, mas, apesar de ter sido noticiado por parte da mídia que, na Prefeitura local, é considerada de "alto impacto", não houve continuidade nem acompanhamento da investigação pelos jornalões.
Uma série de matérias aqui, em O Guaruçá, na época, divulgou informações sobre o assassinato.
Autor de Ubatuba Cobra é sepultado na capital
Polícia de Ubatuba sem suspeito da morte de Guerra
Ubatuba: inquérito sobre Guerra não progride


- texto originalmente publicado na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 23/12/2015. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Escrafunchando o lagamá de Ubatuba


Lá estão, na capa, os cambitos finos e tisnados de sol do boneco de Olinda, escrafunchando o lagamá com os pés. Não se sabe ao certo a origem do apelido, se pejorativo, porque ele já incomodou os poderosos de plantão com sua pena afiada, ou se brincalhão, em vista de sua elevada estatura física e artística. Ou ainda por causa dos bonecos enormes que ele faz. O essencial é que Julinho Mendes é um artista, é o que o define. Sua arte se expressa na construção de bonecos, sacis, nas artes plásticas, telas, poemas, marchinhas de carnaval, no fino humor, na música caiçara da boa, na prosa, nos seus contos e causos. Mas há uma arte na qual Julinho é insuperável: a arte de cultivar amigos, que requer imensas doses de paciência e boa vontade. E agora nos presenteia, sem que tenhamos como retribuir.

Pois bem, Julinho, um dos últimos dos caiçaras, nos presenteia agora com um livro, que tem prosa e dois poemas, uma coletânea de crônicas e causos, um livro que cheira muito bem. Um cheiro que emana de páginas como as que descrevem o surgimento do camarão na moranga, ou o suave odor da maresia.

Cheira bem e é colorido, quando nos ensina como ter filhos louros de olhos azuis, e emite sons maviosos como os do violino do Lindolfo, ou muito estridentes: "Preeeega foooooogo!"
Gosto do cheiro de livros velhos, que é indescritível e varia de livro para livro. Gosto do cheiro de tinta preta de jornal, gosto refinado nas madrugadas na oficina, ao cuidar cuidadosamente do fechamento da edição com a notícia de última hora. Mas gosto muito também do cheiro de livros novinhos, o cheiro característico de tinta gráfica de livros.

Ouvi, minha vida inteira, que pareço ter "fogo no rabo", e é em situações como a da publicação do cartaz de lançamento do livro do Julinho que percebo o quão isso é verdadeiro. Tive necessidade urgente de sentir o cheiro do livro recém-saído da gráfica, e a internet ajuda muito nisso.

É um livro que, como nos alerta o próprio autor, não traz novidades, porque boa parte de seu conteúdo foi publicado nas páginas de O Guaruçá ou divulgado em programa radiofônico que lamento muito, muito mesmo, lamento demais, não ter escutado. A novidade é o próprio livro, apenas o primeiro do Julinho. Haverá outros, é certo. Os causos foram encadeados de tal forma que, mesmo sendo completos em si, levam o leitor a querer conhecer o que vem a seguir. É leitura pra lá de fácil, gostosa, divertida, leve e, ao mesmo tempo, profunda. Enquanto uma porção de gente fala das belezas caiçaras e sobre preservação ambiental o Julinho vive isso, intensamente, com os pés todos os dias escrafunchando o lagamá e as mãos reverenciando as árvores e o mar, e soube colocar isso em texto.

É, de alguma forma, um livro biográfico, com os causos que descrevem a família do autor, mas também o universo caiçara de Ubatuba desde décadas atrás. Tem começo, meio e fim, e finalidade, e é também uma emocionante declaração de amor à pessoa de olhos de jabuticaba a quem o livro é dedicado. Mas quem é não conto. O leitor que descubra.

Ditadura
O livro do Julinho é também um libelo contra a destruição e desfiguração da identidade caiçara de Ubatuba, de suas matas e rios, de seu mar. Ainda que hoje não exista mais censura, o acesso de estudantes a bens culturais ainda é dificultado. Livro como o do Julinho, por seus conteúdos tendentes a criar identidade caiçara, sentimento de pertencimento ao lugar, e pelo primor do texto, deveria estar nas mãos de todos os alunos das escolas, senão de todo o Litoral Norte, ao menos das de Ubatuba. Mas a política educacional sem diálogo tanto do município como, e principalmente, da Secretaria da Educação tucana, preferiu assinatura de revistas como a Veja em vez de livros, apostilas em vez de livros. Desembocou agora, aqui no LN, em ódio em vez de crítica e autocrítica úteis, construtivas. Há os atos ditatoriais como os do governador tucano Alckmin através de seu secretário da Educação, que chegou a iscar a PM contra estudantes que ocupavam escolas, por conta de um programa feito por iluminados, sem consulta a professores, estudantes e pais.

Para que não se pense que se trata de crítica de teor partidário, lembro aos petistas que, sim, alguns dos seus, e de seus partidos parceiros, roubaram e muito, e democracia deixa muitíssimo a desejar em Ubatuba, onde o prefeito, que é do PT, sanciona um descalabro de lei que destruirá o meio ambiente na Maranduba agora e no futuro, sem ter feito audiências públicas e discutido com os interessados, a população. Surdina, da noite para o dia, urgência urgentíssima urgentésima, coisas que, por si só, revelam má-fé. E logo-logo veremos prédios onde nem saneamento básico existe, graças à especulação imobiliária desenfreada.

Gosto do cheiro de livros velhos, que é indescritível e varia de livro para livro. No porão da antiga Biblioteca Mário de Andrade, em Araraquara, variava de prateleira para prateleira. Posso afirmar que conheci Garcia Lorca pelo cheiro, era época da ditadura e ele tinha sido banido para mais um porão de ditadura, dos tantos que aquela malfadada "redentora" criou brasis afora.

É por ter vivido isso que lamento as indecentes propostas do retorno à ditadura, ouvidas aqui e ali. Que lamento a dificuldade de acesso a livros, ainda que haja iniciativas como a geladeira do calçadão. Livros deveriam estar escancarados em todos os lugares, entregues "de grátis" a todos os alunos, colocados na geladeira do calçadão - inclusive os novos, com cheiro de tinta da gráfica, o que só seria possível dentro de uma política educacional não tacanha. A que temos, infelizmente, é nanica.


- texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 01/12/2015

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Ubatuba não terá Calatrava nem Otake

E nem vídeo da Prochaska
Será inaugurado em Ubatuba, no próximo semestre, o Museu de Arte Moderna Ciccillo Matarazzo, cujas obras estão adiantadas. O Museu está sendo erguido com recursos provenientes da iniciativa privada e de estatais, através de doações e também mediante a utilização da Lei Rouanet (que permite às empresas e particulares deduzir parte a pagar do Imposto de Renda, deslocando o dinheiro para iniciativas culturais). Segundo Caribé, instituições financeiras, grandes empresas e estatais como, por exemplo, a Petrobras, fazem isso rotineiramente, beneficiando atividades culturais diversas mediante patrocínio (em parte subsidiado pela Lei Rouanet) e se beneficiando através da projeção publicitária de suas marcas.

O Museu está sendo erguido graças à atuação do vice-prefeito Sérgio Caribé Santos (PMDB), que se propôs a ser o condutor, no meio empresarial, da iniciativa para a instalação do museu, que também abrigará exposições de artistas locais.

O projeto arquitetônico do Museu, escolhido em concurso internacional, é de autoria de dois expoentes da arquitetura moderna, o espanhol Santiago Calatrava e o brasileiro Ruy Otake.

Ambos têm fixação por curvas, especialmente as das mulatas do imperador, e assinam um projeto juntos pela primeira vez. Tanto é assim que o Museu de Ubatuba já está sendo chamado de “Bundão”, por suas sinuosidades nadegosas, tão ao gosto de caribenhos e ubatubenses. O apelido segue a tendência revelada pelo “Tubão”, pelo “Elefantão Branco” e pelo “Smurfão”, respectivamente ginásio coberto, centro de convenções e centro do professorado-teatro.

Acreditou no que leu?
Ufa! Ainda bem que não. É só uma brincadeira irônica, com título provocativo. Esse monte de bobagens remete a um outro monte de bobagens, ditas pelos então candidatos a prefeito e a vice-prefeito, com direito a algo que garante coisa nenhuma, a gravação em vídeo da bobajada toda. Moromizato e Caribé participaram de um “Encontro de Candidatos” promovido por uma comissão que tinha a pretensão de propor políticas culturais para Ubatuba, o “Povo da Cultura”, da qual faziam parte o empresário que promoveu evento no centro do professorado-teatro antes que ele tivesse alvará do Corpo de Bombeiros, bem como a atual presidenta da Fundart, Cristina Prochaska.

Na época, escrevi um texto sobre a tentativa de obter o vídeo da “Comissão”. Mas, na verdade, foi revelado depois, Prochaska apropriou-se do vídeo e não me permitiu vê-lo. Na época, a “Comissão” disse que queria evitar “uso eleitoreiro”.

Um parêntese. Tratando-se de Prochaska, há um outro vídeo, que jamais chegou a ser gravado ou que, gravado, desapareceu completamente. Foi numa época em que se fazia muito televisão ao vivo, especialmente na transmissão de bailes de carnaval. Esse vídeo desaparecido confirmaria a versão do que ficou conhecido como “fecha na Prochaska”, um apelo desesperado do diretor de imagem ao cinegrafista que estava iniciando um zoom no monte de vênus de uma abusada foliã nua. E o cinegrafista acentuou o zoom, fechando no que achou que fosse a Prochaska, que na verdade era a narradora do evento. A frase ficou para a posteridade.

Pois não é que na terra das naniquices políticas, vem agora o ex-vice dizer que “alguém” gravou o discurso privado dele, anunciando sua ruptura com o prefeito Moromizato? Do que prometeram, Caribé e Moromizato, nada de importante foi feito. Agora desmancham-se em naniquices, escondem-se atrás de desculpas esfarrapadas e se preparam para nova safra de promessas vazias.

No entanto, é bom que lembrem que já tiveram sua chance, e a fila andou. Do discurso de visão ampla, à frente do tempo, registrado em vídeo que não foi divulgado, o que fizeram foram práticas nanicas e, mesmo, mesquinhas, nada deixando de importante como legado. Uma gestão que não fez a diferença. Nem fede nem cheira.

Resta saber quem será o próximo da fila.

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* texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 22/04/2015. 

segunda-feira, 9 de março de 2015

O Guaruçá e as mulheres, união indissolúvel

A relação entre nossa oca eletrônica, O Guaruçá, e as mulheres, todas as mulheres, é indissolúvel. Que essa história de amor, como O Poetinha cantou em fiel soneto, não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinita enquanto dure.

Que não somos imortais, nós, pessoas, e nós, a revista, tivemos dura certeza nestes últimos meses. Às vésperas da ceia natalina foi assassinado nosso ex-colunista e colaborador Marcos Guerra, que aqui cresceu e ganhou asas, e criou seu próprio espaço para a publicação de seus duros textos. E, dias atrás, a própria revista se viu ameaçada.

A primeira edição da revista eletrônica O Guaruçá foi há 11 anos, exatamente no Dia da Mulher.  Não foi por acaso: Luiz Roberto Moura, o editor, e seus colaboradores de primeira hora, Sidney Borges (com matéria atualíssima, falava da falta de estradas (de rodagem e de ferro) para o escoamento da produção de soja), o saudoso do Eduardo Souza, o Julinho, já tinham material pronto, mas decidiram aguardar o Oito de Março para publicar.

Não podemos mais falar que O Guaruçá foi publicado ininterruptamente, todos os dias, estes anos todos, porque dias atrás abateu-se um desastre sobre o nosso sirizinho, a ponto do Moura ter perdido as esperanças de recuperar toda a imensa base de dados que ajuda a contar a história de mais de década de Ubatuba. É que a empresa que abrigava o portal simplesmente fechou as portas. Mas, com sua paciência e habilidade técnica, o editor conseguiu ressuscitar todos os textos, na ordem certa e com os links certos.

Dia de festa, portanto, e de cumprimentos, à revista O Guaruçá e às mulheres, todas elas, do mundo todo. Que me perdoem as bonitinhas e novinhas, mas nas mulheres a feiura, a velhice e a ternura são essenciais. Que morram as mulheres, mas que morram muito velhas e com a pele e o rosto feios, mas recendendo a ternura, como minha velha nonna aos 98 anos de idade. E, especialmente, que vivam as mulheres, vivam a plenitude de serem respeitadas num mundo que é cada vez mais delas, mas que ainda conserva o ranço do machismo como tônica.

Quanto ao nosso já maduro sirizinho, não passa de um pré-adolescente. Que também chegue a provecta idade.


* texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 09/03/2015. 

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Ubatuba: inquérito sobre Guerra não progride

O inquérito que apura o assassinato do blogueiro e jornalista Marcos Guerra ainda não aponta possíveis autores e está em fase de distribuição a uma das três varas judiciais de Ubatuba.

Já se passa mais de um mês desde o assassinato de Guerra, que foi morto a tiros em sua casa, na antevéspera do Natal. Com isso, ocorreu o final do prazo para o relatório conclusivo ou pedido de dilação de prazo. O sistema informatizado do Cartório Distribuidor não indicava, na quarta-feira passada, a distribuição do inquérito para uma das três varas criminais de Ubatuba, não estando definido, portanto, o juiz que acompanhará o caso. Quanto ao Ministério Público, pela distribuição de tarefas que tem em Ubatuba, e em vista de não haver indícios de latrocínio, o inquérito e eventual ação penal estarão sob responsabilidade da 2ª Promotoria de Justiça de Ubatuba, que cuida dos crimes dolosos contra a vida afetos ao Tribunal do Juri. A titular do órgão é a promotora Raquel Tiemi Hashimoto.

O delegado de polícia titular de Ubatuba, Fausto Macedo, informou que as investigações continuam, que há linhas firmes de investigação mas que, “para não dar um tiro no meu próprio pé”, não pode dar informações mais detalhadas. Manifestou confiança de que o crime será desvendado e assegurou que as investigações continuam sob responsabilidade da equipe de Homicídios da Delegacia, composta por três investigadores. Sobre mandados de busca e apreensão, aventados dias atrás, quando o delegado mencionou um “quebra-cabeças”, disse que não foram solicitados, porque “ainda falta um elo”.

A delegada titular da Seccional de Polícia de São Sebastião, Nilze Baptista Scaputiello, através de assessor, disse que, para que pudesse se manifestar sobre o inquérito, dependeria de uma pauta emitida pela Delegacia Geral de Polícia. Na DGP, Eduardo Paglioni, assistente administrativo do delegado geral, disse, por assessora, que o assunto era da alçada da própria delegada seccional. 

O diretor do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior – Deinter 1, João Barbosa Filho, de São José dos Campos, através de assessora, disse que o mais indicado a falar sobre o inquérito aberto para apurar o assassinato de Guerra é o próprio delegado de Ubatuba, Fausto Macedo, que o preside.

Crime de mando?
Tão importante quanto o pouco que disse o delegado Fausto Macedo é o que não disse. Não disse se as linhas de investigação referem-se apenas à autoria material (os pistoleiros) ou se incluem também o óbvio, a autoria intelectual (o mandante). Tamanha penúria de informações objetivas faz supor que ou a polícia está completamente perdida nas investigações ou tem trunfos que não quer divulgar para não assustar os investigados e, assim, evitar eventual fuga ou ocultação de provas.

O que a maioria da população de Ubatuba presumivelmente acha (e todos os grãos de areia da praia do Tenório suspeitam) é que foi crime de mando. O autor intelectual (talvez mais de um) teria sido objeto de denúncia ou espinafração em alguma (ou algumas) das 3.090 matérias postadas por Guerra no seu blog Ubatuba Cobra, nos três anos e nove meses que esteve na internet, o que aponta para o uso de uma lógica inversa de investigação. Normalmente, a investigação apura fatos e circunstâncias, a partir dos quais identifica autores e chega a uma conclusão. Da outra forma, a investigação baseia-se numa tese, para então apurar fatos e incriminar (ou não) os autores já tidos como suspeitos.

O problema é que Guerra operava uma metralhadora giratória, que atingiu muita gente em Ubatuba, e que defenestrou alguns ocupantes de cargos públicos, tanto em função do blog como resultados de procedimentos judiciais a que deu origem. Mesmo sem ser advogado, Guerra tinha sólidos conhecimentos na área jurídica, tanto quanto a leis como a processos penal e civil, bem como administrativo. Com isso, deu origem, em nome próprio ou por acionar o Ministério Público, a diversos procedimentos no âmbito do Poder Judiciário e também junto ao Tribunal de Contas do Estado. Em alguns momentos, bateu de frente com promotores de justiça, dois dos quais posteriormente removidos da comarca, e foi processado pela corporação, que agiu para defender a honra de um de seus membros.

Guerra usava frases pesadas e agressivas como “Ubatuba não pode mais conviver com a nefasta presença de Promotores de 'Justiça' incompetentes, negligentes e omissos”, “até então prefeito (ou vereador, ou promotor, ou juiz)”, e dizia, de prefeitos, “além de omisso é incompetente, negligente, inconsequente e corrupto!”. Vez por outra utilizava o vocábulo “canalha” e numa das vezes endereçou-o a um proprietário de quiosque na praia do Tenório.

Reforço
Não consta que o delegado Fausto Macedo tenha pedido reforço, de pessoal e meios, para acelerar as investigações referentes ao inquérito de Marcos Guerra, nem tampouco que os delegados seccional e regional tenham oferecido qualquer reforço não relacionado à operação verão. No entanto, pelas suas características peculiares, por envolver atentado contra a liberdade de expressão, por calar um jornalista e blogueiro que desafiava autoridades e tinha forte discurso contra a corrupção, seria justo esperar alocação de recursos materiais e de pessoal para reforçar a Delegacia local e afastar a sensação de que o inquérito poderá morrer à míngua.


* texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá, em 10/02/2015. 

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Polícia de Ubatuba sem suspeito da morte de Guerra

Passadas três semanas desde o assassinato do jornalista e blogueiro Marcos Leopoldo Guerra, a Polícia Civil de Ubatuba tem linhas de investigação, mas ainda não tem nome, ou nomes, para anunciar como suspeitos da autoria do homicídio. Marcos Guerra, que mantinha o blog Ubatuba Cobra, foi morto a tiros na noite da antevéspera do Natal, no mês passado. Não há, portanto, indiciados, embora tenham sido colhidos depoimentos e, com a reabertura do Fórum, nesta quinta-feira, sejam solicitados mandados de busca e apreensão.

Segundo o delegado Fausto Cardoso, titular da Polícia Civil de Ubatuba, a equipe de Homicídios da Delegacia, composta por três investigadores, realizou diversas diligências e ouviu várias pessoas, inclusive moradores das imediações da casa onde Guerra foi assassinado. O delegado, no entanto, não fornece detalhes, “para não atrapalhar as investigações”. Esclareceu que o inquérito não está sob segredo de justiça, mas que é necessário algum prudente sigilo para benefício do conjunto do trabalho investigativo. Disse também que serão ouvidas mais pessoas, na tentativa de montar o que classificou como um “quebra-cabeças”.

Com os feriados e pontos facultativos a Delegacia funcionou em regime de plantão, com a presença de policiais de outras cidades para atender as ocorrências da chamada Operação Verão. Segundo Fausto Cardoso, o regime de plantão não interrompeu o trabalho dos investigadores que atuam no setor de homicídios.

Repercussão
O assassinato do blogueiro de Ubatuba teve imediata repercussão em parte da mídia nacional e internacional, mas não nos chamados jornalões, em regime de plantão, férias e coberturas burocráticas do Natal e Ano Novo. Na praticamente inexistente mídia local não houve repercussão, nem entre os políticos e empresários que, em algum momento, se beneficiaram com alianças pontuais com Marcos Guerra ou, no mínimo, alimentaram com informações de caráter interesseiro o blog de Guerra. Durante a campanha eleitoral do final de 2011 houve eventos desse tipo.

Também não houve manifestação local da ong Transparência Ubatuba, da qual Guerra era dirigente, ainda que a Rede Amarribo (da qual faz parte a ong) tenha postado nota sobre o homicídio. A Rede Amarribo, na nota, qualificou Guerra como ativista social e comentou que “Os ativistas sociais são verdadeiros heróis, que lutam sozinhos, sem amparo da Justiça. As leis protegem os `fora da Lei´. A impunidade é combustível poderoso para os bandidos.”

* texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 09/01/2015.