Assis, Tarumã, Borá, Salto Grande, Ourinhos, Bauru, Marília e Presidente Prudente estão no Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. Eles integram o seleto grupo dos 556 (dez por cento dos municípios) que concentram as mais altas taxas de violência constituídas por óbitos em acidentes de transporte. Vale dizer, mortes decorrentes de acidentes de trânsito. Não se enganou quem, nesse item, esperava encontrar São Paulo e Rio de Janeiro como as cidades onde o risco de morrer é maior. Mas não causa alguma surpresa Assis estar nesse rol? É possível afirmar que quem se surpreende muito não se preocupou em conhecer melhor a cidade de Assis. Mas sustentarei essa afirmação provisória só no final deste texto.
A Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura - OEI lançou, dia 27 de fevereiro, com o apoio do Ministério da Saúde, o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, trabalho assinado por Julio Jacobo Waiselfisz. Dos 5.560 municípios brasileiros pesquisados, o autor optou por detalhar e ordenar em tabelas os dados de dez por cento deles, com uma explicação implícita no exemplo que deu: "... 10% dos municípios com maiores taxas de homicídios juvenis concentram 80% do total de homicídios juvenis do país, fato que possibilita melhor focalização das políticas nesse campo". Visto pelo outro lado, significa que 90% dos municípios brasileiros diluem 20% do total de homicídios juvenis. No entanto, o autor esclareceu nas Notas Técnicas que existem dificuldades metodológicas, fato facilmente percebível no caso de Borá, nossa vizinha. As tabelas do Mapa da Violência são montadas com dados reduzidos a ocorrências por 100 mil habitantes. Mesmo com os cuidados tomados pelo autor, de trabalhar com médias dos últimos três anos disponíveis (2002, 2003 e 2004), "houve municípios que apresentaram taxas extremamente elevadas, tendo registrado somente um incidente nos três anos considerados. São municípios cuja base populacional muito estreita tem impacto enorme nos índices."
A explicação vale para Borá, onde um único acidente com vítima fatal o coloca em 460º lugar na tabela dos 10% dos municípios com maiores taxas médias de óbito por acidentes de transporte (em 100.000 habitantes) na população total - 2002/2004. Onde um único homicídio é suficiente para colocá-lo no 259º lugar na tabela de homicídios na população total, e em 6º (isto mesmo, sexto) lugar na tabela dos 10% dos municípios com maiores taxas médias de óbitos por armas de fogo (em 100.000 habitantes) na população total - 2002/2004.
Mas tal explicação não vale para Assis, nem para Tarumã. Aqui, efetivamente, mata-se muito no trânsito. O Hospital Regional pode representar uma pequena atenuante nesse quadro. É que, como explica Waiselfisz, outra dificuldade metodológica está na legislação brasileira, que exige consignar no atestado de óbito o local do falecimento. Com isso, se o incidente causador do óbito for em outro município, mas o acidentado for acolhido no Hospital Regional e ali falecer, não há como identificar o fato, na elaboração das tabelas do Mapa da Violência. O mesmo vale para outros centros, como Marília, Bauru, Presidente Prudente. Mas não tem a mesma expressão quando se trata de Ourinhos ou Tupã, outras cidades das redondezas que também estão entre os dez por cento onde mais se morre por acidentes de trânsito.
Essa pequena atenuante não exclui a constatação de que o trânsito em Assis, e nas outras cidades citadas, é violento. Tanto no trânsito urbano quanto no rodoviário, a soma de falta de educação (específica, educação para o trânsito) com a falta de condições adequadas dos equipamentos de sinalização e tráfego levam ao alto número de mortes. É conveniente ressaltar que falamos de mortes, pois essas são de registro obrigatório. No entanto, e o próprio autor do Mapa reconhece, apenas 15 por cento das ocorrências de violência no trânsito acaba tendo registro policial (pesquisa feita no Distrito Federal, mas que admite extrapolação para todo o país). A maioria dos incidentes sequer tem registro. É o dia-a-dia, com suas pequenas batidas, atropelamentos com lesões leves, quedas com motos, e coisas assim que não vemos como necessário comunicar à polícia.
A situação está assim, e Assis não faz nada para enfrentá-la? Timidamente, e às vezes com alguns equívocos, mas faz. É necessário lembrar que os dados constantes do Mapa da Violência são médias dos anos de 2002, 2003 e 2004. Ruas esburacadas, sinalização horizontal entre decadente e inexistente, sinalização vertical inadequada em muitos pontos, e uma Guarda Municipal preocupada em aplicar multas (coleta de receitas) por falta do uso de cinto de segurança, mas fazendo vistas grossas ao descalabro dos carros de suspensão rebaixada nos "rachas", motoqueiros fazendo tudo o que é proibido e perigoso, desrespeito ao pedestre e ao deficiente físico, e desaparecendo nos horários em que mais seria necessária sua presença fiscalizatória. A falta do uso do cinto de segurança é sim uma infração, que no entanto coloca em risco exclusivamente a pessoa do faltoso. Numa classificação de riscos, ocupa lugar baixo, frente a outras situações como excesso de velocidade, desrespeito à calçada e à faixa de pedestres, manobras arriscadas e perigosas, dentre outras infrações, que colocam em risco o condutor mas também passageiros, ocupantes de outros veículos e pedestres. Ficava mais fácil, sorrateiramente, anotar a placa de quem não usava cinto de segurança. Gerava receitas e estatísticas. Mas resultava em pouca eficácia, na fiscalização geral do trânsito de Assis.
Alguma coisa mudou, o povo fez mudar. As ruas estão transitáveis, algumas foram recapeadas, os buracos são fechados assim que a chuva os abre. Aos poucos, a sinalização horizontal está sendo recuperada e aperfeiçoada, a vertical passou a receber cuidados, e a Guarda Municipal está mais atenta ao seu foco principal, ainda que longe de executar todas as tarefas que estariam a seu cargo. Algumas tímidas iniciativas na sinalização deram bons resultados. Veja-se o caso do semáforo de quatro fases da Dom Antônio com a avenida André Perine, que fica no amarelo intermitente durante a madrugada. Ou a mudança feita no cruzamento da Dom Antonio com a Getúlio Vargas, com estabelecimento do sistema de alças (proibição de conversão à esquerda), mantido o semáforo de duas fases. Mesmo ai, apesar de toda a boa intenção, a sinalização não está adequada. A placa com o sinal de proibido fazer conversão à esquerda deveria estar na diagonal oposta da faixa de tráfego do motorista, bem na direção de seu olhar, no caso de tentar fazer a conversão à esquerda. Não se pode dispensar o bom senso, quando se interpreta o manual de sinalização.
O Conselho Comunitário de Segurança dedicou duas ou três reuniões ao tema, do que resultou alguma atenção ao problemático cruzamento de ruas da cidade (especialmente a Dom Antonio) com a rodovia Miguel Jubran. Todo aquele entorno é complicado, e mais precisará ser feito. Um fator limitante é a necessidade de recursos para obras, nem sempre disponíveis. Orçamento existe para essas coisas. Se não é possível fazer agora, é possível orçar para realizar depois. É o caso de outra iniciativa, a Lei 4.822, de julho de 2006, que autoriza o prefeito a criar um Fundo Municipal de Segurança Pública e um Conselho Municipal de Segurança Pública para geri-lo. Mas esse conselho, cuja composição prevê muitos notáveis e pouca comunidade, ainda não começou suas atividades e ainda não se sabe, assim, a que vem.
Campanha
Não é o Poder Público o único a se mexer, para enfrentar a violência que é o trânsito de Assis. Outras iniciativas conjuntas ou isoladas, da comunidade, também acontecem. Creio que merece um longo parágrafo o caso do programa "Dirigir com Segurança", lançado em 2006, num sábado, com eventos na avenida Rui Barbosa, em frente à Prefeitura. Trata-se de programa com apoio do Rotary Assis Norte e da Prefeitura Municipal de Assis, como informa o folheto "Paz no Trânsito", idealizado por Zeke Abrams, Mário Chiarinelli e Carlos Garcia. A avenida Rui Barbosa foi sinalizada com cones de segurança e faixas de promoção do evento. A segurança física dos participantes contou com a ativa presença dos "azuizinhos" do órgão municipal de trânsito, bem como de policiais militares e promotores do evento, estes uniformizados com camisetas. Dentre os adultos também estavam presentes líderes dos Escoteiros e das Bandeirantes da cidade, voluntários e pessoas do povo.
A mais visível presença foi, talvez, das crianças e adolescentes uniformizados conforme a estrita tradição dos Escoteiros e das Bandeirantes, presentes os lenços e insígnias de tropa. Os "lobinhos", de muito tenra idade, pessoas em construção, com ainda pouca capacidade de discernimento, sobressaiam-se dentre os mais empolgados, ofertando folhetos e adesivos com sorrisos de genuína alegria e uso de um vocabulário de simples, mas de autêntica educação, denotativa de lhaneza, de uma civilidade também em construção.
Inegável a necessidade de campanhas de educação para o trânsito, aqui na nossa grande e, ao mesmo tempo, pequena cidade de Assis. Afora o ufanismo daquela campanha, que expressa na meta "Vamos acabar com o caos no trânsito", uma pretensão ambiciosa, houve uma adequada abordagem de quase todos os pontos mais críticos do problema em que se transformou o trânsito de Assis. Os pontos abordados são importantes e consentâneos com a realidade com a qual nos deparamos no dia-a-dia. Vistos pelo oposto do imperativo verbal utilizado no folheto inaugural da campanha ("Tenha responsabilidade"), os pontos falam por si: há irresponsabilidade ao dirigir, há os que ingerem (em doses nada modestas) bebidas alcoólicas antes de dirigir, há os que negligenciam a manutenção regular do veículo. Há, e isso é particularmente evidente em jovens motoristas, os que não obedecem a limites de velocidade nem param no sinal vermelho, nem sempre respeitam a sinalização, raramente respeitam a faixa de pedestres e freqüentemente utilizam telefone celular ao dirigir. Há os que ultrapassam em faixa contínua e os que não param, nem reduzem velocidade, na placa "Pare".
Calçada para pedestres
Parêntese necessário é o que diz respeito às faixas de passagem de pedestres. Vários acidentes e muitos quase-acidentes decorrem do respeito de boa parte dos motoristas à faixa de pedestres. Quando o motorista respeita a faixa e pára o veículo, como, por exemplo, na faixa entre a calçada da Catedral e a farmácia que fica em frente, na avenida Rui Barbosa, corre o risco de ouvir uma irritada buzina de quem vem atrás. Ou, pior ainda, ser ultrapassado por uma moto, que (quase) atropela o pedestre que pretendia integral respeito ao seu direito de usar a faixa a ele destinada.
Defesa da cidadania obstruindo a calçada do pedestre
Quem leu atentamente o folheto "Paz no Trânsito" notará que não foi citado o item "Conheça o código de trânsito". Talvez uma omissão a ser corrigida em futuras campanhas. Parte da legislação (Lei nº 9.503, de 23/09/1997) está reproduzida abaixo.
Art. 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres.
§ 6º Onde houver obstrução da calçada ou da passagem para pedestres, o órgão ou entidade com circunscrição sobre a via deverá assegurar a devida sinalização e proteção para circulação de pedestres.
Pedestre vai para a rua...
Conhecer a legislação de trânsito é fundamental a quem pretende idealizar, planejar, organizar e implementar qualquer campanha de trânsito. Tem-se por pressuposto que qualquer campanha do tipo seja dotada de eficácia, algo a apresentar conseqüências (boas) e não ser apenas objeto de promoção e publicidade. Assim, o conhecimento daquilo que a campanha se propõe a ensinar é fundamental. Caso contrário, corre o risco de ser algo para inglês ver. E, de todo modo, é necessário reconhecer, só receberá críticas quem não se omite, e faz.
A lei é clara em preservar o pedestre do risco de acidentes. Disciplina claramente o uso da calçada (e do passeio, na definição do Anexo I do CNT) e veda expressamente o emprego de obstáculos a isso. Então, o uso de quiosques na calçada, seja para fins comerciais ou qualquer louvável fim educacional, é proibido, a menos que tenha autorização expressa da autoridade de trânsito. A própria autoridade de trânsito, aparentemente, está alheia ao que anda acontecendo em sua privilegiada jurisdição.
para se desviar do quiosque
Necessário acrescentar que o quiosque foi fornecido, para um fim louvável, é certo, por uma indústria que fabrica cervejas. A mensagem subliminar não é adequada. Afinal, apelo à ingestão de bebida alcoólica e campanha educativa de trânsito são coisas que não combinam. No mínimo, há mau gosto. Já basta a presença irregular desses quiosques em fins de semana, na avenida Rui Barbosa, na altura dos points jovens, algo a não estimular.
Este comentário é ácido, certamente. No entanto, decorre da reflexão, passado mais de ano do evento, de que a eficácia é o foco a ser perseguido, e não o marketing. Campanhas têm começo, meio e fim. Sua pontualidade as torna impactantes, e são importantes, não há dúvida. Mas campanhas permanentes, transformadas em programas, talvez tenham maior eficácia. Campanhas que agreguem aqueles que estão diretamente envolvidos com o problema considerado, que é o caso, por exemplo, dos Bombeiros. Eles têm preciosos dados sobre os pontos mais perigosos do trânsito de Assis, obtidos da maneira mais direta possível: o socorro aos acidentados. Também por exemplo, as entidades comunitárias - porque ninguém mais diretamente envolvida do que a comunidade.
Só superficialmente a população de Assis se dá conta de que seu trânsito é muito violento. Talvez falte à cidade um certo senso de comparação e talvez ocorra uma certa complacência com os pequenos delitos do dia-a-dia. É possível que a convivência com situações inadequadas tenha a tendência a nos fazer considerar como normais coisas que não são normais. Assim, quem muito se surpreendeu com a inclusão de nossa cidade no Mapa da Violência tem agora uma oportunidade de tomar um susto, e levar à reflexão os dados expostos. Não se trata de apagar 100 anos de história, mas de começar uma história realmente nova, no que diz respeito ao trânsito. Deixar para trás alguns confortáveis mitos provincianos, de cidade pequena, e assumir um lugar na História como cidade grande. Porque alguns dos problemas que hoje podem ser enfrentados mais suavemente, no futuro poderão ser grandes problemas de difícil solução.
O cidadão mediano, e me incluo entre estes, também comete infrações e deslizes. É da ordem do humano. Ninguém está inteiramente pronto e com a educação completa, especialmente no que diz respeito ao trânsito. Assim, campanhas como a do Rotary serão sempre bem-vindas. Mas talvez seja necessário ir além. O forte sentimento de impotência do cidadão mediano não o impede de desejar. Que o novo Conselho de Segurança Pública, quando vier, tenha em conta a premissa de programas para educar jovens e adultos para o trânsito, e que Assis não figure mais no Mapa da Violência.
Texto publicado no Diário de Assis nº 1.494, página 11 (17/03/2007)