domingo, 27 de janeiro de 2008

Consciência tranqüila

Suharto, alimente seu povo


Morreu, na Indonésia, na cama, é de se imaginar que com a consciência tranqüila, o ditador Suharto. De morte natural, de velhice, sem jamais ter sido julgado por seus crimes contra a Humanidade. Estimativas conservadoras dizem que sua política de anexação do Timor Leste causou a morte de um quarto dos habitantes do pequeno país, quando do colapso da longa ocupação colonial portuguesa daquela metade de uma ilha. Outras estimativas falam em 200 mil pessoas - cerca de um terço da população de Timor Leste - que morreram na ocupação, ou foram vítimas da fome que atingiu o país (hoje, 27/01/2008 BBC Brasil, http://noticias.uol.com.br/bbc/reporter/2008/01/27/ult4909u2106.jhtm, para assinantes UOL). Mas não matou apenas no Timor: matou, e muito, na sua própria Indonésia, desde que assumiu o poder, em 1965, com irrestrito apoio do império estadunidense. Primeiro foram os comunistas e simpatizantes, e depois, pessoas comuns, nas províncias de Papua e Aceh. O Timor foi vítima em 1975, na mesma semana da visita do presidente dos EUA e de seu fiel escudeiro, Kissinger, à Indonésia.

O crescimento econômico, medido em PIB, experimentado pela Indonésia durante parte de seus 32 anos de regime ditatorial e violento, não foi sentido pela maioria do povo indonésio. Concentração econômica, corrupção e fome levaram o exausto povo à revolta, em 1998, quando uma crise econômica em toda a Ásia mostrava a fragilidade de modelos de crescimento "milagrosos". Na época, nos jornais e na televisão, era comum ver os cartazes rabiscados toscamente, com a frase (traduzida) "Suharto, alimente seu povo". As últimas fotos do ditador não deixam dúvidas: morreu gordo. Bem diferente, fisicamente, dos habitantes de Aceh, devastada por tsunami dois anos atrás. Os sobreviventes do desastre natural, mostrados à farta na televisão, exibiam corpos esbeltos, bem magros, porque a pequena província nunca se recuperou do ódio a ela devotado pelo ditador.

Junta-se, Suharto, dentre muitos outros, a Pol Pot e a Pinochet, que também morreram na cama, muito, mas muito mesmo, provavelmente, de consciência tranqüila. É algo a ser levado em conta, quando alguém diz que está com a consciência tranqüila.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sabe que eu sempre achei que um dia você escreveria sobre o dormir ~_ consciência tranquila. Muito bom o texto e com encaixe perfeito da proposta.
beijo

Tatiana Machado disse...

Que bom que voltou a escrever, Elcio. O coceito deste blogue é muito bom e, concorco com a Marlene, esta reflexão tem tudo a ver com a proposta. Muito bom. Não pare não!

Bacio.

Anônimo disse...

Não consigo ter uma idéia clara sobre a reflexão da consciência tranquilha, porque não alcanço de maneira nenhuma como seriam as consciências dos (pra ficar só neles) ditadores citados. Mas me parece claro que as nossas consciências é que não podem estar tranquilhas, ou melhor, caladas diante deles e de seus atos.

Também acho difícil acompanhar o blogue por conta da periodicidade, mas sei também quanto é complicado.

Elcio Machado disse...

Marlene, Tatiana, Juliano, obrigado pelos comentários. Não é possível, acho, saber a quantas anda a consciência de cada um, especialmente a dos ditadores, exceto pelo que exteriorizam, publicam, falam. Nunca fiquei sabendo de ditador que tenha feito um "mea culpa" reconhecendo atrocidades de seu regime, e é por causa disso que deduzo a tranqüilidade de consciência. Concordo, Juliano, não podemos ficar calados, e é o não perder nossa capacidade de indignação uma meta a alcançar.
Beijos.