segunda-feira, 31 de março de 2008

Ontem nasceram crianças

31/3/2008
Ontem nasceram crianças, e a Humanidade enriqueceu-se. Mas também empobreceu-se com a morte de Dith Pran (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft3103200803.htm, para assinantes), um cambojano comum que um dia ganhou uma máquina fotográfica e abriu seus olhos, e os do mundo, para o genocídio do qual foi vítima o seu pequeno país. Testemunhou cinco anos de massacres que reduziram em quase um terço a população do Camboja, sob o regime de Pol Pot -- um daqueles ditadores que morreram na cama, de consciência tranqüila. O Khmer Vermelho de Pot levou às conseqüencias sanguinárias e nefastas o pensamento de Mao Tse Tung, de que a integral implantação do socialismo, rumo ao utópico comunismo, necessitaria de forte intervenção cultural, para apagar da memória coletiva a influência capitalista ocidental. Nada apaga mais definitivamente do que a morte: algo em torno de dois milhões de mortos, em cinco anos (1975 a 1979), num país que tinha pouco mais de seis milhões de habitantes. Antes disso, vítima da guerra fria (e quente, no Vietnã), o Camboja recebeu uma carga de bombas estimada em 2,76 milhões de toneladas, lançadas principalmente pelo governo Nixon (sem autorização nem conhecimento do Congresso estadunidense). Vale lembrar que, durante toda a II Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram (incluindo as duas bombas atômicas) pouco mais de 2 milhões de toneladas de bombas. "O Camboja terá sido o país mais bombardeado em toda a história", diz o Le Monde Diplomatique (http://diplo.uol.com.br/2008-01,a2153, para assinantes). Nixon foi apeado do poder por bisbilhotar a vida (e a saúde mental) de seus opositores democratas, condenado a leve sanção e perdoado por Ford. Não lhe pesaram as mortes cambojanas, pelas quais foi direta e indiretamente co-responsável.

Ontem nasceram crianças, e a Humanidade enriqueceu-se. O que será delas no futuro próximo dependerá em muito de cada um de nós. Poderão se tornar um Pot, um Nixon ou um Dith Pran. Quiçá, ao morrerem, longevas, façam a Humanidade sentir-se empobrecida, como Pran.

Um comentário:

marlene disse...

Pois é, Elcio.
Só hoje, assistindo os 2/3 finais do filme "Os gritos do silêncio", pude
me aproximar um pouco dessa compreensão tão clara que você expressa neste texto. Refiro-me especialmente a um aspecto: sobre como algumas pessoas podem representar ganhos ou perdas da humanidade, enquanto habitam este
planete ou mesmo quando se vão.