quinta-feira, 19 de junho de 2008

Ceumar em estado puro

Gosto não se discute. Cada qual tem direito a seus gostos próprios, sejam eles compartilhados com grandes maiorias, restritos a minúsculas minorias, absolutamente individuais e, mesmo, idiossincrásicos. No entanto, inexiste o gosto em estado puro. De pronto, porque não é possível gostar ou deixar de gostar de algo que está fora do universo da pessoa. Não posso gostar, nem deixar de gostar, de música hitita, porque não conheço e nem sei se existiu. É muito provável que tenha existido. Todos os povos atuais conhecidos cultivam alguma forma de música, somente vocal ou com o acompanhamento, no mínimo, de instrumentos rudimentares. Posso elocubrar que os hititas, conhecidos por sua disposição para guerras, tivessem algum tipo de música marcial, com acompanhamento de instrumentos de percussão rústicos. Caso tenha sido assim, infelizmente nenhum artefato desses, fisica ou pictoricamente, chegou ao meu conhecimento.

O gosto é um produto cultural. A cultura japonesa valoriza o bonsai, árvores de considerável porte cultivadas em pequenos vasos, mediante um tipo de manejo que as torna adultas anãs, privadas da possibilidade de seu pleno desenvolvimento e saúde. Foi por isso que soou tão crível uma brincadeira que circulou na internet anos atrás, dando conta de que um japonês havia criado um gato dentro de uma garrafa, nela colocado ainda recém-nascido e dentro dela tratado, recebendo alimentação, água e cuidados de higiene várias vezes ao dia, denotando perseverança e paciência, reconhecidos atributos da cultura japonesa. Gosto não se discute, e não gosto de bonsai. Se é algo maravilhoso ver um bonsai natural, na natureza, árvores que conseguem sobreviver em cima de penhascos, de rocha quase pura, outra coisa é privar intencionalmente qualquer ser vivo inofensivo de seu pleno desenvolvimento, só para tê-lo como adorno de um jardim ou de um apartamento. Justifico o emprego da palavra "inofensivo": não tenho nenhum problema de consciência quando trucido larvas de mosquitos aedes aegypti, para não ter que caçá-los quando jovens ou adultos. É que eles são um perigo, para mim e para a comunidade.

Gosto não se discute. Disseminou-se a praga do "tchac-tchac" na música popular contemporânea, ao ponto de qualquer artista saber que, se quiser vender discos aos montes, precisará incorporar algum tipo de percussão persistente -- a tal bateria -- como acompanhamento. A bateria, que costuma ser indispensável no rock, é perfeitamente dispensável quando se trata de músicas do tipo que compõe e canta a Ceumar. Se, de um lado, é bem verdade que o acompanhamento de violões, violas, cavaquinho e outras cordas, bem como de madeiras e metais, pode, eventualmente, enriquecer uma ou outra música, de outro lado, em geral, basta o acompanhamento de um solitário violão para garantir o esplendor de uma música interpretada pela Ceumar.

A Virada Cultural Paulista brindou a cidade de Assis com vários shows e um imperdível espetáculo de dança, do Balé Stagium. mas a programação daqui não incluiu a Ceumar. Ela foi para Presidente Prudente, para apresentar-se no Teatro César Cava, na tarde do domingo. Era também imperdível e fomos para lá. Teatro lotado, Ceumar em estado puro, só ela e seu violão, suas músicas e as que fez em parceria com o baixinho Chico César, Zeca Baleiro e outros. Um amplo domínio do palco, um oposto do bonsai, a mineira de Itanhandu, delicada e gigante ao mesmo tempo, encantou e emocionou uma platéia que, de tão à vontade, cantou junto com ela várias das músicas dos três discos que Ceumar já gravou.

Voltamos um tanto extasiados. A Elka soube colocar em versos.

Curiosamente, Ceumar, por estar acompanhada só de seu violão e (à guisa de chocalho) uma pulseira de contas, pediu desculpas ao público, por não estar acompanhada de um conjunto de músicos. Gosto não se discute, mas, só para reafirmar, ainda bem que aconteceu assim, porque pudemos apreciá-la em estado puro, no melhor estilo banquinho e violão, sem nenhum incômodo "tchac-tchac".

7 comentários:

Anônimo disse...

Delícia como você tem falado de suas reflexões/posicionamentos, de forma fluida, e articulando-os com a proposta de seu blogue de maneira que eu jamais imaginaria.
beijo e continue assim, gostosamente! :o)

Anônimo disse...

élcio!o disco estava cotado a se chamar PURA...rs...mas como nem sou tão pura, ainda não me decidi.
estou em processo de descoberta desta solitude ( agora com as minha canções). Adoro fazer show solo ,é sempre uma viagem onde tudo pode acontecer.Em Presidente o público era afetuoso, cantava junto, e isto me liberta! bom que vc gostou e postou, tb tenho um Blog : ceumar.active24blog.com
beijossssssssssssss

Anônimo disse...

Voz de anjo em estado puro em pedra buta

Anônimo disse...

Delicada e gigante ao mesmo tempo. Foi justamente essa a sensação q tive qdo fui vê-la no teatro Fecap, aqui em São Paulo. Um palco muito bem montado e uma gravação, na voz dela mesma, q nos esclarecia seu nome, precederam a entrada da gigante. Enorme, tomando conta do palco todo. Enorme sem nem ter soltado um único acorde. Isso feito, em música para Wilmar, uma das partes de seu então explicado nome, um arrepio em toda a espinha, os cabelos ouriçados e uma lágrima a encontrar o cantinho da boca, q não contia o sorriso. E a voz, ahhh!, a voz!
É, Élcio, acho q a mineirinha arrebatou a família inteira!!!!!!


p.s.: a despeito de seu desgosto pelo "tchac tchac", não podemos deixar de reconhecer a importância de sua participação na música e, fundamentalmente, no rock'n roll, né? Afinal, os Beatles não seriam o "Fab Four" sem Ringo Starr. rs.

Um beijo carinhoso.

Elka Waideman disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Elka Waideman disse...

ah Elcio!
assim vc me mata... rs
muito bonito esse sentimento todo. não só por ser Ceumar, que é um carinho para o ouvido dessa família. mas por ser vc assim tão puro tbm.
tenho te visto cada dia mais puro nos seus sentimentos escritos.
quando escreve nos blogs daqui ou acolá, quando nos falamos no telefone e quando, juntos, vamos apreciar a arte e a ciência que te sinto tão orgulhoso por eu estar aprendendo. e tudo isso me faz feliz demais!
quantas lágrimas de emoção e alegria têm rolado nesses blogs, em?!

beijos, besos, bacio.

obs. a outra postagem removi por um erro grosseiro de português... hihi

Elcio Machado disse...

Marlene, Ceumar, Anônimo, Elka: permitam-me que agradeça num único post: obrigado por comentarem. Este, todos já perceberam, é um blogue atrasado, mas aos trancos e barrancos alguma coisa sai.
Você tem razão, Marlene, são sim reflexões e posicionamentos, talvez mais destes últimos do que das primeiras, porque me fica a sensação de não conseguir justificar adequadamente o que falo. Por exemplo, no contexto, talvez tenha ficado duvidosa a referência ao Chico César como "baixinho". Talvez valesse a pena explicar que vi o Chico ao vivo,pela primeira vez, junto com a Elka, em Botucatu (você estava cansadíssima e nem se animou em sair, lembra?), num show dividido em duas nítidas partes: a entrada triunfal, com estrepolias de instrumentos, voz e palco, e a segunda, que privilegiou composições de sua autoria. Foi na primeira parte que percebi que o Chico é baixinho de corpo,um bocado tímido e que consegue se superar, impor-se. Mas com esforço, e ele próprio, com humildade, reconheceu que é melhor compositor do que intérprete.
Fico feliz, Ceumar, que tenha cogitado de mencionar pureza no disco, porque é o que sua arte evoca. E, anotou o anônimo, é voz de anjo sim, tanto quanto é, para mim, a voz da Teresa Salgueiro. São vozes que têm o dom de enlevar.
Ah, Carol, o domínio de palco foi a primeira coisa que a Marlene notou, do jeitinho que você descreveu. E, sim, arrebatou a família inteira. O show de Prudente nos permitiu juntar o som dos CDs à pessoa, consolidando a percepção do artista e sua obra. Você tem razão quanto aos Beatles. E, ainda assim, se há bateria, nem a percebo em, por exemplo, "Eleanor Rigby", ou "Lonely people", não sei direito o nome da música. Convenhamos que a rapaziada de Liverpool era uma usina de criação, e consta que o Ringo deu uns pitacos na letra dessa música. Mas concordo: Beatles não seriam o que foram sem o Ringo e sua bateria.
Elka, você me emociona! Nessas horas fico sem palavras, só saudades. Beijos, besos, bacio :`o*
Beijos