segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ubatuba exibe folclore e cultura caiçara

Depois de muito tempo relegado ao ostracismo, no que não difere dos milhares de blogs, estes Exercícios de Cidadania estão de volta. Mas com novo foco: não mais Assis (SP), e sim, agora, Ubatuba (SP), sem se desviar de sua proposta, a de ser um ponto de vista do cidadão comum e um espaço para opiniões, onde o leitor esteja à vontade para comentar. Ou para responder, em nova postagem.


Neste retorno, o exercício da cidadania de se aproveitar de um espaço público para ficar embevecido com a surpreendente vitalidade da cultura popular: o Sobradão do Porto.

Boi de Conchas

Em Ubatuba (SP), o pequeno auditório da Fundart, no Sobradão do Porto, sábado, dia 19 de setembro de 2009, foi o palco para o lançamento de "O Auto do Boi de Conchas", pelo Grupo Folclórico Alegórico O Guaruçá. Trata-se de um fascículo de primorosa realização gráfica, que inclui um SMD grátis, ao preço de R$ 6,00. O Grupo, sob a direção de Julinho Mendes, optou por contar uma breve história de suas realizações, antes de apresentar parte do conteúdo musical e visual do Auto, texto do próprio Julinho, que fala sobre nascimento, vida, morte e ressurreição do Boi de Conchas. Pouco mais de 120 pessoas presentes, grande parte familiares e fiéis admiradores do trabalho do Grupo O Guaruçá, o pequeno auditório ficou lotado, propiciando uma interação imediata entre os músicos, cantores, atores brincantes e folcloristas de um lado, e a entusiasmada plateia de outro. O ambiente era favorável, decorado com alegorias, estandartes e motivos que contavam um pouco da história das formas de expressão de O Guaruçá -- cujo nome deriva da revista eletrônica homônima, no site www.ubaweb.com --, como Bloco Carnavalesco, Folia de Reis, as alegorias para a Festa do Divino Espírito Santo, e, especialmente, o Grupo Folclórico embasado na cultura caiçara -- e caiçara é o povo do mar, gente da serra é caipira. No entanto, como a cultura popular não tem fronteiras rígidas, o próprio Auto do Boi de Conchas é a integração entre essas gentes, a lenda do boi que, nascido no alto da serra, conheceu o mar, onde morreu e, ressureto, é visão para quem toca ou canta na beira da praia.

A introdução histórica do grupo se deu através de um seleto resumo musical e visual dos cinco anos de sua existência, a partir do movimento Pirão Geral de 2003. O trabalho musical apresentado foi primoroso, revelando maturidade e um acurado cuidado com os arranjos, com especial destaque para o emprego da percussão e do coral de vozes femininas, cuja harmonia e impecável senso de integração ao espetáculo demonstram cuidado técnico que não se alcança do dia para a noite. Os atores brincantes, do idoso Ferrinho à menina Maria Fernanda, fizeram composição, com suas alegorias, volteios e expressões, com o todo musical em palco, revelando a essência da proposta folclórica do Grupo.

A linguagem, como diz a própria descrição no fascículo, é contemporânea. A cultura popular não é estática, imóvel, com cheiro de mofo de museu tradicional. É ágil, viva, dinâmica, como o cheiro acanelado das folhas espalhadas no pequeno auditório. A par da pureza e ingenuidade das lendas, está um criterioso trabalho artístico que certamente consumiu horas de pesquisa, ensaio, confecção das alegorias, mas, principalmente, uma visão lúcida dos objetivos e dos caminhos a seguir. O todo integra a tradição oral, muito frágil e que somente sobrevive da voz do avô para os ouvidos do neto, à percuciente observação do que ainda é resgatável e aquilo que integra o novo da cultura. O próprio ratambufe, apresentado no espetáculo, criação caiçara recente -- se considerarmos que a história de Ubatuba remonta ao descobrimento do Brasil pelos europeus --, mostra essa dinâmica.

As lendas retratadas pelo Grupo, entre as quais a metade dragão, metade serpente da Gruta que Chora, fazem contraponto ao contemporâneo, à redescoberta de Ubatuba como a terra dos pássaros, observáveis e fotografáveis, à nova e lendária realidade do tangará-saltador, ave-símbolo da cidade e que, na expressão de O Guaruçá, é um pássaro abençoado: quem o vê e ouve é tomado por uma alegria contagiante, irreprimível!

O que disso resulta de importante não é só para agora, o deleite acessível hoje a partir dos espetáculos e do SMD de O Guaruçá. É, certamente, referência e fonte de pesquisa, perenizada em meio digital, para as gerações imediatamente futuras, e aquelas futuras de longo prazo, que nossa escassa sobrevida só permite imaginar. Ao retratar, reproduzir e preservar a cultura caiçara, o grupo O Guaruçá está, ele próprio, produzindo cultura e fazendo a história do povo caiçara.

O Grupo Folclórico Alegórico O Guaruçá tem endereço na internet. É necessário ter uma conexão de internet rápida (coisa rara na própria Ubatuba,. onde os excluídos digitais abundam), mas vale a pena conferir e ouvir as faixas de O Auto do Boi de Conchas, disponível em    http://www.oguaruca.com/
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