O Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, realizou nesta quinta-feira, 20, em Caraguatatuba, a apresentação dos resultados para o Litoral Norte de seu Diagnóstico Regional Urbano Socioambiental Participativo, realizado em 13 cidades do litoral paulista (Baixada Santista e Litoral Norte) pelo Projeto Litoral Sustentável - Desenvolvimento com Inclusão Social. Trata-se de projeto patrocinado pela Petrobras. As plenárias do evento foram transmitidas pela internet.
Segundo o coordenador do projeto, Nelson Saule, a elaboração do diagnóstico foi precedida de consultas públicas às comunidades da região, que, reconheceu, temem ser excluídas do ciclo de desenvolvimento previsto para o Litoral. Disse que a próxima fase será a elaboração de projeto. Citou exemplos, entre eles como aumentar a renda das pessoas e as receitas tributárias, como articular a vocação natural para o turismo com atividades econômicas já consolidadas, como as portuárias e de exploração de petróleo e gás, bem como com outros investimentos previstos especialmente no Litoral Norte - que tem vastas áreas ambientalmente protegidas -, tudo sob uma perspectiva de desenvolvimento regional sustentável.
Para Saule, um dos desafios é o trabalho integrado com entidades responsáveis por políticas públicas: os programas já existem, mas é necessário ter ações conjuntas e articuladas, para a gestão do planejamento regional.
Foram constituídos diversos grupos temáticos, dos quais participaram representantes de prefeituras e dos prefeitos eleitos, integrantes de ONGs e de comunidades.
A maioria das intervenções, ao final da plenária da manhã, foi de representantes de Ubatuba. O empresário Ulysses Miguez contestou um dos itens do diagnóstico, referente à necessidade incremento do turismo hoteleiro em oposição à elevada densidade da segunda residência, que não gera empregos formais e resulta numa acentuada divisão entre ricos e pobres. Comparou com São Paulo, onde o trabalhador nas atividades de indústria, comércio ou serviços "trabalha no shopping, mas vai morar na sua favela, muito pior do que quem mora em Ubatuba".
Dividiu o turismo tanto de hotel como de segunda residência em dois tipos, o de alto luxo e o popular: "o turismo de hotel popular traz pobreza, e a segunda residência popular também não traz grande riqueza".
Segundo ele, não adianta direcionar o uso de áreas potenciais de turismo para hotelaria pois "Ubatuba vai ter mais quartos de hotel do que Paris, Nova Iorque e Los Angeles juntos" e simplesmente não há potencial para sua ocupação. Considerou a possibilidade do uso da segunda residência, como negócio, mesclado com hotel, numa solução do tipo que São Paulo encontrou, o flat, gerando empregos estáveis o ano todo. Miguez considera que a segunda residência, nesse caso, precisaria ter a exigência de serviços integrados.
O empresário Alfonso Tarallo, que participou ativamente da campanha de Maurício Moromizato a prefeito, identificou três vilões da situação atual no Litoral Norte. O primeiro deles, a especulação, especialmente a imobiliária, mas também a comercial. Segundo Tarallo, a especulação imobiliária está ocupando solo que poderia ser utilizado de outra forma, ambientalmente correta. Discordou quanto ao uso da segunda casa, que, para ele, resulta em sazonalidade. Acha que "devemos apostar mais em hotéis, pousadas, camping" porque traz turismo e traz propaganda.
Outro vilão que identificou é a Sabesp, "que cobra caríssimo, faz projetos centralizados que custam muito e têm elevado custo de manutenção, tudo feito de forma que a Sabesp tenha máximo lucro". A empresa não dá espaço às exigências sociais para saneamento. Afirmou que há projetos de baixíssimo custo, que podem ser regionalizados. Citou exemplo na Europa, de correntes de depuração de água com o uso de plantas.
O terceiro vilão, afirmou, é o poder público, "que tanto fala no social", mas que garantiu o desenvolvimento desordenado e anárquico, e deu espaço para a especulação. Citou que 77% da população do LN vivem situação econômica péssima - 50% com emprego informal e 17% com renda abaixo de um salário mínimo. O poder público, disse, tem que dar muito mais espaço a uma participação democrática real. Criar conselhos e não deixá-los funcionar e decidir, é como não fazer nada. Disse que se o poder de decisão ficar só no poder político concentrado na administração, sempre serão atendidos os interesses particulares.
Membro do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Ubatuba, Rui Grilo disse da dificuldade de trabalhar com adolescentes, porque não têm perspectivas aqui e sonham mudar para grandes centros. Afirmou que não há destaque para esse segmento nos grupos temáticos do evento, e que o tema deve merecer maior atenção do Instituto Pólis.
Maurici Romeu da Silva, presidente licenciado da Colônia de Pescadores de Ubatuba e já indicado secretário de Abastecimento, Pesca e Agricultura na próxima administração municipal, falou sobre a necessidade de o município gerir seu próprio território. Em vista de diversas legislações sobre a ocupação do solo, disse, até mesmo preceitos constitucionais não são respeitados. Citou que a gestão das áreas ambientais de amortecimento também ficam a cargo das Unidades de Conservação, o que resulta em pouco espaço para o município administrar as demandas locais. "A gente convive agora com uma realidade que são as ordens de demolição de várias casas, que estão inseridas em áreas de amortecimento ou em unidades de conservação, e se trata de comunidades que estão ali secularmente falando", disse. Acrescentou que o município não tem política de habitação porque não tem área para isso. "E agora vem o Ministério Público e diz: vamos demolir, em plena temporada, Natal, ano novo". Com isso, afirmou, o Litoral Norte poderá se tornar "mais um Pinheirinho", referindo-se à remoção, por força policial, de ocupantes de uma área em São José dos Campos. Maurici conclamou o Instituto Pólis a trazer o Ministério Público para essas discussões, pois "é inconcebível que comunidades tradicionais caiçaras sejam tratadas como bandidos."
Ana Maria Borges de Olinda mora há dois anos em Ubatuba e é coordenadora da ONG Caetê Ecolazer. Disse que viu no diagnóstico produzido pelo Instituto Pólis uma atualização do diagnóstico de 2006 da Agenda 21, do qual participou. Lembrou que há mais de dez anos ONGs, Sebrae, outras instituições e, principalmente a Agenda 21, trabalham com os conceitos de desenvolvimento sustentável, turismo sustentável e de geração de renda no Litoral Norte. "Não tem muito como inventar. É interessante ver como nada mudou, os processos estão acontecendo há seis, oito anos. A gente dizia a Petrobras vai chegar, o porto vai ser ampliado. A Petrobras chegou e o porto está sendo ampliado", disse. Mencionou que há cinco anos a preocupação era o crescimento populacional, que já estava acontecendo, e que outros problemas estão já agravados, como o do trânsito.
Ana Maria disse que morou em São Sebastião e Ilhabela, trabalhou em Caraguá, e está há dois anos em Ubatuba. "É tudo igual, nada é diferente. É a avenida Paulista na rua da praia, e a periferia pobre em Maresias, Baleia, Vila Baiana, em Ubatuba tem uma lista grande, Ipiranguinha etc." Complementou: "O padrão não muda. É viagem a gente ficar pensando que vai mudar o padrão. O padrão é do sistema capitalista, que é o de manter o patrimônio para uns poucos, e para os pobres, a grande maioria, é a falta de esgoto, falta de água, falta de educação, falta de saúde, falta de tudo."
Lembrou que, nestes últimos anos, foram "três ou quatro trocas de governos municipais, e duas de governo estadual, mas o modelo está sempre se repetindo". Lembrou que, em 2005, todos os prefeitos assinaram compromisso com o desenvolvimento sustentável, "nós estamos em 2012 e nada mudou. Tudo continua acontecendo como... Pior. Porque agora a gente está vendo as coisas acontecendo, o trânsito está ruim, faltam vagas nas escolas etc." Afirmou que, com mobilização, é possível conseguir mudanças pontuais, "alguns momentos de vitória". Citou a mudança no projeto de ampliação do porto de São Sebastião, onde o mangue do Araçá ia ser aterrado.
Lamentou que a "infinidade de institutos, e formadores de opinião mobilizando a comunidade" não tenham resultado em ações consistentes e sustentadas.
Postura draconiana
O coordenador do evento, Nelson Saule, adotou postura draconiana, quanto ao tempo destinado às intervenções dos presentes, ao final da plenária da manhã, que definiu em três minutos. Em algumas oportunidades, interrompeu os oradores, sob o argumento de que, nos grupos temáticos (não transmitidos pela internet) poderiam se expressar mais alongadamente. Passou a impressão de que a devolutiva do diagnóstico do LN era apenas para o Pólis falar, cabendo aos demais participantes apenas ouvir ou fazer intervenções brevíssimas. Esse tipo de postura, de tom burocrático, não favorece a ideia de que o projeto que será gestado se preocupa genuinamente com as comunidades. É conveniente lembrar que o patrocinador é a Petrobras, frequentemente questionada sobre os impactos de suas operações no Litoral Norte.
Especulação cultural
Não conheço Alfonso Tarallo pessoalmente, ainda falta o olho no olho que ele mencionou (e concordei) no fechado grupo do Facebook do "Povo da Cultura". Conselhos (e também Comissões) devem ser efetivamente dotados de instrumentos para garantir democracia real, como disse Alfonso, para que decisões não fiquem centralizadas somente na administração, que de vez em quando atende interesses apenas particulares.
Mas há um risco, que é o da apropriação, pelos Conselhos, de práticas não democráticas e de políticas públicas orientadas para interesses particulares. É difícil entender, por exemplo, como um município com tamanha carência nas áreas da saúde e da educação, com as quais tem obrigação constitucional, use recursos da educação para erigir um teatro, escondido sob o nome oficial de Centro do Professorado. O mercado cultural é promissor, em Ubatuba, razão suficiente para que a iniciativa privada se entusiasme com o potencial nicho e o explore com recursos próprios. Teatro, em tempos atuais, não parece ser prioridade para a imensa maioria da população cujo programa mais cultural a que tem acesso é a novela de televisão. Fica a impressão de que foi um imenso, um enorme pires passado para obter recursos do poder público.
- texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 21/12/2012.
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