Um dos declarados 15 mil panfletos com propaganda eleitoral de cinco candidatos do PT, destinados especificamente ao nosso município (“Compromisso com Ubatuba”), que inclui o candidato a deputado estadual Marco Aurélio de Souza, veio parar aqui em casa, no pé do Funhanhado. O panfleto, em papel não reciclado, a cinco cores, afirma que o parlamentar, que disputa reeleição, é Cidadão Ubatubense. É verdade. Foi agraciado com o título pela unanimidade dos vereadores presentes à sessão da Câmara Municipal realizada em 17 de setembro de 2013, projeto de decreto legislativo 9/13 de autoria do vereador Manuel Marques, do PT, mesmo partido do parlamentar.
O cidadão ubatubense tem sua candidatura questionada pelo Ministério Público Eleitoral com base na Lei de Inelegibilidades, de 1990, com as modificações introduzidas pela lei da Ficha Limpa (junho de 2010). Notícia antiga, de um mês atrás. Diz Julio Codazzi, no portal do jornal O Vale, de São José dos Campos, que “Marco Aurélio foi enquadrado pela PRE (Procuradoria Regional Eleitoral) na Lei da Ficha Limpa porque teve contas rejeitadas pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) em 2001 e 2006, quando era prefeito de Jacareí”. E que, em “nota enviada pela assessoria de imprensa, o deputado informou que irá recorrer para (sic) o TSE e alegou que o TRE está 'excessivamente rigoroso'”. Continua: “Segundo o petista, a condenação tem relação com o Consórcio Três Rios, entidade que tinha ligação com diversas cidades – entre elas Jacareí – e que era presidida nesses anos pelo então prefeito. O deputado disse que o erro foi cometido pelo então gerente administrativo da entidade e que, em 2010, a Justiça Eleitoral também analisou essa questão e deferiu sua candidatura.” Conclui: “O petista alegou ainda que 'confia na reversão da decisão, pois sempre pautou suas ações pelo rigor legal, ético e moral'”.
Agora é notícia mais nova. O Tribunal Superior Eleitoral acaba de proferir decisão contrária ao candidato, a despeito de estarem a seu serviço, no Recurso Ordinário Nº 72569 que tramita no TSE, oito advogados, alguns de renome, a começar por Hélio Freitas de Carvalho da Silveira, que já atuou em assessoria jurídica a Marta Suplicy, Aloizio Mercadante e José Genoino, como noticia a internet. Outro é o advogado Marcelo Santiago Andrade, autor do livro jurídico “Ação de impugnação de mandato eletivo”. Outro ainda é o advogado especialista em Direito Eleitoral Fernando Gaspar Neisser. Ao menos do ponto de vista da qualidade dos patronos da causa, está amplamente assegurado o amplo direito de defesa preconizado pelo Estado Democrático de Direito. Contudo, a ministra do TSE Maria Thereza de Assis Moura negou seguimento ao recurso. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site do TSE, Acompanhamento Processual da Justiça Eleitoral – TSE e Push. É necessário ter (ou fazer) cadastro, gratuito.
Claro, e por causa desse tão amplo direito de defesa, cabem recursos, muitos, todos e mais alguns, antes do manto dourado da coisa julgada, o trânsito em julgado, coisa para as calendas gregas. Até que sejam julgados todos esses recursos, seguirá candidato, caso eleito será diplomado e, diplomado, tomará posse.
A lei? Ora, a lei. Nas eleições de 2010 não vigorava a Lei da Ficha Limpa. Então, se, conforme a nota do parlamentar, “a Justiça Eleitoral também analisou essa questão e deferiu sua candidatura”, o contexto agora é outro. Não é mais necessário o manto dourado da coisa julgada, do trânsito em julgado. Basta decisão proferida por um colegiado (judicial ou administrativo). Se judicial, que contenha reconhecimento, cumulativo, de requisitos, entre os quais de dano ao erário, de enriquecimento ilícito, de dolo na conduta. Mas persiste, é claro, no mais retrógrado dos Poderes da República, o mecanismo protelatório dos recursos sucessivos.
Ética e Moral
A ética é uma reflexão sobre a moral, uma sistematização científica do conhecimento, que admite teorias. A moral está mais na base, na relação direta do indivíduo com as práticas do dia-a-dia.
Diz o parlamentar, em nota, que “sempre pautou suas ações pelo rigor legal, ético e moral”. Ele é membro efetivo do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Rigor legal não necessariamente, tanto que contas de sua responsabilidade foram rejeitadas por questões legais. Além do mais, nem tudo o que é lícito é honesto, uma das bases do princípio da moralidade administrativa.
Ex-prefeito de Jacareí e aliado do atual prefeito de Ubatuba, Maurício Moromizato, Marco Aurélio manteve o odontólogo como seu “assessor parlamentar” de desde o primeiro semestre de 2011 a fevereiro 2012. O próprio site do deputado registra a fala de Moromizato: “Eu me senti muito feliz e honrado em ter ajudado o mandato do deputado Marco Aurélio, que exerce a política com ética e muito empenho e com quem eu aprendi bastante”. Não achei no portal da “transparência” da Alesp os salários pagos aos assessores parlamentares, mas assumo, de memória das notícias da época, que era algo ao redor de uns quatro mil reais por mês. Essa passagem rendeu a Moromizato incômodos apelidos, pela associação à figura do funcionário fantasma, que recebe salário mas nunca é visto no local de trabalho. Quando se trata de funcionário público, a associação é com o que esta revista, jocosamente, chama de “tetas do pudê”.
Pessoalmente, acho, penso, tenho o direito de pensar, que a questão é mais prosaica. Profissional de sucesso, consultório odontológico cheio, não precisaria de $ extra por ser assessor de p.n. de um deputado. Mas havia um diretório de partido a sustentar, aluguel, contas de telefone, água, luz... Para mim, penso, tenho esse direito, não é moralmente defensável receber proventos sem comprovar (nem exatamente o trabalho, mas o tempo dedicado a ele) por jornada de trabalho que aqueles sujeitos ao ponto, mecânico ou eletrônico, precisam cumprir religiosamente, sob pena de descontos e, até, da configuração de falta grave. Mas a sede da moral é o indivíduo, e o que é imoral para mim pode não ser para todos os demais membros da humanidade. Ou vice-versa. No entanto, ilegal realmente não é.
O que nos leva à questão do rigor. O rigor ético é de caráter científico, com suas várias instâncias e métodos de comprovação e demonstração. O rigor moral é de outra ordem, sabe que nem tudo o que é legal é moralmente defensável. E há o rigor da lei e dos tribunais. Quando a nota do parlamentar diz que o TRE está “excessivamente rigoroso”, quer dizer o quê? Dirá agora que o TSE também usa o rigor em excesso? Rigor admite o tempero da adjetivação “mais” ou “menos”, lembrando que a nota do parlamentar fala que ele se pauta apenas pelo rigor?
O outro lado
Tentei falar com o deputado Marco Aurélio, mas o máximo a que cheguei foi falar com sua assessora de imprensa, que alegou dificuldades de agenda do candidato e limitou-se a enviar uma nota. Tentei também falar com o prefeito Moromizato, há tempos inacessível, sem sucesso.
O que mesmo?
“... com quem eu aprendi bastante”.
“... com quem eu aprendi bastante”.
*Texto originalmente publicado na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 02/10/2014
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