Disse José Ronaldo dos Santos
que a praia do Perequê-Mirim era uma “boa praia até meados da década de
1980”. Comento isso, e advirto minha meia-dúzia de leitores: o texto é
longo, exaustivo.
Maurício Moromizato me ensinou, em um puxão de
orelha público, que, quando há bandeira vermelha da Cetesp, não é a
praia que está poluída, é a água do mar que está imprópria para o banho.
Mas, penso cá comigo, praia não é só a faixa de areia. É a faixa de
areia banhada por água. Se a água está poluída, a praia não está
hígida... De qualquer forma, no linguajar do povo e da mídia,
consagrou-se a expressão “praia poluída”. E a do Perequê-Mirim, nos
últimos anos, é a mais poluída de Ubatuba, mais ainda do que a
famigerada praia sul do Itaguá, que é apenas a mais famosa. Trata-se de
uma praia pequena, de águas mansas, no Saco do Perequê-Mirim, Enseada do
Flamengo. Não é praia para a agitação dos surfistas, calma e bucólica
que é. Se fosse de boa balneabilidade, seria ideal para famílias com
crianças e idosos, como já foi no passado. Até um pequeno quiosque
funcionava.
O que aconteceu com ela? Quais as causas? Foi vítima
da política nanica que persiste em Ubatuba, bem como o descaso daqueles
que elegemos como nossos representantes, estaduais e federais inclusos
mas, principalmente, os locais, prefeitos e vereadores – inclusos os
atuais. É nanica porque se baseia em disputas políticas menores por
poder, por não visar ao bem comum.
Desde logo, é necessário
registrar o falecimento do grandioso Programa Onda Limpa, do Governo de
São Paulo, do PSDB, com recursos estimados em R$ 500 milhões para os
CUIS do Litoral Norte (Caraguá, Ubatuba, Ilhabela e São Sebastião). As
obras seriam executadas com recursos próprios da Sabesp, da Jica Japan
International Cooperation Agency e do e BNDES. Outros R$ 1,4 bilhão
seriam destinados à Baixada Santista, entre Bertioga e Peruíbe, passando
por Santos-São Vicente-Cubatão-Praia Grande e todos os outros
municípios de lá. Os investimentos totais, desde 2007, hoje estariam a
beirar R$ 2,1 bilhões. Mas não foi o suficiente para melhorar a qualidade das praias.
Ninguém sabe, ninguém viu, a Sabesp parou de falar no assunto, mas
várias obras foram executadas na Baixada Santista e algumas poucas nos
CUIS. Até as placas sobre o programa, nas margens da rodovia Rio-Santos,
neste trecho chamada de rodovia Rodovia Doutor Manoel Hipólito do Rego,
apodreceram e desaparecem nos últimos cinco anos.
Se não faleceu,
ao menos teve uma síncope (delíquio, como diria Jânio Quadros) da qual
não se recuperou. Foram instaladas redes coletoras aqui no bairro, que
ligam nada a lugar nenhum. Depois de anos enterradas, sem qualquer uso
nem manutenção, se algum dia vierem a ser usadas precisarão ser
refeitas. Quando? O prefeito Maurício Moromizato disse que a Sabesp
tinha ido a ele, mas que ele ainda não tinha ido à Sabesp. Se foi,
esqueceu-se de contar, de usar sua assessoria formal e informal de
comunicação a serviço do bem comum, do povo – ah, a naniquice
política...
Sem coleta e tratamento decente de esgoto, não há como
ter onda limpa. Não tem como despoluir a praia – opa! despoluir a água
do mar que bate na praia.
Há um outro programa estadual que data
de 2007 e que também patina, por falta de recursos (parte viria do BID) e
falta de vontade política de enfrentar os donos das casas de alto
padrão existentes nas cotas altas dos morros, nas áreas de preservação
ambiental: o Programa Serra do Mar, que pretendia reassentar famílias
moradoras de áreas do parque da Serra do Mar, inclusive nos CUIS.
Deveria ter sido concluído em 2013. Enquanto isso, a ocupação nas cotas
altas dos sertões (são três) do Perequê-Mirim continua e prospera.
José Ronaldo dos Santos
Já citei José Ronaldo dos Santos várias vezes neste espaço democrático que é O Guaruçá. Em 2011, março ainda, falei que há pessoas em Ubatuba
que não conheço pessoalmente, mas gostaria de conhecer. José Ronaldo é
uma delas, e reitero: gostaria de ter esse prazer. Talvez num singelo
café da manhã aqui no nosso Cantinho, com um visual bonito e, quem sabe,
com uma sinfonia estridente. Dalgas Frish, um estudioso sem títulos
acadêmicos, jura que são os machos, mas os caiçaras antigos daqui dizem
que tanto macho como fêmea ensinam o canto tribal aos filhotes. Fato é
que a sinfonia estridente dos sabiás e das sabiás vai desde a madrugada
até bem depois que o sol nasce.
Neste final de madrugada de
terça-feira, Marlene acordou irritada (de mentirinha) por causa do
privilegiado gogó de um (ou uma) sabiá cantando bem pertinho da janela
do quarto. Sabiás e outras umas quarenta espécies de pássaros, muitas
das quais fotografadas aqui pela Marlene,
uns 60 ou 90 ou mais indivíduos, é impossível saber, são um encanto à
parte neste nosso Cantinho. Que está à venda (com a Marlene, que também
tem um apartamento para alugar
nas temporadas). Seguimos curtindo enquanto podemos. Mas a falta de
assistência médica (e somos dois velhos com problemas específicos que o
precaríssimo sistema de saúde de Ubatuba não dá conta de atender) nos
obriga a abandonar Ubatuba, um paraíso ainda a construir.
Reclamões
Os políticos daqui não são chorões. Talvez mamem, e muito, mas não em benefício do povo.
Estamos
aqui, no pé do Funhanhado, na época dos reclamões. E, como quem não
chora não mama, quem pia mais ganha mais comida. Os reclamões são os
filhotes de saíras, tiês, sabiás, sanhaços e de várias outras espécies.
Trata-se da fase em que os pais levam os filhotes até os comedouros –
temos alguns, aqui no nosso Cantinho, abastecidos com muitas bananas,
alguns mamões e poucas laranjas, seguindo a ordem de preferência de
nossos emplumados e barulhentos visitantes. Só que os bandidinhos ainda
querem comida no biquinho, serão vários dias até que percebam que não
precisam dos pais para bicarem eles próprios as frutas disponíveis.
O
Perequê-Mirim – e, de resto, Ubatuba – não é um reclamão. Aceita o
descaso municipal, estadual e federal com mineira resignação. Aceita o
descaso de condomínios que esvaziam suas fossas poluindo a praia – opa! o
mar, não a praia – pela rota pedestre citada pelo José Ronaldo. Esse
povo dos condomínios não é bobinho. Faz a descarga do esgoto em alguns
finais de semana, no final da tarde, na troca de turno da PM Ambiental.
Já reclamei, denunciei, mas... O esgoto, de cheiro pútrido, continua
correndo a céu aberto pela rota terrestre Caminhos de Anchieta, citada
pelo José Ronaldo, até atingir a praia e o mar pelo pequeno córrego na
ponta norte da praia.
Queijo com banana verde
O
Julinho, tenho certeza, gosta dos mineiros, mas não se sente
confortável quando mostram tendência de não respeitar a cultura caiçara.
Registrou em belo texto
a indignação do pai dele com coletores de mariscos que, calçando botas
sete-léguas, usavam enxadas como ferramentas numa das muitas e belas
costeiras do nosso litoral, que citei em outubro de 2010.
Nada contra os mineiros, nada mesmo. Gosto muito deles, antes de virmos para cá cogitávamos em nos mudar para a região da Canastra,
a terra dos sonhos. Mas aqui em Ubatuba já temos o suficiente, não
podemos abrigar mais. É que Ubatuba precisa se desenvolver, mas não pode
crescer. Cada mineira que vem para cá em pouco tempo forma família e
passa a ter um herdeiro. Dois, três, uma grande capacidade de gerar
lindos bebês saudáveis. Mas que isso não vire preconceito nem xenofobia.
Não são só mineiros que aportam aqui, eu mesmo sou um caipira do
interior de São Paulo. E boa parte não apenas do crescimento mas também
do desenvolvimento de Ubatuba é mérito de mineiros trabalhadores e
empreendedores. Quando o Perequê-Mirim era ainda mais carente de quase
tudo, o mineiro Tio Elias abriu um mercadinho e instituiu a caderneta de
fiado, que quando cheguei aqui a mim negou. É que eram tempos incertos,
estava para ser inaugurado um grande supermercado de uma rede com sede
em São José dos Campos. Continuo sem a caderneta, o supermercado se
consolidou e o mercadinho do Tio Elias, hoje gerido por seus filhos,
continua firme e forte, progredindo. Não tem muita variedade, mas tem o
básico (e um pequeno açougue muito melhor e mais limpo do que o do
grande concorrente). A caderneta, na verdade, não me faz falta, porque o
mercadinho aceita cartão de crédito.
O Perequê-Mirim já foi um
bairro de caiçaras, neles incluídos os oriundos de Tarba e que tão bem
absorveram a cultura local que são facilmente confundidos com os
nascidos nestas terras de Coaquira.
Ainda é um bairro
relativamente tranquilo, não se ouve falar de furtos, de homem batendo
em mulher, de estupro, nem mesmo de assédio em via pública. É
constrangedor reconhecer que, talvez, seja porque é um bairro que tem
dono que também não deixa o crack vicejar por aqui.
Cetesb
Sobre balneabilidade das praias.
Peço à minha meia dúzia de leitores (os que tiveram a paciência de
chegar até aqui), leitores, não se assustem. O site demora mesmo para
abrir. Se tiverem paciência, há no site links com as séries históricas,
que comprovam que a praia do Perequê-Mirim é mesmo a mais poluída de
Ubatuba.
* texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 25/08/2014.
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