sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Água, segredo de Estado em Ubatuba

A ordem do governador Geraldo Alckmin é de que só ele e o secretário de Saneamento e Recursos Hídricos, engenheiro Mauro Arce, podem falar sobre abastecimento de água.

Ante tão peremptória ordem, é difícil aos agentes públicos da gestão da água potável não sentirem muito receio de falar qualquer coisa sobre os sistemas que operam.

Pode ser que, afinal, o engenheiro José Bosco de Castro, superintendente da Sabesp nos CUIS do Litoral Norte, não tenha agido com descaso ou incompetência quanto a reconhecer e entender dados técnicos. É que um manto de segredo cobre a gestão da água no Estado de São Paulo.

Consegui, enfim, falar com o engenheiro Bosco, que estava de férias (outro segredo, ninguém tinha me informado disso) e que confirmou o teor da resposta. O espaço continua aberto à sua tréplica.

É um trocadilho ruim, mas em Ubatuba, na gestão da água potável, o que não podemos ter é crise de liquidez. Mal comparando, qualquer um que já tenha visto de perto o funcionamento do mercado financeiro ou acompanhado tendências da economia sabe que uma situação deficitária, quando se torna crônica, aponta para a morte econômica de qualquer pessoa, física ou jurídica, e mesmo de estados nacionais. E sabe também que quando a crise é de liquidez (a Argentina e seus calotes estão agora no foco da mídia) o caso é de morte súbita, mesmo que o patrimônio seja grande.

Funciona aproximadamente assim: mesmo que seja um fio de água, mas contínuo, vamos tocando, aqui em Ubatuba. Uma chuvinha por semana, mesmo que de uns poucos milímetros, vai nos garantindo, nosso consumo não é lá muito grande, e porque captamos água em cotas altas dos mananciais da Serra do Mar, com minúsculas barragens só para manter submersos os dutos de captação.

Grandes volumes de chuvas, ao contrário, são prejudiciais, porque sujam as barragenzinhas de captação, com risco de entupimento dos filtros diretos da estação de tratamento. Como a água fornecida precisa estar dentro de parâmetros específicos quanto à turbidez, a solução é fechar a estação de tratamento até que a sujeira (barro) em excesso escoe.

Parece que a Sabesp não quer ser mais flagrada de calças curtas (falei ligeiramente sobre isso, em 2013), pois quer licitar um sistema de floculação que amenizará muito o problema da sujeira na captação, evitando o fechamento total da estação de tratamento quando das grandes chuvas.
De qualquer forma, números, ah, os números, talvez só depois das eleições. Até lá, há que observar o fluxo que sai das torneiras e torcer para que os agentes públicos mantenham um mínimo de ombridade se a coisa ficar realmente feia. Por ora, só registrar que, de uns 80 mil habitantes de população fixa, temos uns 58 mil domicílios, dos quais uns 50 mil atendidos pela estatal da água. E registrar uma verdade: na temporada de verão passada, realmente veio um número enorme de turistas e não faltou água provida pela Sabesp nas torneiras.

Em algum momento, outro problema precisará ser enfrentado, o do uso dos mananciais. Especialmente na Maranduba. E, outro ainda, em todas as vastas áreas ainda carentes de coleta e tratamento de esgoto domiciliar, na Praia Grande, em quase todo o município e, especialmente, aqui, no pé do Funhanhado, no Perequê-Mirim, que tem a praia com os piores índices de balneabilidade de toda Ubatuba.

Autoritarismo de um picolé
O abastecimento de água é segredo de Estado, mas, na verdade, não é só em Ubatuba. É que governador Geraldo Alckmin, geraldamente apupado popularmente como picolé de chuchu (vide), desde que José Simão cunhou o mote, resolveu virar bicho e determinou que, sobre abastecimento de água, só podem falar ele próprio, Alckmin, e o secretário de Saneamento e Recursos Hídricos, engenheiro Mauro Arce (ex-presidente da CESP).

Mais: em plena campanha eleitoral pela reeleição, Alckmin agora resolveu assumir um perfil briguento, no melhor estilo dos regimes autoritários. E nada melhor do que eleger um inimigo externo, o que tende a unificar o público interno – leia-se, o eleitorado, acrescentando-se a exibição de uma face não democrática, que impede o livre fluxo da informação. Resolveu eleger como inimigo externo o Rio de Janeiro (e os órgãos federais reguladores das águas), para onde segue a água liberada pela represa do Jaguari. Criou factóide, a falsa imagem de uma disputa de água para consumo humano versus água para geração de energia, para desviar a atenção da mídia que estava concentrada na crise hídrica em São Paulo, com reflexos ferozes no sistema Cantareira e em muitos outros no interior do Estado, o que tem levado a um racionamento explícito em alguns casos, e disfarçado, como é o caso da Grande São Paulo. Vale lembrar que a crise em si não foi causada por Alckmin, mas sim por condições hidrometeorológicas adversas. O complicado é como o governador candidato lida com o tema.

A disputa é falsa porque, no caso presente, a reservação privilegiada para consumo humano em nada ajudará, neste exato momento, o abastecimento de São Paulo e, de qualquer forma, a energia gerada pela diferença de potencial hidráulico em nada altera o nobre destino final da água, que é para consumo humano (ou animal).

Também é falsa pelo outro lado, porque a água economizada no reservatório da usina Jaguari ficará lá, para ser usada cá ou lá, no Rio de Janeiro. Para usar cá, faltam obras de interligação entre sistemas de abastecimento. Para usar lá, só abrir as torneiras, digo, comportas das unidades geradoras de energia elétrica, quando efetivamente começar a faltar água potável para a baixada fluminense.

A palavra final será (ou deveria ser) da Agência Nacional de Águas, a dona Ana, que segue o figurino criado por FHC, aquele que gerou coisas como Anatel e Aneel – que, parece, só (mas há exceções honrosas) têm olhos para a saúde financeira de suas reguladas (quase escrevo apaniguadas), esquecendo-se do consumidor e seus direitos. Dona Ana tem medo de se meter em briga de cachorro grande e o problema, diz a mídia, talvez caia no colo de outra candidata, a Dilma, não a da Sabep, mas a do Planalto. 

Errei
Onde se lê “... geraldamente apupado popularmente como picolé de chuchu”, leia-se “... geralmente apupado popularmente como picolé de chuchu”.


* texto originalmente publicado na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 15/08/2014. 

Nenhum comentário: