Peço-te desculpas, Pinto Durão, pela demora em responder-te. Sinto-me desvanecido com tuas gentis e graciosas palavras, as quais agradeço. Hei de concordar contigo que algo cheira mal, e a bem podre, no reino das terras de Coaquira, podridão que atribuo à política local, que chamo de nanica. Também aceito que é comum vermos brandida a espada da justiça e da moral em meio a esse putrefato pano de fundo, mas não aceito incorrer em generalizações que, por sua especial natureza, são sempre perigosas. Nos fatos narrados, conhecidos e reconhecidos até mesmo aqui, no pé do morro do Funhanhado, a indevida interferência no processo eleitoral que deu origem a tudo isso aconteceu sim, como se fosse apenas mais um loteamento irregular, só que desta vez de cargos num Conselho de nobres funções.
Digo-as nobres, Durão, porque são funções que se destinam a proteger nossos bens mais preciosos, que são nossas crianças e adolescentes, depositários da esperança de um futuro melhor do que nosso lodacento presente, tal como manguezal degradado onde se salva apenas um ou outro siri. E ainda bem, convenhamos, ó Durão, que um desses siris é o nosso O Guaruçá, único periódico local que se presta a debate de ideias e veiculação de informações sem depender da chancela oficial dos ocupantes do Paço, seja ele o da presidência do Concelho ou seja ele o Anchieta. Que possibilita, pois sim, que respeitosamente nos estranhemos no que reciprocamente não concordamos, e nos coloquemos lado a lado, no que concordamos, tal como no título de sua pública epístola. Presente o respeito, nem tu, Pinto Durão, atrás de mim, nem eu, Machado, ao fim e ao cabo, mais afiado que espada, atrás de ti.
A leonina encíclica papal que citaste, Das Coisas Novas, prenunciou alguns evidentes exageros, como a tutela soviética sobre seus miúdos, que os levou mais para o coletivo laico (e mesmo ateu) do que para a família. Mas foi condescendente com o que, no seio da Europa central, aconteceu depois, quando a máquina nazista, querendo perpetuar uma raça que chamava de pura, perfilava mães como reprodutoras, e seus mais destacados espécimes machos para que gerassem rebentos de propriedade do governo. Quando essa mesma máquina cometeu o mais descarado genocídio, ceifando miúdos a granel, os guias espirituais mantiveram-se calados. Um é até candidato a santo. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: intervenção do Estado em questão de tal delicadeza, só se for em defesa das crianças e adolescentes, e nada mais.
Sabemos cá, Durão, nestas terras d´além-mar, do cuidado que tendes com vossos miúdos, especialmente na vossa terra de Viriato, terror romanorum. Ubatuba, com seus 700 km² e uns 80 mil habitantes, e Viseu, com seus 500 km² e uns 99 mil habitantes, têm profunda diferença: poucos são os imigrantes, nas terras portuguesas. Muitos os são aqui, vindos de vários Estados, com destaque para Minas Gerais. A falta de apego à terra, a luta pela sobrevivência, acabam muitas vezes por destruir laços e malhas sociais, com reflexos na constituição das famílias, problemas que, se os tendes aí, são mínimos.
Jamais serei tão ácido como o saramago que teima em nascer entre ruínas, nem de letras tão brilhantes como o Saramago que colocou o mundo lusófono no panteão do grande prêmio inventado pelos europeus inventores da dinamite. Mas guardo, de ambos, um pouco: da planta, o nascer e renascer nas ruínas históricas e recentes de Ubatuba. Do escritor, a negação a muitos dos valores professados por teus apreciados guias espirituais. Comunista declarado ele, de matriz socialista eu, por paradoxo apreciadores ambos duns escritos doutorais agostinianos, que do nascimento nos sabíamos (eu, por mera sorte, ainda sei, pois ele cometeu a impropriedade, a falta de educação, de ir-se) inter feces et urinam. Dessa condição igualitária do nascimento desdobram-se questões outras, como a dos cuidados com nossos miúdos. Cá, a pobreza, a desigualdade, o descaso, a deseducação, espancaram o valor família, a família como um ninho, pelo qual tanto se bate, em conceituação científica e humanitária, minha Marlene. Aí, do outro lado da poça atlântica, cultivam-se a educação e a mínima igualdade económica (falamos, é claro, do pós-salazarismo e da Comunidade Europeia).
Corremos cá o risco de, literalmente, assim viver, em meio a fezes e urina, como bem demonstrou o grande lusófono em sua alegoria que intitulou de ensaio, sobre a cegueira. É como vivem alguns de nossos miúdos, abandonados na escatologia do descaso, da miséria, da deseducação, da pobreza d´alma, seja o que for que isso - a alma - signifique. Cá, portanto, é necessário tutelar o básico, o direito à vida, de nossos miúdos, o que se tenta fazer com Conselhos institucionais, criados por já vintenário estatuto.
Adquirimos uns maus hábitos lusitanos, de criar nossos filhos a sopapos, pois nem nos tempos do grande Cunhambebe, nem inda hoje, no Xingu, os nativos daqui espancam crianças. O cauim não engendrava violências domésticas, como a cachaça logo aqui introduzida, quinhentistas tempos ainda. Redimiram-se os portugueses, inda que à custa de férrea vontade iluminista aliada ao porrete implacável do juiz da Comunidade Europeia, dos maus-tratos aos miúdos, trocando tamancas e cintos por lápis e educação.
Então, pois, é o que defendo, deve sim ter o Estado alguma prudente tutela sobre nossos miúdos, para protegê-los. E, por consequência, não usar essa tutela, os Conselhos Tutelares, para nanica, rasteira politicagem.
Não conheço tão profundamente a política da terra coaquira, pois, sabes, apregoo sempre, cheguei há pouco de fora. Não sei então dizer do agrado ou desagrado que tal ou qual vereador, eleito antecipadamente presidente, vice ou o que seja, cause nos que estão à frente do Poder Executivo daqui. Esses mistérios resolvem-se nunca, Durão, pois, sabes com certeza, adversários de ontem podem ser aliados de hoje e desafetos de amanhã. Ou, pelo outro lado, o adversário de hoje é o potencial aliado de amanhã, assim como o apaniguado de hoje pode ser amanhã o detrator. Durão, argumentavas a respeito da inclusão do prefeito no rol dos afastamentos. Pois, ora, veja o ocorrido, que corrobora meu olhar sobre a política destas terras, nanica, naniquinha: pôs-se o alcaide a desancar vereador de sua oposição: chamou-lho de cérebro de banana. É que o indigitado edil cobrou apurações sobre a participação do Executivo no tal processo eleitoral. Fato é que ao menos um secretário acabou também afastado de suas funções. Mas nada disso justifica tais destemperos.
Em tua pública missiva, fizeste-me curial e curiosa sugestão. Imaginas, ó Durão, se a aceito e adopto por sobrenome El-Cioaçu? Marota e dúbia grafia, pois em tempos de internet, desejasse eu criar um emeio com tais dizeres, ficaria assim: el-cioacu@. Citaste Curralinhos, que fica no Pará. Então conheces, certamente, Minas Gerais, Estado dos mais famosos do Brasil pela mineirice dos mineiros. Recorro então a meu amigo mineiro Bozzano e sua frase insuperável, no imperativo afirmativo: inclua-me fora dessa, pois.
Mas devo dizer palavra em defesa de Elciobebe, modelo criado, sim, por pândego famoso nestas terras, mas de maneira alguma me "soa a pândegos de casta inferior", pois seu autor não é ninguém menos que o Julinhobebe, que é muito gira. Pândego é sim, quando calha de o ser, mas jamais de casta inferior. É certo que Julinho vê o mundo com olhar superior, não só devido à sua elevada estatura, que assusta seus detratores, talvez devido a infantis temores com grandes bonecos, como os da pernambucana Olinda, mas também por sua pureza d’alma de artista, que o é. Mas sério e cidadão consciente também o é, quando necessário, e é sempre o caso quando se trata de defender a produção cultural nestas terras, de defender árvores e sacis e o exuberante meio-ambiente que ainda temos aqui, de denunciar as patranhas infelizmente corriqueiras no Concelho de Yperoig.
Não hei de acatar, pois, tua sugestão de rebatizar-me, e nisso não quero recuar nem me sentir acuado.
Por final, peço-te, perdoa-me pelos deslizes na Língua Portuguesa, especialmente nestes tempos bicudos de Acordo Ortográfico, um fado a acalentar, um fardo a suportar.
- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá,
em 09/08/2010
3 comentários:
Sinceramente, eu achei o blog uma porcaria. Quando a pessoa não é do ramo deveria dormir mais cedo. É isso aí seu bebe.
Só uma pergunta seu Helcio. O senhor faz o que? Além de beber é claro.
A beleza da democracia, e da internet, é a possibilidade da escolha, da opção. Não gostou? Não leia mais, não frequente o espaço virtual que não o agrada. Ninguém, ninguém mesmo, é obrigado, na internet, a ler o que não gosta.
Bem, há dois comentários, postados dia 28, às 8:12 e 8:15, assinados por "Anônimo". Creio ser um único, mas não vou conferir IP, essas coisas pequenas, nanicas, típicas de cidadezinha -- e não moro em cidadezinha.
Então, respondo ao único comentarista: meu nome é Elcio, sem "H", e o que faço aqui são exercícios de cidadania. O "bebe" de Elciobebe (é muito chato explicar piada) tem a ver com Cunhambebe e com o Julinhobebe (que não bebe), que cunhou o estilo "bebe" em programa radiofônico em Ubatuba. Não tem a ver com beber cachaça, álcool ou o que assemelhado seja.
Se, e foi usada a palavra "sinceramente", achou o blog uma porcaria, respeito sua sinceridade e sua opinião. Esteja à vontade para voltar aqui, ou para não voltar, seguindo seu sincero convencimento. De qualquer forma, acolho sua manifestação, mas dispenso sua recomendação quanto ao horário de dormir, porque não o reconheço como interlocutor válido para dizer o que (ou quando) devo ou não devo fazer.
Para não deixar passar atentados (à Língua Portuguesa), fosse eu a escrever, usaria melhor palavras e vírgulas, algo assim como "É isso aí, "Seu" Bebe". E "Além de beber, é claro".
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