Que pergunta, Carlota.
Ora, o que falta? Falta, primeiro, educação, educação de berço,
educação escolar, educação formal, escolas com professores bem pagos,
educação política para cobrar essas coisas, investimentos municipal,
estadual e federal em educação, royalties do pré-sal inclusos. Falta
muita coisa, mas falta principalmente vergonha na cara da enorme turma
que por oito anos fez e desfez e deixou a cidade como ela hoje está.
Faltou você perguntar para os candidatos em quem votou (será que você se
lembra em quem votou?), caso tenham sido eleitos, por que estavam
deixando acontecer esse descalabro. Faltou você (permita-me chamá-la
assim, falta pouquinho para que eu esteja isento de pagar a passagem do
ônibus) estrilar antes, quando essas coisas estavam acontecendo. Falta
cidadania, que foi o que você exerceu (e parabenizo-a) ao reclamar e
mostrar as mazelas daqui, coisa que pouca gente faz.
Falta saúde
em Ubatuba. Falta um hospital verdadeiramente hospital, não um centro de
despacho de pacientes em ambulâncias (há um esquema lucrativo privado
vicejando) com destino a hospitais melhores. Falta um Pronto Socorro
Municipal. Mas o que falta mesmo é saúde civil.
Só como grande
parêntese, você já ouviu falar no dr. Luiz Roberto Barradas Barata,
médico e secretário da Saúde do governo Alkmin? Foi ele o inspirador,
ainda durante o mandato Serra (de quem era muito próximo), da lei tal
como é hoje que proibiu fumar cigarro em bares e restaurantes e nos
prédios etc. Foi um dos idealizadores do Sistema Único de Saúde - SUS.
Passava férias em sua casa de veraneio, aqui em Ubatuba, quando, belo
finzinho de tarde, em 17 de julho, 2010, diagnosticou-se com infarto
agudo do miocárdio. Sabe o que fez? Deu instruções precisas a seu filho
para que imediatamente o levasse ao Instituto Dante Pazzanese de
Cardiologia, na Zona Sul de São Paulo, que - Barradas Barata era fiel
aos seus princípios - atende pelo SUS. Foram de carro, porque, imagino,
as condições climáticas não permitiriam vôo de helicóptero, aquele tipo
táxi aéreo que fica zanzando entre Paraty e Ubatuba. Resultado: chegou
praticamente morto lá. Não quis arriscar o hospital de Ubatuba, nem o
hospital de Caraguatatuba, que estavam no caminho (assim como o Incor,
já em São Paulo). Era médico (sanitarista), tinha princípios e sabia das
coisas, inclusive o descaso de sua pasta (que ocupava desde 2003) para
com o Litoral Norte.
O grande parêntese foi para dizer que
Caraguatatuba irá inaugurar, no dia 16 de fevereiro, às 10h, na Avenida
Maranhão, 451, no bairro Jardim Primavera, a Unidade de Pronto
Atendimento (UPA) "Dr. Luiz Roberto Barradas Barata". A partir do dia
18, segunda-feira, aquela UPA estará em pleno funcionamento, afirma a
Prefeitura de Caraguatatuba, junto com o Pronto Socorro Municipal, num
prédio com área total de 2.200 metros quadrados.
Faltam uma ou
duas UPAs em Ubatuba, há gestões, o prefeito atual, Maurício Moromizato,
esteve em Brasília para iniciar as negociações para isso, falta definir
locais - e já se sabe que precisarão atender as regiões centro-norte e
sul, bem como é necessário que os terrenos sejam à beira da rodovia
Rio-Santos, e não no centro urbano. É que minutos, quando se trata do
congestionado trânsito de alta temporada, contam, quando se trata de
salvar vidas.
Falta um Pronto-Socorro municipal. Falta um Hospital (com agá maiúsculo) municipal.
Faltam
ambulâncias, Carlota, e vans para transporte de pacientes (pacientes
com muita paciência, como você, para o Ambulatório Médico de
Especialidades - AME) para Caraguatatuba, Taubaté e São José dos Campos
e, no futuro, para Caraguá ou São Sebastião (Ubatuba desistiu de concorrer),
quando, e se vier a ser construído, for inaugurado o hospital regional
de média complexidade que o governador Alkmin prometeu no mês passado
para o Litoral Norte.
O que não falta?
Falta
quase tudo, mas a pergunta pode ser invertida: o que não falta? Se
falta educação formal, escolas que não estejam caindo aos pedaços, se
falta pagar melhor os professores, não falta um Centro do Professorado
de Ubatuba, que tem um teatro, que faltava a Ubatuba, mas que a famosa
iniciativa privada, ávida por lucros, poderia ter construído com
recursos próprios, porque essa coisa deve dar (ou até já deu) lucro a
alguém. Não falta o elefante do Centro de Convenções, inacabado, que a
famosa iniciativa privada, com recursos próprios, poderia ter
construído, porque essa coisa deve dar (ou até já deu) lucro a alguém.
Talvez não faltem empreendedores com visão de futuro, corajosos e
dispostos a investir seu capital próprio - não o do município - nas
coisas em que acreditam.
Não falta um nobre presidente da Câmara querer gastar dinheiro (nosso, do contribuinte) com um novo prédio
para abrigar os dez nobres do legislativo municipal e mais um séquito
de servidores, os de carreira e os nomeados de ocasião. Não falta cacife
político ao novo prefeito, eleito com quase metade dos votos num pleito
com uma penca de candidatos, para não investir dinheiro do Executivo
nessa gastança prematura.
Menestrel das Alagoas
Para
justificar o segundo parágrafo, é necessário explicar que falta saúde
civil em Ubatuba, lembrando a música que virou hino, em homenagem ao
nascido de rica família de latifundiários do Nordeste, Teotônio Vilela.
Ele percorreu todo um caminho às avessas, da direita da UDN e Arena, e
depois MDB e PMDB, numa parceria com o professor Ulysses Guimarães. O
PSDB se apropriou da imagem, ao dar o nome de Teotônio Vilela ao seu
instituto de estudos e formação política, cuja sede, em Maceió, é uma
obra com a assinatura de Oscar Niemeyer.
Os mais novos não se lembrarão disto, mas em 1983 os compositores Milton Nascimento e Fernando Brant lançaram, em homenagem a Teotônio, a música "O menestrel das Alagoas", cuja versão cantada por Fafá de Belém se transformaria, assim como "Coração de estudante", em hino da campanha das Diretas-Já (da qual os mais novos também não se lembrarão), movimento que, no início de 1984, exigia que o Congresso aprovasse a emenda constitucional que instituía a eleição direta para o sucessor do presidente João Baptista Figueiredo, o último general da ditadura militar.
Era uma imagem ao mesmo tempo triste e enternecedora, as fotos que conseguiam chegar ao público pelos jornais e tablóides. Dois velhotes (velhote, é assim que me chama um lacaio de um jornaleco local) batendo no grande portão de chapas de ferro de um dos presídios da ditadura, para visitar presos políticos. Para visitar presos torturados - e Teotônio, de joelhos: "Perdão por não ter visto antes essa barbárie."
Pois é, Carlota, o que falta aqui é essa saúde civil, pessoas que não fechem os olhos à barbárie política que tem assolado Ubatuba. Que não sejam de contemporizar com o malfeito, que não aceitem a política miúda, nanica, que tem fortes raízes por aqui. Faltam mais pessoas como você, e falta que essas pessoas se organizem o suficiente para pegar na enxada e arrancar o mais que puderem essas raízes de política nanica. Que pressionem os que elegeram para que façam mudanças, mudem, não só como discurso, mas como ação. Que é, afinal, o que falta em Ubatuba: ação.
- texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá, em 13/02/2013
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