Homenagens, homenagens e mais homenagens, geralmente pela via da moção de congratulações, esta é a especialidade da Câmara Municipal de Ubatuba. Abdicando reiteradamente de suas altas funções, relegando o funcionamento administrativo a plano inferior, às vezes aprovando projetos de vereadores por unanimidade mas também, pela (quase) mesma unanimidade aceitando o infalível veto a tais projetos do César municipal, o prefeito, a Câmara daqui, em sua última sessão, quase se superou. É que, tendo, como outros, dirigido duras palavras ao presidente da OAB de Ubatuba, Thiago Penha de Carvalho Ferreira, o vereador Rogério Frediani, que experimentou na pele do mandato para que serve um advogado, propôs uma moção de congratulações ao jovem causídico.
Contratar advogado tem custo financeiro, é para quem pode pagar. Citando o Rui Grilo, em sua matéria desta segunda-feira sobre "Parque Estadual da Serra do Mar - Herdeiros estão a ver navios", sobre reunião das comunidades tradicionais, herdeiros das terras desapropriadas para a constituição do Parque Estadual da Serra do Mar e do entorno e moradores das áreas congeladas e sem titulação, "só foram indenizados os grandes proprietários que puderam contar com grandes escritórios de advocacia." Pobre não tem com quem contar. Nem com Defensoria Pública, inexistente por aqui, exceto por convênio justamente com... justamente com a OAB: "A Defensoria Pública do Estado de São Paulo mantém um convênio com a Seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) para que nos locais onde não haja postos da Defensoria a população carente conte com assistência jurídica gratuita. Os advogados conveniados são previamente inscritos pela OAB/SP e remunerados pela Defensoria Pública por meio de certidões expedidas, conforme uma tabela de valores."
Como todo o jogo de cena, o circo, o dramalhão, que geralmente envolve tais moções, antes mesmo de sua aprovação providencia-se que sejam emolduradas, um belo quadro para ser entregue ao homenageado segundos depois da aprovação mais do que simbólica. Se algum dia uma moção de congratulações der de não ser aprovada, será como uma hecatombe, cataclismo, escatologia. Como essas coisas não acontecem, os homenageados são adredemente convidados e comparecem para presenciar a aprovação, "pela unanimidade dos senhores vereadores", de sua louvação. Alguns edis pedem a palavra para começar exatamente assim: "Está de parabéns o vereador tal, pela moção de congratulações". Antes mesmo de elogiar o congratulado, esses alguns, quase todos, começam elogiando o vereador proponente, porque fica feio escancaradamente pegar carona na homenagem para tirar uma casquinha de efeito eleitoreiro do evento.
Não foi diferente quanto à moção a "Thiago e equipe", que esteve presente acompanhado de membros de sua diretoria e funcionários da Subseção local que preside. O inexperiente político e jovem advogado, presidente da OAB local, foi achincalhado na sessão de 31/8/2010, por ter feito publicar, na mídia local, nota na qual defendia a necessidade de "realização de novas eleições da mesa diretora da Casa, para que não se coloque em risco o trabalho do Legislativo e, consequentemente, os interesses da sociedade.” Isso ocorreu ante o afastamento de diversos vereadores em decorrência de denúncia feita pelo Ministério Público sobre o processo eleitoral do Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente, e recebida pelo Judiciário local. É que vários dos eleitos para a Mesa da Câmara tinham sido afastados, e um dos afastados era justamente o atual presidente da Mesa, o vereador Romerson, antigamente conhecido, e eleito com esse apelido, por Mico. Pá de lá, pá de cá, hoje afastado está membro do Ministério Público autor da denúncia, em procedimento de corregedoria de caráter sigiloso, escondido do olhar do público, da mesma forma como o processo em segredo de justiça contra os vereadores àquela época afastados.
Afastamento por afastamento, Rogério Frediani foi afastado duas vezes: junto com os demais denunciados, e depois, por palavras que proferiu da tribuna legislativa e que foram consideradas como ameaça ao curso do processo. Como é de praxe, é da regra do Judiciário, a manutenção de um afastamento decidido pelo juiz paroquial local pelo segundo grau de jurisdição, o Tribunal de Justiça, é a exceção. Detentores de mandatos populares só são afastados quando não tem mais jeito, quando o caso é por demais gritante, ou quando, depois de muito tempo, surge uma sentença condenatória definitiva, geralmente inócua para o fim de afastar o político de seu cargo. E assim, com o auxílio de advogados, esses operadores do Direito dos quais Thiago é representante em Ubatuba, que são mestres em apresentar recursos, recursos e recursivos recursos, Frediani obteve a cassação da medida liminar de afastamento. Por liminar entende-se aquilo que é anterior à decisão definitiva.
Desta vez Thiago ocupou a tribuna da Câmara, para agradecer. Mas não deixou de falar sobre sua mágoa, já pública devido a outra nota: a de não ter podido se comunicar, de expressar, sem se acovardar ou voltar atrás, de poder dar as explicações sobre o que o motivou a expressar-se publicamente sobre aquele específico momento político. Tem a ver, disse, com o que pretende para Ubatuba: a valorização do advogado como indispensável à administração da Justiça, nos termos da Constituição Federal. Aqui, revelou ascendem a mais de 240 os profissionais da Advocacia. Sem contar os que vêm de fora, causa maior, segundo Thiago, das inconsistências da profissão de vez em quando visíveis por aqui. A OAB local gostou da homenagem, tanto que publicou foto no seu facebook.
Não pôde se comunicar porque não lhe foi concedida regimental oportunidade: o então presidente, o geralmente gentil, bom moço, Ricardo Cortes, fez conveniente e literal interpretação do regimento interno da Câmara para dizer: "Em outra oportunidade". Na sessão de reconciliação, Cortes pediu desculpas, mas reconheceu que "não seria politicamente bom para nós" autorizar o pronunciamento do advogado naquele momento. Afinal, Cortes pediu desculpas ou não? Usou da matreirice política, para dizer mais ou menos isso: "Tá, peço desculpas, mas faria novamente." O que estava em jogo era pura política (politicagem), não o exercício de uma das funções parlamentares mais altas, a de parlamentar, conversar, ouvir a voz contrária.
Registro necessário: a ausência, na sessão de reconciliação, do vereador Mico - perdões, mil perdões, vereador Romerson -, o mais veemente na condenação a Thiago, na sessão de 31/8/2010. E o outro registro, muito necessário, é o de que, sai Mesa da Câmara, entra Mesa, a bagunça administrativa parece permanecer intacta. Basta ver o portal de internet, que custa dinheiro público a Ubatuba, a desorganização que está. Gostaria de ter comentado, na presente matéria, uma homenagem, sim, justa, a um nonagenário pescador aqui das antigas terras de Coaquira, mas ao consultar o registro de vídeos das sessões, descobri que o vídeo da sessão passada não foi publicado. Aguardei quase uma semana por isso. Desisti, e o texto sai sem o comentário quanto ao velho pescador. Em tempo: segundo o portal de internet da Câmara, consultado em 21/2/2011, o presidente da Mesa ainda é o vereador Cortes.
Há mais um registro necessário: o então presidente Ricardo Cortes conseguiu, de alguma forma, fazer o funcionalismo da Casa trabalhar, ao menos num particular caso: o do Regimento Interno, muito mais decente do que o "provisório" de 2007, até então disponível no portal de internet da Câmara.
- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 22/02/2011.
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