domingo, 6 de fevereiro de 2011

Pois é, Ubatuba


Conheço pessoalmente o Julinho, não conheço nem remotamente o Ávila, nunca tinha ouvido falar do engenheiro Ortiz de Taubaté, e conheço, só pelos textos, o caiçara, 58, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, mas não pessoalmente, o Eduardo Souza, autor do desabafo desta sexta-feira, a propósito do não citado link da crítica-desabafo anterior do Julinho.

Caiçara apenas em construção, estrangeiro em uma cidade de meu próprio país que chegou há pouco de fora, ubatubense por morar e ter aqui meu título de eleitor, mas ubatubano jamais, porque jamais conhecerei o Bananinha nem conheço o Tião Banana, devo concordar e discordar do Eduardo Souza, que não é César. Concordar com tudo o que disse, com as bases de seus argumentos.

Concordar com os tempos bicudos de hoje no feudo do super-hiper e seus pasquineses vassalos, que "lembra os tempos da ditadura: Ubatuba ame-a ou deixe-a. Nunca antes na história deste município se viu tanta gente dizer que ama esta cidade, Julinho. Deve ser amor sexual. Você já viu alguma vez tanta gente assim fodendo Ubatuba como agora? Pobrezinha. Uma zona...".
Concordar que, "Na temporada de verão, os turistas vão aos shows porque já estão por aqui mesmo, porque vieram, não pelo evento, mas por causa das nossas ’famosas praias’. Choveu, fodeu, Julinho."

Mas também, e só parcialmente, devo discordar. "Ah, e esse “Show de Verão”? – Você poderia me perguntar – Não é atrativo turístico? Vamos admitir que seja. Mas queria ver esses shows no período da entressafra, quando a cidade não tem uma viva alma para sustentar o nosso comércio." Porque admito, sim, que o tal show de verão super-hiper seja atrativo turístico, para um importante segmento que gosta de "bate-estaca", como diz o Sidney Borges (que conheci pessoalmente), e que é o segmento de turistas do nível cultural do tipo "concurso de carros sonorizados com direito a um kit de pão com Marba, uma garrafa de 51 (ou Simba para os abstêmios) e tá tudo belê."

Explico. É que acho, sem fazer profunda reflexão, que Ubatuba comporta de tudo, desde o excursionista (como é o caso dos que desabam aqui vindos de ônibus ou dos transatlânticos que nos fazem ficar a ver navios) até o turista refinado, cheio da grana, que quer ver Mata Atlântica preservada e roteiros ecologicamente corretíssimos (desconfio que nem peidam nas trilhas). No meio-termo, há espaço para o pão-com-marba, para o turista infiel (que vem uma vez só e depois vai procurar outras novidades), para o turista fiel (que volta, a despeito de tudo), para o dono da casa de praia que mora em Sampa ou em Taubaté (lembrando sempre que somos o quintal atlântico de Taubaté e São José dos Campos) e que acha que sua praia (Santa Rita, Lázaro, Domingas Dias, várias outras repletas de constrangedoras cancelas) é sua, particular, onde turista não tem que meter o bedelho, nem pôr os pés.

Ubatuba comporta de tudo, desde que organizadamente. Ônibus de excursão (sem privilégios monopolistas a entidade municipal de classe), transatlânticos de excursão (sem supervalorização de seus excursionistas), marinas (sem a poluição e tráfego impróprio de tratores no meio das praias), hotéis e condomínios (especialmente os que não despejam esgoto na praia, como é o caso do Perequê-Mirim-Enseada). Mas não o que é hoje, a zona ("Você já viu alguma vez tanta gente assim fodendo Ubatuba como agora? Pobrezinha. Uma zona..."), a casa-de-mãe-joana, a que, "antes de ser turística, tem de ser uma ou a cidade". A que precisa de uma Câmara Municipal que exerça não a baixaria nem só as moções de congratulações, mas suas altas funções: de disciplinar com leis a atual casa-de-mãe-joana; de fiscalizar o Executivo, o prefeito, especialmente agora que se comprovam fraudes (IPTU e outras) e contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas. A cidade turística que precisa não de um tri-ex-vereador e bi-prefeito (porque reeleito) super-hiper arrogante, de uma política nanica que abortou ano passado a tradição de mais de 70 anos, a procissão que não houve, de São Pedro Pescador, mas sim de alguém que tenha "planejamento estratégico" que não seja piada, e de um projeto consistente para suportar alta e baixa temporada, sem perder de vista nossa vocação turística.

Precisa de uma porção de gente, a maioria de seus habitantes, que reconheça "e trate com importância a cultura de nossa terra caiçara".

É, pois é, Ubatuba.

- texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 04/02/2011.

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