Água, energia elétrica e telefone são considerados serviços essenciais e operados sob regime de concessão. O poder concedente, no caso da telefonia, já foi municipal, mas agora todo o sistema opera sob concessão federal. Igualmente, o setor elétrico, no qual, se remanesce algum resquício de distribuidora municipal, a geração e a transmissão definitivamente são concessão federal. O fornecimento de água (e coleta de esgoto) ainda depende de concessão municipal, mas a maioria dos municípios ou nunca teve, ou desistiu de seus serviços municipais de água, usualmente chamados de SAE ou DAE, autarquias, e mais raramente de Companhia de Águas, ente de direito público ou, raridade maior ainda, de economia mista. Em todos esses casos remanescentes, foram municípios que souberam gerir bem seus recursos. Ninguém entrega para a Sabesp um sistema funcionando bem e que esteja financeiramente equilibrado.
A Sabesp veio para botar ordem no galinheiro que era o saneamento básico no Estado de São Paulo, com galinhas empoleiradas em vários níveis, imaginem, mamando com seus bicos sôfregos nas tetas municipais.
Não que ela própria seja imune a algumas mamadas, ou mamatas. É só observar como gasta sua verba publicitária, notadamente em períodos eleitorais: Serra não anda bem nas pesquisas no Nordeste? Ora, a Sabesp pode dar uma mãozinha por lá, não pode?
Nem sempre Sabesp está atrelada à palavra "transparência". Não foi como medida de transparência que uma sessão extraordinária, daquelas que não são transmitidas nem a população fica previamente sabendo a pauta, que a Câmara Municipal aprovou, convocando vereadores em pleno recesso para apreciar projeto do ex-prefeito Eduardo César, em regime de urgência, sobre convênio com a empresa, na prática algo para valer por 30 dias. Não? Seriam 30 meses? Não? Ah, por 30 anos, sem que houvesse qualquer audiência pública, sem um plano de metas, sem coisa alguma, nem mesmo manifestação dos que estão ora no poder municipal. Ubatuba, em matéria de saneamento básico, talvez não esteja muito melhor do que o Maranhão, Maranhão de Sarney e da Cruz Vermelha. No meu bairro aqui no pé do Funhanhado não existe coleta de esgoto, ainda que a respectiva tubulação esteja enterrada em parte dele. Boa parte dos moradores bebe o que chamam de água da cachoeira, proveniente de captações improvisadas no sertão, sem nenhum tipo de tratamento. Os índices do saneamento básico, considerando todo o município, não são bons: 75,3% da população tem água tratada, e 63,2% coleta de esgoto, dados do Censo Demográfico 2010, citados pelo Instituto (privado) Pólis - Litoral Sustentável. Tratamento do esgoto, que é bom, é precário: só parte recebe algum tratamento, antes de ir para o mar. A Cetesb ameaçou interditar os emissários marinhos do litoral paulista, inclusive de Ubatuba, porque a situação estava crítica. Até onde se sabe, o problema continua, desde 2010, conforme matéria do jornalista Saulo Gil, quando era jornalista e ouvia com ouvidos de jornalista.
Em dezembro de 2007 o agora prefeito Maurício talvez já estivesse desencantado com o então prefeito Eduardo César, que tinha ajudado a eleger. Ano seguinte, 2008, Maurício foi, ele próprio, candidato a prefeito. Em 2007, numa de suas raríssimas aparições na mídia como autor de algo (e o valente sirizinho O Guaruçá, que fez aniversário agora, dia 8, tem excelente memória), falou sobre saneamento e Sabesp: "É hora de Ubatuba tratar essa questão de maneira séria, técnica, política, apartidária e voltada aos interesses sociais, ambientais e econômicos." Assinou como "Presidente Municipal do PT, ex-presidente do Conselho Municipal de Saúde, ex-coordenador do GT de Saneamento do Plano Diretor de Ubatuba e ex-presidente da Associação dos Cirurgiões Dentistas de Ubatuba" E disse: "Com a palavra Prefeitura Municipal de Ubatuba e Sabesp."
Opa! Maurício Moromizato foi tudo isso e agora é o prefeito e a própria Prefeitura. Com ele, Maurício, a palavra, de preferência escrita, coisa que só faz muito de vez em quando (ler parece ser ainda mais raro).
Bem, mas o que isso tem a ver com as chuvas? No dia seguinte à tempestade do dia 22 de fevereiro faltou água em toda a região abastecida pelo famoso sistema Carolina, incluindo o bairro aqui no pé do Funhanhado. É que a água bruta estava em péssimo estado, e a estação de tratamento não dava conta de colocar os parâmetros de turbidez e cor no lugar certo. Bem verdade que foi uma chuva muito forte, 173 mm num só dia, mas o pequeno dilúvio pegou a concessionária de jeito: ela não estava preparada. Mas se trata de um evento que, se não é previsível quanto a data e horário, é estatisticamente previsível para um dado período.
Não foi diferente com a telefonia, várias ERBs (estações rádio-base, aquelas torres e antenas para celulares que sabem ser feias) apagaram, assim como alguns telefones fixos.
Mas as chuvas pegaram mesmo de jeito, de calças curtas, foi a concessionária de distribuição de energia elétrica, que atende (ou não atende, "o sistema está fora do ar", talvez imerso na enxurrada) pelo nome de Elektro, empresa que é avessa a dar informações, que faz mistério sobre todas essas coisas já por si misteriosas. Deve ser porque leigo tem capacidade de entendimento muito limitada dos mistérios da eletricidade. Leigo só sabe que, quando aciona um interruptor, uma lâmpada começa a brilhar. Quando bota o plugue da geladeira na tomada, ela começa a funcionar. Mas e quando a lâmpada brilha pouquinho, as incandescentes ficam meio amareladas, amarronzadas? E quando a geladeira faz um barulho estranho, o motor ameaça dar partida, mas não consegue?
Apagão é fácil de entender. Apaga tudo, desde a iluminação pública até o acendedor elétrico do fogão. Hora de apelar para as caixinhas de fósforos e para as velas, coisas baratas pero no mucho, e inegavelmente perigosas. Quem já foi a uma agência da Sabesp provavelmente terá recebido de brinde um desses copinhos plásticos lacrados, com uns 200 ml e um rótulo vistoso denotando orgulho: "Água da Sabesp". Quem já foi comprar ou trocar seu celular certamente ganhou um brinde qualquer, uma caneta, uma camiseta, uma capinha para o aparelho. Mas as distribuidoras de energia elétrica não dão brindes, são muquiranas. Bem que a concessionária daqui poderia se diferenciar das demais, oferecendo de vez em quando um brinde (barato, pero no mucho): um maço de velas e uma caixa de fósforos, com a marca "Elektro", talvez até com a inscrição "Fabricada em Campinas". Seria um gesto agradável e útil.
Pois bem, a chuvarada do dia 22 de fevereiro causou um apagão, mas, depois de um tempo, a energia elétrica voltou, com cor de vela, lâmpadas incandescentes luzindo amareladamente tais como velas. Mas algumas brilhando a pleno vapor de sódio, amareladas sim mas de brilho intenso, como as dos postes aqui na minha rua. Que mistério é esse? Não é mais ou está normal, ou está em apagão?
Até leigo sabe que a tomada é de 110 ou 220. Que lâmpada de 220, quando colocada em soquete de 110, brilha pouco, uma luz amarelada. Não é bem assim. A tensão nominal da rede para uso doméstico é 127v ou 220v. Os 127v são obtidos através do fio de uma fase e do fio chamado neutro. A tensão de 220v é obtida através dos fios de duas fases, sem o uso do neutro. Mas há sistemas domésticos, como aqui em casa, nos quais a energia elétrica é fornecida em três fases. Cada uma delas e neutro resulta em, nominalmente, 127v. Duas fases, quaisquer delas, resulta em 220v. Mas há um mistério, que é o retorno de fase. Quando há falha no fornecimento de uma das três fases, essa fase faltante não fica "zerada", porque é alimentada pelo chamado retorno, coisa que qualquer eletricista sabe. É que lâmpadas ou aparelhos ligados a duas fases, quando uma falha, seja resistivamente (lâmpadas, por exemplo), seja indutivamente (motores, por exemplo, e peço que apenas acreditem em mim, é um mistério difícil de leigo explicar para leigo), fazem com que uma parte da tensão, limitada à corrente do equipamento, retorne para a fase faltante, que então se apresenta com tensão flutuante e com corrente (amperagem) flutuante. Uma excelente receita para queimar alguns tipos de eletrodomésticos.
Depois de algumas horas, na madrugada já do dia 23, duas fases ficaram normalizadas, mas a terceira... Só perto da manhã é que o sistema todo se "normalizou". Entre aspas, porque, na noite seguinte, o problema se repetiu e só então, depois de algum misterioso exorcismo, que levou algum tempo, algum pajé da Elektro conseguiu botar a fase recalcitrante para funcionar direito.
Houve várias interrupções de energia elétrica ao longo do ano passado, inclusive em dezembro, mas a conta de luz que chegou aqui, do "Conjunto Ubatuba Um", diz que a DIC - Duração de Interrupção Individual, em horas, meta anual 19,34, foi, real, de zero vírgula zero zero. Diz que a FIC - Frequência de Interrupção Individual, meta anual de 12,70, foi, real, de zero vírgula zero zero. Diz que a DMIC - Duração máxima de Interrupção Contínua, em horas, meta mensal de 2,69, foi, real, zero vírgula zero zero. Ou seja, jamais houve, por esses indicadores, falta de energia elétrica aqui em casa. Ou seja, são esses os dados fictos que a Elektro passa para a Agência Reguladora de Saneamento (ah, a Sabesp...) e Energia do Estado de São Paulo - ARSESP, e para a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. Esses dados, fictos, que devem colocar a concessionária como campeã brasileira, quiçá mundial, em qualidade de distribuição de energia elétrica, são aceitos passivamente pelas agências reguladoras. Foi assim com o grupo de empresas da qual fazia parte a distribuidora Vale do Paranapanema (que atendia Assis, onde eu morava), que se divulgava como a segunda melhor em qualidade, e que, ano passado, sofreu intervenção da Aneel antes que todo o sistema que ela operava fosse para o beleléu.
Com chuva ou sem chuva, as concessionárias ficam bem na fita com as agências reguladoras. Ao consumidor, resta sofrer as consequências.
Tomógrafo da Santa Casa
"O raio" destruiu algo no tomógrafo da Santa-Casa, recém-instalado. Foi um raio-que-o-parta do dia 22 de fevereiro, do temporal e das chuvas de 173 mm, um dos muitos daquela noite, propagado pela rede elétrica. Ainda não há informações confiáveis, quanto a estragos, custos e responsabilidade. Em princípio, se a propagação do raio deu-se pela rede elétrica, a responsabilidade pelo ressarcimento é da concessionária.
O que se sabe é que, além do tomógrafo, aparelho importante, essencial em alguns casos, para o correto diagnóstico quanto a pacientes internados no hospital, também foram para o beleléu umas três dezenas de computadores e um PABX na Prefeitura. Segundo o provedor de fato da Santa Casa, Robertson Martins, há gestões para que o pedido de ressarcimento à concessionária seja em conjunto, com a assinatura de Maurício. Não foi possível confirmar, porque Maurício está opaco, blindado, inacessível.
TrixNet
Até a visita ao Brasil da jornalista cubana Yoani Sánchez eu achava que a internet mais cara do mundo era a da TrixNet, meu provedor Internet Service Provider-ISP via rádio aqui de Ubatuba, que cobra o equivalente a um pouco mais de 70 dólares mensais por 1mbps. Yoani paga, em Cuba, uns 10 dólares a hora. A Trix tem um sistema intrinsecamente instável, que depende de diversas variáveis, a começar pela qualidade da internet que, no fim das contas, é a Telefonica Data que entrega, através de cabo de fibra ótica, sujeitos - como uns meses atrás - a ser atropelado por alguma escavadeira em Caraguatatuba. Outra variável é a sobrevivência de seus repetidores de rádio quando há chuva, ventania e raios. A coisa anda ficando tão feia que a Trix resolveu investir em painéis solares e bancos de baterias, porque não tem como confiar na energia elétrica entregue pela concessionária Elektro. A gota d´água foi o raio que destruiu, dia 6 agora de março, o transformador e cabeação do morro do Cais (onde ficam também repetidores de TV), bem como o próprio padrão de entrada da Trix em seu principal repetidor. A Elektro prometeu entregar o serviço pronto até o fim da tarde da quinta-feira, mas... Mas não tinha emenda para cabos, coisa que seria providenciada na sexta-feira, insumo a ser buscado em Bertioga. As baterias do rádio da Trix duraram até, aproximadamente, 3h da madrugada da sexta-feira, e, na manhã desse dia, os técnicos se preparavam para uma caminha íngreme morro acima, para descobrir o que significa carregar bateria, carregar no lombo. Serão dois conjuntos para uma autonomia inferior a dois dias.
Como sou do tempo pré-internet do Blue Wave, com modens de 4.8, 12, depois 24 e finalmente 46kbps, e da banda larga do Speedy a 240kbps, 1 mega da Trix até que seria uma velocidade razoável. Hoje é o mínimo do mínimo e nem sempre o ISP consegue entregar a velocidade contratada. O recorte topográfico do nosso litoral tem a muralha da Serra do Mar, que subiu (antes da atual separação dos continentes) devido à trombada com a África. Divagando, abençoada trombada, que deixou, no pequeno Oceano Adamastor, uma grossa camada de sal e o tesouro escondido embaixo dela, petróleo de boa qualidade, o chamado pré-sal (os geólogos partem do petróleo em direção à superfície). Abençoada, mas até agora Ubatuba não viu a cor do dinheiro dos royalties e das compensações ambientais da Petrobras. Mas verá alguma coisa, porque os royalties, mesmo com a derrubada do veto de Dilma ao projeto aprovado no Congresso, beneficiarão todos os Estados e Municípios não produtores de petróleo. Pouquinho, mas vem para ajudar. Fim da divagação.
Voltemos ao recorte topográfico daqui, com enseadas, sacos e morros, muitos morros. Rádio e televisão só funcionam aqui (afora via satélite) se tiverem repetidores nos vários bairros. Uma certa radiozeca, que não é qualidade A, mas B. Azul (em Roma dirija como os romanos, em Ubatuba escreva ironizando), só ganhou mais ouvintes porque decidiu transmitir também via internet. Mas algum dia chegará aqui, no pé do morro do Funhanhado, uma fibra ótica. Como diz a propaganda, será uma Net, a (equivalentes) uns 15 dólares por mês, e não tipo Net, como é o caso da Trix, a quem se recomenda ter uma visada mais larga, auscultar o que o futuro diz, ou preparar-se para deixar o mercado.
Mais raios
O Brasil já é campeoníssimo em incidência de raios, e as coisas já pioraram na região e vão piorar ainda mais, disse na semana passada a uma TV regional um técnico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, montanha acima logo ali em São José dos Campos. Ubatuba não é especialmente alvo de raios, dizem as estatísticas. Mas, parece, aqui eles causam estragos mais graves. No entanto, o Litoral Norte não tem um sistema eficiente de alerta para raios e tempestades.
Foram feitos alguns ensaios, o próprio INPE manteve, por pouco tempo, sistema de alerta bem sofisticado, a partir de um radar meteorológico, um tanto deficiente para detectar o que acontece no Litoral abaixo da Serra, mas, ainda assim, útil. A alegria durou pouco, o experimento, por razões jamais publicamente esclarecidas, terminou e o radar foi deslocado para outro local, talvez Lins (local incerto e não sabido). Era uma boa página, possibilitava alterar o nível de transparência dos layers. O INPE assina mais duas páginas (www.inpe.br/webelat/homepage e peassaba.cptec.inpe.br/sigma), esta última com dados bem semelhantes a www.rindat.com.br, todas com o modernoso sistema de layers sobre fotos de satélite. O problema é que não é possível administrar o nível de transparência nem mudar, quadro a quadro, a animação disponibilizada, o que dificulta, e muito, acompanhar como e para onde a tempestade se desloca. Algum programador deve estar feliz com sua criação, mas os usuários acabaram prejudicados.
- texto publicado originalmente na Revista Eletrônica O Guaruçá, em 13/03/2013
.