sábado, 2 de janeiro de 2010

Ubatuba, turismo, vocação e competência


É o caso de me repetir: uma mesma questão comporta, no mínimo, dois lados. Em geral, entretanto, são múltiplos lados, divergentes, concorrentes, conflitantes, afins e toda a sorte possível de combinações. O Eng. Guaracy diz que É tudo uma questão de competência. Concordo, mas não creio que seja só competência administrativa. Há que ter muita competência política, para formar um consenso mínimo sobre o que fazer.


O Eng. Guaracy descreve o caso de Praia Grande, que optou por um caminho de desenvolvimento baseado na urbanização da orla e permissão para grandes edifícios-dormitórios. No entanto, a urbanização da orla foi precedida de todo um trabalho de infraestrutura sanitária, especialmente o custoso sistema de tratamento de esgotos e emissários submarinos. Depois, calçadão, ciclovia, um trânsito mais organizado, vagas para deficientes quando isso ainda não era da lei, os quiosques no calçadão, algumas mesas na areia. Nem tudo são flores, contudo. Às vezes há coqueiros. Lembro-me com nitidez de um quiosque cujo permissionário resolveu plantar coqueiros na areia da praia, para oferecer, talvez, alguma sombra aos seus fregueses. Demarcou uma área perfeitamente retangular, plantou os coqueiros com espaçamento centimetricamente calculado, e o que se vê, hoje, de alguma janela dos muitos edifícios altos da orla, se assemelha a uma praia artificial. Não tem o encanto de uma praia preservada. Nem mesmo o bom gosto de um paisagismo confortável aos olhos, com valor estético.


Praia Grande optou por liberar o espaço vertical para grandes empreendimentos, o que resultou em prédios altos e, de certa forma, nesse ponto em particular, uma miniatura de um grande centro, como São Paulo, por exemplo. Prédios altos demandam sistemas públicos consistentes de abastecimento de água, coleta de esgoto e de lixo e de trânsito e estacionamento. É um crescimento orientado a um segmento da sociedade. Mas não impede que a higiênica orla, talvez de concepção higienista, seja palco de arrastões que de vez em quando mostram as debilidades de um crescimento fundado na desigualdade.


Ubatuba já cometeu seus pecados no passado, permitindo que praias públicas se transformassem em verdadeiras praias particulares, e permitiu arruamentos públicos ocupados e fechados com cancela, como se fossem condomínios particulares fechados. A situação hoje é tão esquisita que algumas dessas casas pé-na-areia não têm outra opção de trânsito de seus veículos que não a praia - onde é proibido trafegar. Permitiu marinas em locais inconvenientes, inadequados, sem os necessários cuidados com o meio-ambiente. Autorizou excrescências, que enfeiam a cidade, como "varandas" rasgando os morros de matas que deveriam estar preservadas. Se o Ministério Público não se mexesse um pouco, os interesses dos grandes empreendimentos imobiliários já teriam posto a perder o encanto de Domingas Dias e outros belos lugares que são, ainda, o diferencial de Ubatuba.


O que nos incomoda também nos protege, desse ponto de vista. Praia Grande conta com a possibilidade representada por dois grandes sistemas rodoviários, que fazem, por exemplo, a avenida Ricardo Jafet ser a "rua da praia". Já o acesso a Ubatuba só se dá pelas sinuosas pistas simples da Tamoios e da Osvaldo Cruz, ou então o percurso mais longo da Rio-Santos. Quem vem a Ubatuba quer mesmo vir a Ubatuba, não simplesmente "descer para a praia".


É inegável, acho, que a vocação de Paraty está em sua roupagem histórica, na imagem de um lugar bucólico. Se não cuidar de preservar sua vocação, Paraty será apenas mais um de qualquer outro destino turístico. Ubatuba precisa conhecer e reconhecer qual sua vocação e tomar um rumo na vida. Uma parte do Município é urbe, e precisa ser criteriosamente urbanizada. Outra parte é constituída por áreas que precisam ser preservadas, algumas intocadas mesmo.


Há uma discussão um tanto segmentada quanto a isso, em todo o Litoral Norte. São Sebastião vive discutindo se amplia o limite vertical de quatro pisos. A pressão do lobby das imobiliárias é grande, mas a resistência da população também é grande. Em lugares minúsculos, como Paúba, a hostilidade dos habitantes a qualquer ideia de descaracterização de seu pequeno paraíso, com o pôr-do-sol no mar, se expressa em atuação política e também de mobilização popular. Ilhabela, em suas marchas e contramarchas, quer melhorias, e infraestrutura turística melhorada (acaba de garantir um dinheirão, mais de um milhão de reais, para três píeres e pavimentação de duas ruas), mas sabe que não pode descaracterizar-se do que é de seu próprio nome: uma ilha, e precisa continuar sendo bela. E certamente não a descaracterizará ter um Centro de Convenções e um Teatro Municipal, com verbas do Ministério do Turismo e do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias da ordem de cinco milhões de reais.


Preservar não significa congelar, fechar a cidade para balanço para gáudio e ócio dos saudosistas ou da militância ecológica radical. Há que ter visão de futuro e trabalhar dobrado, porque nossas opções são poucas, espremidos que estamos entre o mar e a montanha. Buscar dinheiro onde há dinheiro (já perdemos o dinheiro do pré-sal, lembrou-nos o Eng. Guaracy, em Ubatuba na grande imprensa). Ubatuba, yes, nós temos banana-da-terra e também somos Estância. Também podemos postular nosso lugar ao sol. Basta ter - qual é mesmo a palavra que o Eng. Guaracy usa? - competência. Mas, fundamentalmente, abandonar a anemia política, a baixa estatura quando se trata de cuidar do presente e pensar no futuro. E, claro, ter competência para executar.
- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá

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