terça-feira, 2 de outubro de 2012

Ubatuba: está à venda meu voto para vereador


O próprio processo eleitoral se encarregou de excluir da disputa para a Câmara Municipal, por serem candidatos ao Executivo, os vereadores Frediani, Americano, Dr. Ricardo e Maurão. O vereador Mico decidiu não concorrer à reeleição. É minha forte opinião de que resta agora ao eleitor excluir os outros cinco, considerando que essa legislatura foi uma das piores da história de Ubatuba. Mas há que ir além: não votar em quem apóiam, e nem nos suplentes que, fugazmente, chegaram a ocupar vaga no Legislativo, quando do afastamento de alguns vereadores por conta do processo judicial sobre a eleição do Conselho Tutelar. Um desses suplentes, policial, aproveitou seu dia de vereador para distribuir moções de congratulação a todos os organismos policiais de Ubatuba, um descarado agradinho a seu eleitorado.

Numa cidade onde se disputa a tapa e com chicanas até participação em conselhos municipais não é de causar estranheza que cerca de 240 pessoas, de 26 partidos, buscassem disputar as 10 vagas de vereador de Ubatuba. Nos extremos, o PPL registrou um candidato, e o PSDB, 20. No sistema proporcional vigente, quanto maior o número de candidatos maiores são as chances de atingir (e superar) o quociente eleitoral - que é a divisão do número de votos válidos pelo número de vagas em disputa. Quando se vota no amigo e comprade Mané das Couves na verdade esse voto poderá ajudar a eleger o Zé do Poste, talvez de outro partido ou coligação. É que os votos dos partidos que não conseguem atingir um quociente inteiro vão para um "bolão" a ser rateado pelo critério das maiores médias. Uma explicação desse mecanismo está na segunda parte de matéria que publiquei quando da última eleição para deputados. É o mesmo critério no caso dos vereadores.

Remanescem candidatos os três mosquiteiros, que, num certo momento da legislatura, decidiram blindar o prefeito Eduardo César dos requerimentos-pernilongo provocativos em geral propostos pelo vereador Frediani - que jamais, se algum deles foi respondido, ocupou a tribuna para esclarecer a população sobre em que pé estava cada indagação. Eram requerimentos só para inglês ver. E caíram na cilada os três mencionados mosquiteiros, Adilson Lopes (o campeoníssimo concessor de moções de congratulação), o apagado Osmar de Souza, e o pastor Claudinei, presidente de pífias Comissões Parlamentares de Inquérito e autor do aprovado projeto que criou uma Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Servidor, no Legislativo. Escola? Temos isso no legislativo municipal? Formalmente sim, na prática não. Mas eu, você e os demais contribuintes estamos pagando salários de dois novos cargos comissionados (aqueles que não precisam de concurso público).

Silvinho tem feeling, é certo. Tanto que seus muitos carros de propaganda não ostentam menção ao candidato a prefeito de sua coligação, o subalterno poste saco de Eduardo César. Pretende-se representante do funcionalismo municipal, mas dedicou-se e a seu mandato a ser linha auxiliar do prefeito de plantão. Tem mazelas em seu currículo, como mostram garimpagens bacamartianas.
De Biguá, nem se fale. Basta perguntar aos funcionários motoristas da Câmara. Vassalagem política absoluta a Eduardo César e fortes indícios de aproveitamento do mandato popular para um tipo especialmente nocivo de advocacia administrativa. Vale fortemente a expressão "Ubatuba, infelizmente, merece".

Uma palavrinha quanto a candidatos pastores e aqueles apoiados por igrejas - como foi o caso de Eduardo César. Ou, que, de alguma forma, se utilizem de critérios da religião como estruturantes de sua candidatura. Foi uma conquista para a humanidade (ou, ao menos, para o segmento dela que conseguiu chegar a isso) a separação entre igreja e estado nacional, o laicismo de estado. Isso não impede os partidos do tipo democrata cristão, socialista cristão, ou até, hipotéticos, ateísmo convicto e radical muçulmano. Mas a prática mostra como podem ser nefastos estados nacionais cuja regulação política é ditada pela religião, como o Irã, a Arábia Saudita, o Paquistão, Israel, Vaticano, o Afeganistão talibã, o Líbano (e sua guerra civil de mais de uma década). Ateu que sou (numa república como ainda é a nossa tenho esse direito, inscrito na Constituição, que é o da liberdade de culto - e de não culto), não gostaria de viver numa República Pentecostal do Brasil, como especula Hugo Souza.

É hora de declarar: vendo o meu voto para vereador, pelo mais alto valor financeiro oferecido. Ofereço meu voto ao candidato que signifique redução de danos, especialmente danos ao erário. Que lute e ponha para lutar seus correligionários por significativa redução do custo financeiro do legislativo de Ubatuba. Que acabe com isenção de IPTU a quem aluga prédios para a Câmara Municipal. Que reduza o número desses prédios alugados. Que reduza ao mínimo o número de carros da Câmara. Que garanta apoio político para congelar por dois anos qualquer reajuste no valor dos subsídios. Que promova redução de cargos comissionados, benesses indevidas, contratos com terceirizados que não cumprem o contratado. Que garanta, como resultado, um portal na internet que cumpra suas finalidades. Que garanta ampla transparência quanto ao que ocorre na Câmara. Trata-se de aritmética simples: quantificar como cada item vai reduzir custos. Quanto mais alto o valor financeiro da redução, isso definirá o meu solitário voto (creio que posso convencer ao menos mais um eleitor, eleitora, no caso).

Haverá uma objeção pertinente. Esvaziar o poder legislativo municipal contribui para o processo democrático? Talvez não. Mas dois anos de ajustes, bem feitos, permitirão avaliar a que veio a nova legislatura e, então, prudentemente, poder-se-á, aos poucos, recompor os recursos necessários ao bom - não ao pífio, nem regular - exercício do mandato popular.

Como adendo, vale afirmar que não é só em Ubatuba. O Legislativo tem sido um caso perdido, no Brasil. Quando idealizou a tripartição do poder, Montesquieu procurava superar a concentração de poderes num único estamento. A separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) vigora na Constituição brasileira, mas temperada pelo moderno conceito de freios e contrapesos, no qual, por formas constitucionalmente limitadas, desloca-se para os demais poderes parte da competência específica de um deles. Assim (só exemplos), o Legislativo exerce poder judicante ao processar e julgar o titular do poder Executivo, o Senado pode julgar o ministro do STF, o STF pode julgar casos que seriam da exclusiva esfera política, o Executivo pode conceder indulto quanto a réu condenado pelo Judiciário. E há, claro, o instituto do veto, pelo qual o Executivo, total ou parcialmente, não transforma em lei o decidido pelo Legislativo. No Brasil, tudo isso funciona de maneira capenga. O Executivo ora passa o trator no Legislativo, ora o coopta (ou descaradamente o compra, pela via da distribuição de benesses, grana, bufunfa, inclusive), ora é seu refém. O Judiciário, escudado pelo princípio constitucional da vedação ao "non liquet", de que não lhe é permitido eximir-se de julgar alegando lacuna ou obscuridade na lei, acaba, lerdamente, demoradamente como sempre, dirimindo conflitos que seriam próprios da arena política, entre os outros dois poderes ou, mesmo, intestino a um deles, quando é o caso, por exemplo, de interpretar regimentos internos das casas legislativas.

O caso mais perdido, porém, é o das Câmaras Municipais, esvaziadas de reais poderes, mas detentoras de um percentual significativo das receitas fiscais. Deveria fiscalizar o executivo, mas, quando o faz, é só por espasmos ou quando o escândalo já está instalado. É o caso do acordar tardio para o sumiço da taxa recolhida e repassada, pela concessionária de energia, para a prefeitura destinada à iluminação pública e investimento no setor. Só agora, no apagar das luzes da fraquíssima administração eduardiana, cara-pálida? Nunca perceberam os nobres que indicações e requerimentos para postes e iluminação nunca eram atendidos?

Abdicando de sua única alta função, a de fiscalizar o executivo, e não tendo mais o que, de importante, a fazer (teria, mas se exime), a Câmara de Ubatuba dedica-se a moções de congratulação, a criar cargos para gastar sua verba num funcionalismo que é inoperante, a contratar serviços que são pessimamente executados ou nem são executados - vide atualizações do portal da Câmara. É um custo, especialmente financeiro, manter essa tripartição de poderes nos municípios, um custo inútil para ter um arremedo de poder num arremedo municipal de democracia.

Então, reitero: votarei em quem me garantir como primeiro projeto reduzir drasticamente as despesas do legislativo municipal. Acrescento: que prove que meu voto no Mané das Couves não será aproveitado pelo Zé do Poste, contrário a todo o proposto. E, como derradeira condição, que faça isso formal e publicamente.

- texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá, em 02/10/2012
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2 comentários:

Elcio Machado disse...

Comentário recebido em 3/10/2012, através de "E-mail de leitor de O Guaruçá".

Caro Sr.Élcio.Parabéns pela coluna, "Está á venda meu voto" .Achei de uma clareza espetacular,bem colocada e principalmente propícia para esse momento importantíssimo de nossa cidade.Meu desejo é que muita gente leia e entenda a importância de vereadores e como ela é fundamental numa administração municipal e que nos palanque dos comícios deveria ser dada essa explicação e principalmente ser dito ao eleitor qual é REALMENTE A FUNÇÃO DO VEREADOR(A).Só assim o povo votaria para o município e não (no Zé do Poste), por um"favorzinho"particular prometido ou já feito. Tomei a liberdade de compartilhar nas redes sociais sua postagem por ter certeza de ser de interesse público. Espero que dê resultado.Obrigada.

Joana D'Arc

Elcio Machado disse...

Comentário recebido em 2/10/2012, através de "E-mail de leitor de O Guaruçá".

Muito bom!

sidney borges