quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Educar, a palavra de ouro no grupo O Guaruçá


A palavra de ouro do Julinho, em Patrocinado por nós mesmos, é educar: "levar cultura, de educar... tudo isso é o ouro do grupo cultural O Guaruçá - folclórico alegórico de Ubatuba." Educação é palavra-chave, sempre foi, mas neste sensível momento de transição do Brasil é a palavra-chave fundamental, é a palavra de ouro. Educar não é apenas construir escolas. Cada pessoa tem o dever de se integrar ao esforço educacional. É o que faz o grupo cultural O Guaruçá - Folclórico e Alegórico, ao ensinar, conscientizar, transformar, contribuir com o crescimento cultural de crianças, jovens e adultos. E não faz isso de cara feia, não: faz com prazer, com alegria, esparrama alegria por onde passa, tudo isso patrocinado pelos próprios integrantes, com alguns poucos mas significativos apoios. Pisa, é certo, em alguns calos, porque isso é inevitável. Mas no que pisa mesmo é nas perfumadas folhas de canela, sem chutar a canela de ninguém. Segue em frente sem patrocínio oficial, sem a mais leve sombra de politicagem (como bem lembrou o Luiz Moura ).
Mas, afinal, o Julinho pede desculpas: "Enfim, peço desculpas pela falta de modéstia, pela arrogância talvez, mas é fato." Arrogância, certamente, não, se bem que só quem faz pode ser arrogante. Não era de uma arrogância sem tamanho o médico sul-africano Christian Barnard? Foi, em parte, graças a essa arrogância que ele abriu as portas para uma cirurgia hoje corriqueira, que salva muitas vidas. Não há uma certa, e justa, arrogância em fazer cultura, em educar, mesmo contra tantas adversidades?
Aristóteles fala sobre virtudes. Cito uma, em particular: a Veracidade, para a qual o filósofo usava aquela palavrinha grega bonita que vemos de vez em quando por aí: Aletheia. Não há que ter medo da verdade. No caso do Julinho, subestimar-se, e a seu grupo, seria falsa modéstia. Exagerar seria jactância. Fiquemos no meio-termo, que a virtude não está nos excessos: sim, é fato, Julinho, é toda a verdade que O Guaruçá - Folclórico e Alegórico, ao longo dos cinco anos de vida, cumpre seu papel cidadão, educa, retrata e cria cultura caiçara, faz a cidade ficar melhor e é uma benção para Ubatuba, um grupo digno da proteção de Tupã e de todos xamãs de hoje e do passado da tribo dos Bebe.
Na dúvida, melhor educar, dar bons exemplos, do que deseducar, dar maus exemplos. Melhor não receber apoio de quem deveria apoiar mas não apoia, de quem deveria dar bons exemplos e não dá, do que submeter-se à politicagem para ganhar umas migalhas não abençoadas. Melhor dizer - vamos ao Aristóteles, novamente, e seu Justo Orgulho - "Patrocinado por nós mesmos", e seguir em frente, com a magnanimidade daqueles cujos méritos e pretensões são elevados, e que reclamam a honra, mas apenas aquela honra conferida ao homem bom, moderadamente.
Isso também é educar, Julinho. E não tem que pedir desculpas por isso.

-Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ubatuba, Tarumã, Assis e o entulho de construção

   fotos de MarleneCW  (1, 2, 3, 5 e 6) e Elka Waideman (4) 

1) Ana, Itanei e Frazão - 2) As casas que encantaram o Eng. Guaracy - 3) A fabriqueta, com sua barulhenta máquina de moldar - 4) A trituradora - 5) Os trabalhadores usam equipamentos de proteção - 6) A Prefeitura de Tarumã não tem medo de avaliação

Estou em Assis, a 700 km de Ubatuba. Fiquei sabendo que ofereceram ao Dudu uma dica sobre como tratar o entulho de construção, experiência realizada em Tarumã, cidade que fica pertinho de Assis, onde ainda estou por conta de questões de saúde na família.

Depois de ler os elogios, aqui na revista O Guaruçá, por Guaracy Fontes Monteiro Filho, um engenheiro da CDHU, ao prefeito de Tarumã, resolvi conhecê-lo, e ao projeto mencionado. A cidade fica a 20 quilômetros daqui, uma viagem bem curta, e não houve burocracia. Telefonei para a Prefeitura, expliquei à diretora de gabinete o que pretendia, ela passou o telefone para o prefeito, o Jairão, combinamos a visita para depois do almoço, e fui para lá, acompanhado de minha mulher e minha filha, munidas de máquinas fotográficas.
Quando chegamos, o prefeito Jairo da Costa e Silva pediu desculpas por não poder nos acompanhar na visita ao recém-inaugurado conjunto de 72 casas executadas no sistema de autoconstrução, em convênio com a CDHU. É que estava de saída para entregar à população um ônibus com mecanismo especial para cadeirantes. Mas nos apresentou a uma comissão encarregada de nos levar ao local: o secretário de Obras, Edenilson Frazão, a secretária de Assistência Social, Ana Luísa Yassuda, e a assistente social Itanei Guedes Ribeiro Dias.
Passamos primeiro por um "condomínio" de idosos, 15 casas populares realizadas através de repasse do Estado, onde estavam sendo assentados bloquetes feitos na pequena fábrica do outro conjunto habitacional. A Prefeitura entrega os bloquetes no local, e os próprios moradores (na verdade, seus vizinhos e parentes, porque os moradores são velhinhos) os assentam, sob supervisão técnica de um funcionário do Departamento de Obras. A secretária Ana explicou que a ideia inicial era um condomínio, cujas casas seriam cedidas por comodato aos idosos. O sistema de comodato permanece, mas a ideia de condomínio foi abandonada e o conjunto integrou-se ao bairro, hoje ampliado, com mais 23 casas por sistema especial de financiamento, mediante recursos a fundo perdido do Programa de Subsídio à Habitação. Por se tratar de velhinhos, o conjunto recebe atenção especial da Unidade de Saúde da Família e da própria comunidade do bairro ao qual integrou-se.
Fomos depois ao conjunto das 72 casas executadas no sistema de autoconstrução, palavra difícil que, na prática, quer dizer mutirão. São casas pequenas, mas "bem construídas, com piso, forro, azulejo na cozinha e nos banheiros, muros divisórios e belas calçadas com bloquetes de cimento", como descreveu o Engº Guaracy. Os bloquetes foram feitos ali mesmo, no canteiro de obras (que em pouco tempo se transformará em equipamento urbano que incluirá uma praça), num barracão que é uma pequena fabriqueta. Nas palavras do Dr. Guaracy, "A ideia é tão simples, que parece mentira. A Prefeitura distribui gratuitamente caçambas pela obras da cidade, recolhendo restos de materiais descartados nessas obras (telhas, cimento, tijolos usados, areia velha etc.). Todo esse material é encaminhado para esta pequena fábrica, sendo triturado, peneirado e colocado em uma britadeira, junto com areia grossa e cimento novo, formando uma massa homogênea, que colocada nas formas, transforma-se em bloquetes coloridos, bastando acrescentar um pó específico para este fim."
Tarumã é uma cidade onde se cultiva a transparência. O site da Prefeitura contém um bem explicado (e atualizado) quadro de despesas e receitas e foi lá que descobri que, em novembro de 2009, a dotação orçamentária, do Fundo Municipal de Assistência Social e Inserção Produtiva, já tinha se transformado em verba, empenho e pagamento. Há mais 800 reais na rubrica "Desp Material para Produção Industrial", mas na dotação da Secretaria de Assistência Social, empenho ainda a pagar. Perguntei ao prefeito Jairão, só para confirmar, qual o custo mensal com os insumos para a fabriqueta. Ele tinha a resposta na ponta da língua: pouco menos de R$ 5 mil mensais. Com isto já pavimentou as calçadas de todo o conjunto, está pavimentando agora o do conjunto dos idosos, e já começam a ser produzidos os bloquetes para praças e calçadas de áreas públicas de toda a cidade.
Nas épocas de maior produção, contando com uma máquina trituradora e uma moldadora de bloquetes, a fabriqueta já entregou, num só dia, perto de 2.000 bloquetes. Mas a produção média situa-se ao redor de 1.600 peças. Há algumas variedades de moldes, mas o mais comum é o que está nas fotos. Todo o sistema é operado pelos mutirantes, com assistência técnica de funcionários das Secretarias de Obras e de Assistência Social. Todos os trabalhadores recebem os equipamentos de proteção individual: capacetes, protetores auriculares (é incrivelmente barulhenta a máquina de moldar), luvas, botinas.
Quem põe a mão na massa, em todo esse processo, é a assistente social Itanei. Pessoa afetiva que sabe ser suave, mas também firme quando necessário. Perguntou-me se sabia o significado de seu nome. Rebusquei na memória minhas pesquisas sobre nomes indígenas, já que sou da tribo dos Bebe, e arrisquei um palpite: ita, pedra. Mas não soube dizer, de pronto, o que significaria o nei. Ela me deu a resposta: "Também não sei, mas para mim quer dizer preciosa". Todos sorriram afirmativamente, e fica muito evidente, ressaltado, o carinho que o Jairão e todos os demais têm pela Pedra Preciosa. A pessoa certa no lugar certo.
O Engº Guaracy disse aqui, na revista O Guaruçá (Uma dica para o Prefeito Eduardo César), que "A boa ideia se espalhou e o CIVAP - Consórcio Intermunicipal do Vale do Paranapanema, conseguiu junto a Secretaria do Meio Ambiente do Estado, recursos para a compra de um caminhão, para recolher e triturar esse material e poder servir todos os municípios da região." Já estava ficando tarde e voltamos para a Prefeitura, onde novamente conversamos com o Jairão. Foi conversa breve, porque o prefeito estava novamente de saída: preparava-se para viajar para São Paulo, onde, no dia seguinte (a terça-feira, 22/12/2009), tinha compromissos, como tesoureiro do CIVAP, consórcio que integra vinte Prefeituras desta região. O principal compromisso era a recepção dos recursos para comprar um caminhão com equipamentos especiais, alimentado por pás carregadeiras, para produzir o agregado a partir do entulho de construção. Não consegui os dados técnicos, mas trata-se de uma verdadeira usina de trituração sobre rodas, para produção em escala. Segundo os planos do CIVAP, o caminhão circulará pelas 20 cidades, atendendo cada uma um dia por mês, o suficiente para triturar todo o material recolhido e armazenado no período.
foto de MarleneCW



O prefeito Jairão recebeu um exemplar do Auto do Boi de Conchas.
Como disse o Engº Guaracy, "Enfim, uma ideia simples, ecologicamente perfeita, que gera emprego e agrega civilidade, bastando boa vontade e dinamismo para ser concretizada em Ubatuba. Estamos a disposição para fornecer todos os dados, basta solicitar." Resolvi conferir. Falei com o engenheiro Guaracy, por telefone, na CDHU. Ele me disse que ninguém solicitou os dados, ninguém daqui (agora falo como se fisicamente estivesse em Ubatuba, onde já mora meu coração) se interessou.
Digo eu, agora. Prêmio no Ministério do Minc não faltou (foi registrado aqui, em O Guaruçá: E no Café Soçaite de Ubatuba... - 08/12/09). Mas falta preocupação com uma possível solução técnica e ecologicamente correta para a disposição do entulho de construção em Ubatuba e na orla adjacente, já que a natureza não tem as mesmas fronteiras da organização administrativa. Lixo doméstico comum e entulho de construção significam problemas ambientais, se não forem bem tratados. Existe um clima de animosidade entre Caraguatatuba, roteiro dos caminhões de transbordo de lixo, e Ubatuba, quando o necessário é o entendimento, a superação de bairrismos e picuinhas políticas, em busca de soluções abrangentes e coletivas. O que um não consegue resolver sozinho, um consórcio poderá dar conta. Talvez não fosse necessário aumentar taxas como se faz hoje, para apenas cuidar paliativamente dos problemas.
Ninguém do Poder Executivo se interessou, mas o secretário de Obras de Tarumã revelou que alguém de Ubatuba o procurou. Recebeu e-mail de um assessor do vereador Sílvio Carlos de Oliveira Brandão (PPS), perguntando sobre o projeto de reaproveitamento do entulho de construção. Nunca pus os pés na Câmara Municipal de Ubatuba (cheguei há pouco de fora), mas o Legislativo tem um site que publica (é certo que com algum atraso) as atas, áudios e vídeos das sessões. Rebuscando nas atas, encontrei, na da sessão do dia 17 de novembro, algo sobre um substitutivo a projeto do vereador Adílson Lopes (PPS), que dispõe sobre o controle ambiental do descarte e destinação dos resíduos, entulhos e/ou materiais de demolição de reforma e de construção civil, no Município de Ubatuba. A votação foi inicialmente adiada por duas sessões, e depois adiada novamente, conforme me explicou, agora, por telefone, o vereador Silvinho Brandão. Precisa de um pouco mais de amadurecimento.
De qualquer forma, o que está em debate é como recolher entulho e entregá-lo, ou à administração da Emurb, ou a entidades assistenciais, ou associações de moradores, para tapar valas e buracos, e coisas desse tipo. Numa palavra, desespero e paliativos. Não uma solução abrangente, integrada e integradora. Não é menos louvável a preocupação do Legislativo quanto ao tema - alguém precisa fazer alguma coisa, urgente! - mas o caminho adotado, mais uma vez, parece ser o do olhar próximo, muito próximo. Talvez seja necessário subir no alto de um de nossos belíssimos morros para olhar o mar, a orla e a própria montanha, de Paraty a São Sebastião.
Não é a primeira vez que se fala em consórcio por aqui. Em março de 2001 alguém pareceu mexer com isso, mas não faço ideia qual foi o resultado. Não encontrei nenhuma referência na internet, exceto Cidades de Rio e SP formam consórcio verde. Mas se a situação já era feia em 2001, hoje é insustentável, por mais que se fale em Ubatuba Sustentável.
O governante está adstrito à Ética da Responsabilidade, no dizer de um dos pais da Sociologia, Max Weber. Não se trata de um cínico "o importante são os resultados, não os meios". Mas a formulação contempla a realpolitik, e os resultados são sim importantes, desde que obtidos por meios lícitos. Os resultados que vemos hoje, tanto pelas minhas choramingações, pelas choramingações aqui da revista O Guaruçá, como pelas choramingações que podem ser ouvidas nos mp3 que a Câmara Municipal divulga, esses resultados são precários, insuficientes, ainda que existam os que, pelo oposto, digam ufanismos e jactâncias. Ao visionário gestor do Estado cabe a palavra Estadista. Ao prefeito caberia a palavra Municipalista? Não. Precisamos de um Estadista, de um gestor de uma parte do Estado, mas que veja além de seu município em particular, e sim a integração de seu município ao Estado nacional, que entenda o conceito de que Estado é a organização administrativa que engloba União, Estados, Municípios e o Distrito Federal (o DF, hoje administrado pelo Arruda (DEM), por uma Câmara Distrital com boa parte de seus membros sob suspeição). Não há como Ubatuba ser uma ilha de sustentabilidade (por enquanto, apenas uma palavra) se toda a nossa orla não for sustentável, com soluções ecologicamente aceitáveis. Mas para isso, é necessário pensar grande, ter grandeza. Não é aceitável a "anãozice": Ubatuba não merece isso.
-Texto orignalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá

O calo do Soçaite


Levei puxão de orelhas. Quem diz o que quer ouve o que não quer. O Soçaite, em E no Café Soçaite de Ubatuba... - 22/12/09 citou-me com nome e sobrenome, mas citou literalmente com erro: eu escrevi "choramingações", que o Soçaite transcreveu como "choramingões".
Fez uma pergunta: "com relação às denúncias, se não as fizermos quem as fará?" Não sei responder. De qualquer forma, cheguei há pouco de fora.
E acusou pisão no calo, porque eu disse que o Café Soçaite me parece uma coluna de fofocas. Lamento, Soçaite, mas sustento minha posição. E esclareço que não faço ideia de qual seja a pendenga "Lacoste Argentina" em relação aos "Bermudinhas Surradas", nem quem sejam seus atores. Também não sei quem seria o editor do rabo preso, o que vende seu jornal e sua consciência; nem o colunista nome de espaguete do jornal Anão de Ubatuba; nem, de umas edições passadas, um tal de Boiola Gosmento. Mas, como cheguei há pouco de fora, com certeza algum dia desses ficarei sabendo.
Quanto ao "Registro - Mandioca. A fixação continua.", também não faço ideia a que se refere. Mas fico um tanto assustado. Em meu trabalho, uns anos atrás, não aguentava mais os agricultores que chegavam à minha mesa, botavam os olhos fixos em mim, e berravam: "Eu quero prantá mandioca!" Há limite para tudo. Mudei de setor.
No entanto, para constar, já ouvi falar em José Maier e em César Cielo e foi pelo Soçaite que fiquei sabendo do prêmio que o Ministério do Minc deu ao prefeito Eduardo César, por política ambiental desenvolvida pela Prefeitura de Ubatuba. Ainda só para constar, já ouvi falar em Eduardo César, mas não conheço política ambiental desenvolvida pela Prefeitura de Ubatuba. Mas segui os passos do Eng. Guaracy em Tarumã (SP) e vi, ao vivo, com poeira e em cores, os resultados de um segmento da política ambiental de lá, que, de quebra, gera benefícios diretos aos moradores. Já tenho texto (e fotos) quase pronto sobre isso.
De resto, cabe desejar bom descanso e boas festas ao Soçaite, que prometeu voltar em 2010. Fico no aguardo.
-Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá


Ubatuba: de olho nos vidros e na cidade morta


Há pessoas pelas quais nutrimos um sentimento de amizade e respeito mesmo sem as conhecermos pessoalmente. Foi meu caso com o Julinho, que conheci por texto, antes de conversar, presencialmente por uns fugazes dois minutos, com o bardo e seu espigão sobranceiro (sou baixinho e fico minúsculo perto dele). Foi caso também, só de ler, com o Eduardo Souza, com o Luiz Moura e com o Carlos Rizzo, pois (ainda) não os conheço pessoalmente. Tudo isso, claro, possibilitado pelo portal O Guaruçá (mais do que uma revista, O Guaruçá incorpora, acho, o próprio espírito do portal UbaWeb). Costumo, jocosamente, dizer que cheguei há pouco de fora. É inteira verdade. Ainda não consegui completar o processo de mudança definitiva para este paraíso a construir, que é Ubatuba. E, via internet, o que achei de mais livre e elucidativo sobre o Município foi este portal, junto com alguns outros poucos endereços eletrônicos onde se pode ler, mas não participar, sobre as coisas destas terras de Coaquira.
Ler O Guaruçá dá trabalho. Tenho viagem agendada para uma cidadezinha a uns poucos quilômetros daqui (Assis, onde estou, devido a questões de saúde em família), por causa de algo que li nesta revista eletrônica. Precisei pesquisar um bocado, para descobrir com alguma segurança o que queria dizer "terras de Coaquira". E então conheci Coaquira, Cunhambebe (e sua mulher de gênio forte, sobre a qual algum dia escreverei aqui algumas linhas), o padre Anchieta nos versos em latim (sou péssimo de latinório, mas dá pra entender algo) e o porquê de Iperoig, ou Yperoig, como grafavam os antigos. Mas ainda me perco no Café Soçaite de Ubatuba, que me parece uma espécie de coluna de fofocas, incompreensível para quem não conhece os personagens retratados.
Novamente, hoje, deu-me trabalho ler O Guaruçá, por causa do texto da sra. Maria Cruz (a quem também não conheço), que chamou Ubatuba de cidade morta, em seu texto.
Fez referência, a sra. Maria Cruz, à ONG AMARRIBO, da qual já tinha ouvido falar, mas (minha memória é muito claudicante) sem evocação pronta. Rápida pesquisa no São Google fez-me relembrar de algumas coisas. Uma delas, a cartilha O Combate à Corrupção nas Prefeituras do Brasil, disponível gratuitamente aqui.
Já insinuei, ao Eduardo Souza, que Ubatuba é terra fértil e pode, sim, ver frutificar mangueiras. Depende menos da natureza, mãe de todos nós. Depende de nós, acho. O Rizzo faz sua parte, cuidando para que não destruamos a imensa e bela diversidade de pássaros que temos. O Julinho e o Moura também. Maria Cruz também. Eu também, espero. Mas será que fazemos o suficiente? A sra. Maria Cruz diz que não, e concordo com ela. Mais do que choramingar, precisamos encontrar formas efetivas de agir. Pisaremos em calos? Ah, certamente. Estamos dispostos a isso? Estamos dispostos a que pisem em nossos calos? Somos humanos, e evitaremos pisar alguns, com certeza. Acusaremos dor quando pisarem em algum nosso. Mas concordo com ela. Eu evito uns calos, alguns evitam outros, mas se formos feixe conjunto de varas, o resultado poderá ser interessante, sinérgico, acima de calos pisados, nossos ou alheios.
Não temos em Ubatuba um Antoninho Marmo Trevizan, de renome nacional e internacional em sua área. Ethos e Transparência Brasil, que apoiam a AMARRIBO, são ONGs que já se utilizaram de serviços da Kroll, empresa de espionagem que, dizem, contribuiu com alguns dossiês pra lá de suspeitos. Ninguém é perfeito, ninguém mesmo. Alguns são mais iguais que outros, mas, na média, em geral, acredito fervorosamente, nós brasileiros somos bem iguais uns aos outros, com defeitos e pecadilhos e virtudes maiúsculas e minúsculas. O povo não é corrupto não, como recorte médio. Mas os Poderes Municipais (que gerenciam cidades) podem, sim, ser bem corruptos, como recorte médio. Talvez precisemos de algo mais, do que apenas ficar de olho.
Então, o que temos? Temos o Marcos Guerra, na área tributária (ler O Guaruçá dá trabalho, alguns textos são densos). Temos o Rui Grilo, citado por Maria Cruz, com quem, imagino, será possível conversar sobre Rádio Comunitária. Não os conheço pessoalmente, só por textos aqui em O Guaruçá. E desconfio que temos mais uma porção de gente, cidadãos anônimos à espera de um empurrãozinho.
Nós temos calos. Eles têm calos. Para eles nós somos os outros. Para nós eles são os outros. Não estaria a hora de promovermos uma calibração para, sem maniqueísmo, avaliarmos a calosidade geral e ver o que é possível fazer, para que Ubatuba seja menos choramingação e mais realização?

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá 

Nas calçadas de Ubatuba: Julinho e o muro


Julinho, meu amigo, desça do muro.
Você disse o que tinha que dizer, na parte final de seu parágrafo, em Nobiliarquia de Ubatuba mas escorregou - e feio, a meu ver - quando escreveu na parte inicial "Eu não sei se o que mostra a imagem acima está certo ou errado, se está dentro ou fora da lei e se foi aprovado pela prefeitura ou não".
Faço agora má, péssima comparação: Lula disse agorinha, dias atrás, que as imagens não falam por si só. É preciso apurar. Você diz, mais ou menos, a mesma coisa.
Digo eu, então, que as imagens falam por si, e só então concordo integralmente com a segunda parte de seu parágrafo: "O que eu acho, assim como a nobre senhora, é que realmente é um fato incoerente e de desrespeito com quem usa uma calçada para andar com conforto e segurança. Imaginem a dificuldade que terá um cego, um cadeirante, uma grávida, um idoso ao deparar com veículos estacionados na calçada."
Onde está o equívoco, Julinho? Digo eu: o que mostra a imagem comprova que algo está errado, muito errado. Onde está o erro, quem errou - e só então concordo com você e com o Lula -, é algo a ser apurado. Estando ou não dentro da lei, tendo sido ou não aprovado pela Prefeitura, o que está errado está errado. Falando naquele latinório que os advogados que você citou certamente se deliciarão, non omne quod licet honestum est (numa provisória tradução, pois não sou versado em Latim, "nem tudo o que é lícito, autorizado por lei, é honesto"). No entanto, que não está dentro da lei tenho certeza.
O Código Nacional de Trânsito assegura expressamente o direito do pedestre de se utilizar dos passeios - vale dizer, calçadas. O artigo 68 é muito claro:
Art. 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres.
Na outra ponta, o Código Nacional de Trânsito prevê punição para quem estaciona o carro na calçada:
Art. 181. Estacionar o veículo:
VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou ciclofaixa, bem como nas ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados ou jardim público:
Infração - grave;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - remoção do veículo;

Só para argumentar, porque, tanto quanto você, não sei alguma autoridade aprovou, e ainda que tenha aprovado (Dr. Herbert explicitou bem isso), continuaria sendo algo errado, algo a não ser feito. Concordo com você, e com a nobre senhora, que é um desrespeito a quem tem o direito de usar a calçada para andar com conforto e segurança: o pedestre. E, especialmente, o pedestre com necessidades especiais: o cego, o cadeirante, a grávida, o idoso, o jovem que sofreu acidente de moto e está com a perna engessada, a criança em cujos ouvidos os pais e cuidadores despejam, diariamente, a frase "não ande pela rua, só ande pela calçada!"
Bem, Julinho, o advogado Herbert Marques respondeu ao seu apelo, em Respondendo ao Julinho Mendes e concordou comigo (ou melhor, eu concordo com ele): "Tem razão e não precisa de nenhuma lei para impedir de usar a calçada para esse fim, pois já está implícito em qualquer legislação municipal ser a calçada logradouro público para o uso de pedestres."
E o Luiz Moura, sempre de olho em Ubatuba, em De olho em Ubatuba - 18/12/09 registrou em plena luz do dia o que acontece na rua Professor Thomaz Galhardo, Centro, mostrando a que levam maus exemplos.
Bem, vamos agora ao outro lado do muro?
Gosto muito de O Guaruçá. Acho que este portal não pode virar um muro das lamentações, um espaço exclusivamente para choramingações e denúncias. Há sempre, no mínimo, mais um lado, o outro lado, a considerar. E há sempre o espaço da proposta, do oferecimento de uma alternativa, do pensar coletivamente sobre problemas coletivos. Foi, por exemplo, com satisfação que li, dias atrás, a proposta do Engº Guaracy Fontes Monteiro Filho, em Uma dica para o Prefeito Eduardo Cesar.
Estacionar na calçada não pode. Ponto final.
Então, o que haveria do outro lado do muro? O que fazer com farmácias, padarias, mercadinhos, conveniências em geral? O morador de Ubatuba e o turista precisam de remédios, suprimentos. A cidade precisa de movimentação econômica, nessa área de serviços, que é seu carro-chefe. Espremida entre a montanha e o mar, Ubatuba não tem espaço para agricultura de larga escala nem para indústrias. Sobra o setor de serviços e, sempre agindo dentro da lei, não podemos causar-lhe empecilhos. Mesmo nesse caso acontecem os problemas. Num sistema capitalista usual, grandes áreas de estacionamento agregam importante valor e se caracterizam como diferencial, quando se trata de instalações de varejo. Mas para isso é necessário que haja (além de considerável capital) grandes áreas disponíveis e, em Ubatuba, não há muitas. No centro da cidade, então, muito poucas.
Não há soluções fáceis e mágicas. Mas há critérios técnicos e uma especialíssima ferramenta, o bom senso, que costumam dar resultados. Como não é possível fazer milagres, cabe ao Poder Público ordenar, da melhor maneira possível, o crescimento comercial da cidade. Há um critério simples, daqueles corriqueiros em manuais de gestão do trânsito, de que empresas cujas características importem em incremento de tráfego e estacionamento em regiões já saturadas, só devem receber novo alvará se oferecerem número de vagas e facilidade de acesso (sem atravancar trânsito) compatíveis com as demandas que geram. Esse tipo de política orienta o crescimento da cidade para fora das áreas já saturadas e, em vez de representar um estrangulamento a novos empreendimentos, na verdade representa uma oportunidade, a ser aproveitada pelos empresários que sabem não ser apenas o binômio preço-qualidade o que atrai clientela, mas uma equilibrada relação entre preço, qualidade e comodidade.
Desculpem-me todos, o texto ficou quilométrico, um desafio à sua paciência.
Abraço. 

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá

Ubatuba, Costa Azul. Araraquara, Morada do Sol


Poizé. O Eduardo Souza é um saudosista do rádio, ao que deixou transparecer em Rádio, criatividade e lembranças. Saudosismos levam a saudosismos e, de repente, me lembrei que rádio, a Rádio a Voz da Araraquarense, depois Rádio Morada do Sol, em Araraquara, fez parte da minha primeira atividade profissional. A Rádio Morada do Sol aqui do Litoral Norte é do mesmo grupo. Eu era muito jovem, naquela época, uns 16 ou 17 anos, cabelão comprido, magro. Mas já tinha uns dois anos de estrada em redação de jornal. Guardo na lembrança bons amigos que fiz por lá, incluindo o Anael, meu muito dileto amigo, companheiro da Canastra, minha serra, de minha propriedade, em Minas Gerais.
Saudosismos levam a reminiscências, e personagens e cenas hilariantes se avivam, mesmo nos claudicantes de memória, como é o meu caso. Assim, ponho-me a lembrar do Jonas Tanuri e de seu vozeirão, à solta nos 640 KHz, todas as noites - exceto domingos, que ninguém é de ferro. Findo meu longo expediente, algumas vezes subia a escadaria que levava aos estúdios, para ficar de papo com o Jonas. Aprendi muito com ele, sobre a vida, mas especialmente sobre disciplina do trabalho. Jonas era muito disciplinado, jamais interferia na programação musical e lia, rigorosamente, nos intervalos, sem nunca esquecer qualquer, as mensagens dos patrocinadores.
Era a época dos reclames, textos em pequenas fichas azuis que os locutores liam, ao vivo. Tinha impressionante voz, o Jonas. De timbre grave e aveludado, sem impostar a voz, era de um falar macio, calmo, gracioso. Nosso papo se interrompia toda a vez que a luz vermelha de alerta se acendia, indicando "No ar". E Jonas pôs-se a ler a ficha azul, sobre uma oferta especial das Casas Pernambucanas, alguma peça com o tecido da moda: "Algodão cu infestado, imperdível, por apenas dezesseis cruzeiros". A voz permaneceu imperturbável até a completa leitura dos reclames do intervalo, mas a cara do Jonas ficou vermelha, apoplética. Apagou-se a luz vermelha e tivemos reações diferentes: liberei a dolorida gargalhada que estava a custo reprimindo. E ele desandou a falar impropérios contra o redator do reclame, "aquele carequinha chato!"
Os pouco mais de três minutos da música que estava tocando nos deram tempo de passar a limpo o ocorrido: Jonas não teve culpa, leu exatamente o que estava escrito na ficha azul: o danado do redator dos reclames tinha omitido (por erro de datilografia, é evidente) o "r" de "crú infestado". Disciplinado, Jonas não rasurou a ficha, mas sabia que não poderia mais lê-la naquela noite. Disciplinado, fez um breve relatório no livro de ocorrências e pediu que as inserções das Casas Pernambucanas fossem compensadas nos dias seguintes. Ficou-me a lição: é de caráter pedagógico atribuir a quem cometeu o erro o dever de corrigi-lo. Erros têm consequências nas etapas futuras de qualquer processo e, muitas vezes, quem cuida de apenas um segmento não faz ideia de como pode ser grande o abacaxi de quem cuida dos segmentos posteriores.
Os sérios problemas de saúde de sua velhice roubaram-lhe muito da lucidez e da memória. Mas o Jonas, seu vozeirão, sua postura profissional, permanecem vivos na minha memória, que, reconheço, é claudicante. 
- texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá 

Em Ubatuba: notinhas de falecimentos


Cumpro o pesaroso dever de comunicar o falecimento de meu computador, creio que por causas naturais, em vista da avançada idade de alguns de seus componentes, mas também pela umidade salgada do lugar onde moro, aqui em Ubatuba. Por conta de contratempos, e para bem cuidar de assuntos familiares, não pude dar atenção adequada ao finado, e o mantive provisoriamente na câmara frigorífica digital pro defuntorum. Enfim ressurecto, depois do transplante de alguns componentes, inclusive a BIOS, pude afinal baixar e-mails e ler a revista O Guaruçá, para constatar que Ubatuba continua firme e forte com seus problemas de sempre. Basta ler as últimas postagens do Luiz Moura, sempre De olho em Ubatuba. Lamento ter perdido a comemoração do Dia do Saci Caiçara, pelos Amigos do Museu Caiçara e pelo Grupo Cultural "O Guaruçá", com a participação do Grupo de Contação de Histórias "E quem quiser que conte outra". Oportunamente quero contar sim algumas histórias, temos, eu e a Marlene, algumas ideias sobre isso. Mas desta vez não foi possível: não estávamos em Ubatuba. Só fiquei sabendo do evento ao ler a excelente matéria do Julinho. Perdemos também a imperdível observação de pássaros conduzida pelo Carlos Rizzo, e observem que a Marlene já tinha preparado tripé e máquina. Modestamente, gosto também de caçar pássaros, mas minha grande arma para isso são só os binóculos.


Faleceu também um dos coqueiros nos fundos de casa, de causas desconhecidas, visto que o outro, da mesma idade, continua viçoso. Diz o Osvaldinho que o esqueleto se manterá de pé por muito tempo, mas, assim que cuidadosamente coletar os dois magníficos caraguatás que ele abriga em seu ressecado tronco, vou retirá-lo, para plantar muda nova em seu lugar. Claro, dependerá da aprovação da Marlene, mas talvez plante também dois pés de Coffea arabica sp, café arábica típica. Agradecerei muito se alguém me indicar onde posso obter mudas dessa variedade, geralmente viçosa em locais sombreados. Dizem que havia muitos cafezais por aqui, lá pelo segundo quartel do Século 18.


O mais triste: faleceu uma fêmea de gambá, com os oito filhotinhos que tinha em sua bolsa marsupial. Foram vítimas da Jade, minha cachorra pastor-alemã grande e feroz (que a Marlene registrou em Jade é o nome dela. Ralhei delicadamente com ela, pois é uma idosa já meio cega e surda, e não há como recriminá-la por agir instintivamente e guardar ferozmente seu território. Os gatos da vizinhança são espertos, e eu achava que os gambás também o eram, mas o fato é que algo saiu errado, muito errado. Sempre os alimento, com as bananas de supermercado, nos fundos da casa, onde é frequente vê-los, mas jamais nas proximidades do portão da frente, e não deixo a Jade sair de seu espaço privativo. O Osvaldinho me diz que ainda moram três gambás adultos no forro de casa (toda a noite ouço os ruídos) e tenho certeza de que há filhotes, pois já os vi se esgueirando até mesmo no corredor interno da casa. A reprodução da espécie, portanto, está garantida. Mas de qualquer forma foi chocante o que aconteceu. Nesses momentos fico muito emotivo, e agradeci profundamente o Osvaldinho por ter providenciado os sepultamentos.


Chega de notinhas ruins. Em tempo: minha filha Tatiana fez um passeio fotográfico por Ubatuba e registrou, entre outras coisas, interessantes espécimes de cormorão biguá, ave que já foi objeto de comentário do Rizzo.


Um excelente verão a todos, porque a primavera deste ano grudou-se firmemente na estação seguinte.  

- texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá

Ubatuba lixo. Topa?


Faço referência a “E ninguém reclama...”.
Ué. Como "ninguém reclama"? O Luiz Moura vive reclamando, até parece metralhadora giratória (terei, oportunamente, sugestões a fazer), na seção "De olho em Ubatuba".
"Diziam que o paraíso era aqui", fala você, Adalberto Gastone. Não explicita quem dizia. Faz um bom tempo, bem antes de fixar interesse em ter um cantinho aqui, que leio com avidez o que a internet tem sobre Ubatuba, e muito pouco li sobre paraíso, a não ser paraíso perdido. No entanto, vim para cá, não na falsa expectativa de um paraíso, mas na possibilidade de juntar o existente ao possível e, sim, construir aqui o paraíso em terra, terra e mar, mar e serra do Mar.
A indignação é o primeiro passo. O segundo, percebo em mim pessoalmente, é mais difícil: meter a mão na massa, no lixo, no que fede. Mas talvez (é só talvez) seja o que efetivamente funcione, se for feito coletivamente. Vamos meter a mão na massa, Adalberto? Vamos buscar alternativas viáveis para que possamos nos livrar da sujeira de origem humana, do lixo de origem humana, e vamos deixar os urubus em paz, à cata do que a natureza (com - nenhuma, ou pouca - interferência humana), o mar e a serra lhes oferecem?
Dias atrás tive problemas com meu próprio lixo. O Samuca, caiçara daqui, legítimo, meu vizinho, meu fiel ajudante para poda de grama, recolhimento das folhas de coqueiro e quetais do chamado "lixo verde", perguntou onde jogar tudo aquilo, já que o local antes de sempre, a cerca da chácara do Dr. Osvaldo aqui no Perequê-Mirim, havia sido limpa (pelo poder público, sim, senhor, depois de visita pessoal de Andrade (Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social) e do tenente Carvalho (comandante da Guarda Municipal) quando da campanha "Ubatuba Sustentável", uns meses atrás). Júlia, da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos, funcionária pública de boa vontade, constrangida, sabendo das deficiências da pasta para a qual trabalha, ofereceu solução alternativa: o japonês da estrada Usina Velha, que recolhe esse material para, em processo de compostagem, transformá-lo em adubo orgânico. Miguel, nome lusitano para um simpático japonês caiçara, ainda às voltas com os problemas para certificação ambiental de sua atividade, acolheu o que para todos nós é lixo, dentro de sua proposta de tratá-lo de maneira ambientalmente correta.
Os urubus de suas fotos não são os nossos adversários. Os humanos sim, os que produzem lixo, os que jogam lixo em lugares inapropriados, os que deveriam prover e não proveem o lugar apropriado, os que deveriam fiscalizar e não fiscalizam. Educação talvez seja a palavra-chave. Para nós, para eles, para nosso paraíso caiçara, o paraíso a construir.
Topa?
Talvez sejamos, eu e você (permito-me chamá-lo de você), apenas babacas e estrangeiros lá do "fú do mundo", na classificação talvez xenofóbica do Bacural (“Faz-me rir”) e de outros daqui, talvez possamos ajudar a florescer e a fazer frutificar as mangueiras de Ubatuba (“A vaca do Julinho”). Talvez, não mais do que talvez.
Reitero: topa
- Texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá

Ubatuba: as árvores de Iperoig


Faço referência a "O Dia da Árvore".
Uma contradição ideológica, mas, nem por isso, menos válida. Julinho Mendes nos anuncia duas coisas: plantará sua oitava árvore, e enviará a cada vereador de Ubatuba um pedido de lei para proteção das amendoeiras da orla da praia de Iperoig (do Cruzeiro). Recolhe-se do Anarquismo o princípio da ação direta, pelo qual não se deve delegar a solução de problemas a terceiros, nestes incluídos os políticos e o próprio Estado, mas, ao contrário, atuar diretamente, pessoalmente, como, no caso, plantando sua oitava árvore. Onde? No local anunciado, a praia de Iperoig.
No entanto, peripatéticamente (e sem o extremismo estoico [ai, a reforma ortográfica, saudades dos acentos agudos!] de Sêneca), como convém aos que gostam de passear ao ar livre, nas praias e sob a sombras das amendoeiras, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Lei humana nenhuma impedirá a ação do mar e (espera-se, pela ação direta e, se for o caso, pela desobediência civil) nada impedirá que as mudas de amendoeira sejam plantadas naquele lugar, cabendo à Natureza decidir se o gesto foi adequado ou não. Sem drama, nem dor, nem medo, nas palavras de Almir Sater e Renato Teixeira.
Mas, por favor, motosserra (aijizuis, será que o higienista Chirico vem por aí?) só com muito, extremo, exagerado, critério. É difícil dizer o que vale mais, se uma vida humana ou se a vida de uma árvore. In dúbio, como humano sou, e como tudo o que é humano me diz respeito, fico com a vida humana, mas não desprezo milímetro sequer da vida, qualquer vida, mesmo não-humana vida. Salvo "Perigo real e imediato", que, se muito não me engano, é tradução de título de algum filme hollywoodiano, nada de motosserra, por favor!
É o Dia da Árvore, e não plantei nenhuma árvore. Mas alguém plantou. Que os xamãs dos Bebe abençoem Julinho, ele está plantar.  
- texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá



O Boi de Conchas


Como cheguei há pouco de fora, ainda não conheço direito o sistema de saúde pública de Ubatuba. Talvez esta seja a oportunidade de uma consulta com a Dra. Mônica, no Centro de Saúde do Perequê-Mirim. Talvez ela dê jeito, com seus remédios e medicinas. É que estou de queixo caído. Caiu-me, ao ver, ler e ouvir o Auto do Boi de Conchas. Uma exagerada percepção? Tenho comigo que a resposta é negativa.
Carrego uns certos preconceitos. Um deles é quanto à qualidade de artistas locais, os da terra, qualquer seja a terra. Ao longo da vida e, mais recentemente, participando do convívio de minhas filhas com seus amigos e colegas de escola, cultivei o preconceito quanto a artistas da terra, os violonistas, os guitarristas, os bateristas, as bandas de rock de garagens, o tchac-tchac. Alguns desses artistas até renderam CDs, dos quais, um ou outro, patrocinados por gravadoras ou "gravadoras", conforme se queira. A face mais visível desse preconceito relaciona-se com o tchac-tchac, essa excrescência musical tanto quanto são (ao meu ver) excrescências visuais e ecológicas as "Varandas" de Ubatuba, poluindo e rasgando as encostas que deveriam permanecer Mata Atlântica.
Assim, dentro dessa visão preconceituosa, fui à banca da praça Treze de Maio buscar o "Auto do Boi de Conchas". Rompido aquele infame (mas necessário) plástico que recobre o fascículo, balançou-se-me a visão preconceituosa. O primeiro contato foi com uma ilustração datada de 2004, de Françóis Guérin (nem imagino quem seja). Sua (des)proporção nos corpos e objetos e o colorido aquarelado conferem ao tema uma expressão de autêntico movimento, mas congelado pelo olhar do artista, tanto quanto uma câmera (dessas hoje comuns, digitais) congela a luz num momento perene. Creio que quase (à quarta olhada) reconheci o chapéu do Julinho (que ainda não conheço pessoalmente) num dos personagens retratados. Fiquei, é certo, confuso quanto às (o quê?) esferas (isso mesmo?) luminosas na encosta do morro, mas o próximo carnaval, certamente, desvendará isso. Faço parêntese: não gosto de carnaval, confesso, penitencio-me humildemente. Mas uma vez, faz anos, no Rio de Janeiro em pleno carnaval - ao qual não fui assistir na avenida-passarela - encantei-me com a garotada dos bairros e seu bate-bola autêntico, espontâneo, aquele que fica longe das câmeras da Globo e dos passistas de passarela. E, no entanto, no de 2010 estarei na - onde? onde? cheguei há pouco de fora e não sei - avenida de Ubatuba onde será o desfile.
O segundo contato foi com com o texto da Lenda tal como contada por vovô e levada ao público pelo Julinho, bem como a explicação do porquê de Ratambufe, que a consulta ao Houaiss on line registrou assim: "A palavra ratambufe não foi encontrada". Depois, O Começo, O que Fazemos, e as fotos e textículos (oh, por favor, não confundam U com Alça) elucidativos - mas, palavra, não vi Bado Todão. Ao depois, mas já ouvindo em meu precário som de fones de ouvido direto do computador, o Musical (lenda e introdução), Sumidouro, Seres da Lua Cheia, e por aí vai, e vendo as ilustrações e lendo as letras, fui apresentado a todo o Auto, à estória, à história, ao conjunto todo, e, claro, à música.
Ah, a música! Tenho comigo que há exigentes e indigentes em música e toda uma gama entre eles. Há os que são exigentes, no extremo do espectro, e negam (e argumentam muito bem) valor a Villa-Lobos. Há os que são indigentes, no outro extremo, e não negam valor a nada que lhes caia nos ouvidos, em geral acostumados a - nessa ordem, mas não necessariamente - música comercialesca, sertanejos fajutos, tudo aquilo que dura duas semanas nas rádios comerciais. Procuro, peripateticamente (a virtude não está nos extremos), o que se aproveita aqui, ali e acolá. Mas preconceito é foda (oooopps, f***, em linguagem decente) e fico incomodado com o tchac-tchac. Ah, a música do Auto do Boi de Conchas! Tem sim, um suave, um outro tchac-tchac, que não é aquele do desbunde do baterista, que, quando de ego inflado, faz a indefectível sequência (saudades do trema...) alucinante, progressiva e retumbante. Aos meus ouvidos tal sequência do ego inflado é idêntica a tudo o que veio antes e ao que virá depois. Mas no Auto do Boi não é assim. Ouço Destino do Boi e ouço ritmo, percussão, mas não tchac-tchac: ouço a pureza de instrumentos, e vozes, e um assovio, e magnífico afinado coral, e, sim, ritmo, saído diretamente da música forma e conteúdo.
Abre-se, então, a questão principal, estética, filosófica, da estética musical, e do infindável debate entre forma e conteúdo em arte, qualquer arte, mas especialmente em arte-música. Onde a dialética entre forma e conteúdo se dá de forma um tanto bizarra: o formal, em arte, não é uma estrutura abstrata, vazia, onde passa a residir um conteúdo concreto, mas também não é só conteúdo, nem matéria, a matéria dos signos musicais e dos instrumentos como o desconhecido ratambufe. A estética musical, como de resto qualquer estética, não é universal e atemporal. Fosse, trocar-se-ia "Pela ética na política" que ouvíamos e aplaudíamos, por uma formulação simples assim: "Pela estética na política", pois mentir, enganar e roubar são, simplesmente, coisas feias, ou não-estéticas, ou, para quem preferir, valores estéticos de sentido negativo. Ontem, animados, falávamos em ética. Hoje, meramente em estética na política. E, no entanto, não há lá muita propriedade em falar em ética em arte, mas, talvez, tão-somente, em estética. Ou não? É ética a arte do tchac-tchac, quando cativa o conhecido e estatístico ouvido médio contemporâneo? E, assim, aproveita-se, comercialmente, do que vende? Minha mulher e minha filha Elka, esta fã incondicional da mineira Ceumar, advogam, advogadas que não são, psicóloga uma e bióloga outra, que sem colocar o indigitado tchac-tchac o CD "não vende". Há que obtemperar. Ceumar vendeu, e bem, seu último CD ao som puro de seu violão e algum bem orquestrado acompanhamento, sem o tchac-tchac. Assim entendo a estética musical de "O auto do boi de conchas": não se rendeu ao comercialesco tchac-tchac, ainda que tenha, muito bem colocada, a percussão que inclui percussão clássica propriamente dita e a "muderna" (aqui pode-se falar em "pudê...") bateria, sem o famigerado apelo ao ego do baterista militante. Em uma ou duas palavras, a produção estética musical do "Auto" mantém uma pureza fiel ao espírito do que quer resgatar, a manifestação autêntica desta gente, da nossa gente (já então me incluo), não-comercial e sim folclórica. O valor que disso advém, creio, não será medido pela milhagem de vendas, mas apenas pelo prazer imedível (ministro não podia falar em imexível?) de cada um dos privilegiados que tiverem acesso ao fascículo e ao SMD de "O Auto do Boi de Conchas".
Por final, "Ora, apaga-se a luz dos que não têm o sonhar..." (Abate final). Nós temos o que sonhar. Até mesmo com as mangueiras que, então, um dia, haverão de muito frutificar em Ubatuba, resgatada sua adormecida vocação para o que é das gentes e da terra, os costumes, o linguajar, a comida, o artesanato e até - desabafo pessoal - o convívio com a praga que é esse bichinho díptero do qual, já no século 16, reclamava Anchieta: o borrachudo.

- texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá

Ubatuba: "O vereador quer dar?"


Julinho,
Faço referência a O efeito da vaca deitada.
Não o conheço. Aliás, conheço muito poucos caiçaras, visto que cheguei há pouco de fora, para usar, male-má, a sua linguagem arrevesada. No entanto, sinto-o interlocutor de longa data, amigo até, próximo que me sinto da tribo dos Bebe, ainda que só socialmente. Tive dificuldade em juntar os cacos e ler toda a história do Descobrimento do Brasil (para rimar, gargalhadas mil!), porque os títulos não descrevem a sequência (fosse nos áureos tempos da língua pré-acordo ortográfico o uso do trema seria soberbo: "seqüência"!). E cheguei, então, à presente postagem, sobre "O efeito da vaca deitada". Preocupou-me, a análise. Bem entendido, sei que quem nunca toma mel quando toma se lambuza. No entanto, alguns dos projetos por você anunciados como alvissareiros cheiram bem a demagogia, convenhamos.
Um deles me intrigou muito: "Projeto de lei que cria ’O vereador quer dar’. Trata-se de lei que propõe a cada vereador destinar 30% de seu salário, a entidades ou grupos culturais que queiram promover a arte entre jovens da cidade." Ora, Julinho, lei nenhuma proíbe vereador de dar. Dê o quanto quiser, dentre seus bens disponíveis. Jamais alguém, vereador ou não, esteve proibido de dar. No entanto, obrigá-lo a dar pode ter efeitos deletérios. Lei, se for para não ser cogente, lei não será. Apenas um arremedo, uma daquelas feitas "para não pegar". Ou dá, e a isso será obrigado, ou não dá, e ninguém poderá obrigá-lo. Dá quem quer, para quem quiser. Tomo-me como exemplo, tomo as dores dos mais velhos: já pensou que eu, que nunca dei, resolvo dar e gosto, aos quase sessenta anos de idade? E então descubro que perdi mais da metade, na verdade quase a vida toda, sem dar e sem saber o prazer que significa dar? Protesto. Não gostaria que me obrigassem a dar.
Agora falando sério, eu queria não falar... (só para citar Buarque, o Chico da ilustre família). Ainda que compreensível dentro do conceito da Realpolitik, a apropriação compulsória de um dízimo (um terço seria mais para trízimo...) não parece ser viável, nem justa. Um conhecido partido político, hoje (quase, pois se perdeu na malha das alianças) no poder, instituiu os 30 por cento compulsórios, porque partido desendinheirado, de proletários, para se contrapor a, entre outros, partidos de banqueiros, endinheirados, aquelas coisas de demos, que verdadeiramente são (vide os sobrenomes pomposos, Bornhausen entre outros), mas foi alvo de uma verdadeira caçada pela mídia.
(Refaço, porque ficou, acho, incompreensível: Um conhecido partido político instituiu os 30 por cento compulsórios mas foi alvo de verdadeira caçada pela mídia.)
Por que? Porque de nada adianta doar (compulsoriamente, o que equivale a não doar, mas a ser espoliado) 30 por cento de seus subsídios pessoais se a máquina, de uma forma ou de outra, o alimenta através de valeriodutos ou artimanhas outras. Insisto: ou dá porque quer, ou não dá, mas jamais use, para dar, o (dizer ou não dizer, eis a questão... o cu) dos outros. Ou dá, voluntariamente, de seus próprios e, portanto, recursos próprios, ou não dá. Os outros recursos seriam os públicos, os do povo, os dos contribuintes, os meus, os seus, os nossos. Se for assim, melhor melhorar para tornar melhor a lei: reduza-se em 30 por cento o percentual destinado ao Legislativo, criando-se vinculação: dos (entre 2% e 4,2%, faixas usuais, e, confesso, porque cheguei há pouco de fora, não sei quanto é em Ubatuba) percentuais previstos para o legislativo, do orçamento municipal, a parte retirada será destinada exclusivamente a "entidades ou grupos culturais que queiram promover a arte entre jovens da cidade."
Julinho, convenhamos, a proposição, mesmo assim, é falha. Querer é uma coisa, assumir o compromisso de fazer é outra, e fazer efetivamente é outra ainda. Quer promover? Promova! Quer promover com meu (seu, nosso, do povo) dinheiro? Promova, mas defina a quem, previamente, e me (a mim, a nós, ao povo) preste contas. Isso abre outra interessante questão, em vista da 5ª Caiçarada. Quais seriam as "entidades ou grupos culturais" que queiram, e mais do que queiram, promovem, a arte entre os jovens da cidade? Você m’as (me as) pode citá-las? Devagar com o andor, porque o santo é de barro, Julinho. Ainda mais se o andor for carregado pela tribo dos Bebe, à qual, afirmo afirmativamente, bem afirmado: pretendo intregrá-la, se tal honra me dada for.
Abraço
- texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruçá

Os carros-discoteca em Ubatuba


http://www.ubaweb.com/revista/g_mascara.php?grc=27396
Cristiane,
Concordo com o presidente da ACIU, quanto aos carros-discoteca. Mas discordo que a falta de repressão tenha a ver com o contingente pequeno de policiais. Outras cidades, com os mesmos problemas de contingente insuficiente, resolveram esse problema. Cito exemplo que conheço: Assis, no sudoeste de São Paulo. Depois de anos convivendo com o problema, a vontade política uniu Prefeitura, Polícia Civil e Polícia Militar e, subsidiariamente, a Guarda Municipal, a partir de reclamações encaminhadas pelo Conselho Comunitário de Segurança. A verdade é que, naquela cidade, foi a iniciativa pessoal do prefeito que deu impulso à solução. Ele exigiu um "basta" à situação, argumentando que não seria necessário colocar todo o contingente o tempo todo para acabar com o problema. Bastaria uma bem articulada operação entre os agentes de segurança, bem como ampla divulgação pela mídia, para que, a partir de poucas apreensões de veículos, o problema acabasse, pelo efeito amplificador da divulgação das punições. Mas, para isso, foi necessário um período (curto) de "tolerância-zero", inclusive quanto aos "filhinhos de papais" - e aí está uma questão importante: nem todos os carros-discoteca são de turistas ocasionais. O quanto Ubatuba está disposta a enquadrar seus próprios moradores mal-educados? Apenas como complemento, a medida não impede que os aficionados do som automotivo realizem, anualmente, um grande encontro regional no recinto de exposições da cidade (que fica em lugar bem afastado de áreas habitadas), com direito ao som e ao volume que seus ouvidos aguentarem.
Saudações,
Elcio Machado
- texto publicado originalmente na revista eletrônica O Guaruçá

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ubatuba exibe folclore e cultura caiçara

Depois de muito tempo relegado ao ostracismo, no que não difere dos milhares de blogs, estes Exercícios de Cidadania estão de volta. Mas com novo foco: não mais Assis (SP), e sim, agora, Ubatuba (SP), sem se desviar de sua proposta, a de ser um ponto de vista do cidadão comum e um espaço para opiniões, onde o leitor esteja à vontade para comentar. Ou para responder, em nova postagem.


Neste retorno, o exercício da cidadania de se aproveitar de um espaço público para ficar embevecido com a surpreendente vitalidade da cultura popular: o Sobradão do Porto.

Boi de Conchas

Em Ubatuba (SP), o pequeno auditório da Fundart, no Sobradão do Porto, sábado, dia 19 de setembro de 2009, foi o palco para o lançamento de "O Auto do Boi de Conchas", pelo Grupo Folclórico Alegórico O Guaruçá. Trata-se de um fascículo de primorosa realização gráfica, que inclui um SMD grátis, ao preço de R$ 6,00. O Grupo, sob a direção de Julinho Mendes, optou por contar uma breve história de suas realizações, antes de apresentar parte do conteúdo musical e visual do Auto, texto do próprio Julinho, que fala sobre nascimento, vida, morte e ressurreição do Boi de Conchas. Pouco mais de 120 pessoas presentes, grande parte familiares e fiéis admiradores do trabalho do Grupo O Guaruçá, o pequeno auditório ficou lotado, propiciando uma interação imediata entre os músicos, cantores, atores brincantes e folcloristas de um lado, e a entusiasmada plateia de outro. O ambiente era favorável, decorado com alegorias, estandartes e motivos que contavam um pouco da história das formas de expressão de O Guaruçá -- cujo nome deriva da revista eletrônica homônima, no site www.ubaweb.com --, como Bloco Carnavalesco, Folia de Reis, as alegorias para a Festa do Divino Espírito Santo, e, especialmente, o Grupo Folclórico embasado na cultura caiçara -- e caiçara é o povo do mar, gente da serra é caipira. No entanto, como a cultura popular não tem fronteiras rígidas, o próprio Auto do Boi de Conchas é a integração entre essas gentes, a lenda do boi que, nascido no alto da serra, conheceu o mar, onde morreu e, ressureto, é visão para quem toca ou canta na beira da praia.

A introdução histórica do grupo se deu através de um seleto resumo musical e visual dos cinco anos de sua existência, a partir do movimento Pirão Geral de 2003. O trabalho musical apresentado foi primoroso, revelando maturidade e um acurado cuidado com os arranjos, com especial destaque para o emprego da percussão e do coral de vozes femininas, cuja harmonia e impecável senso de integração ao espetáculo demonstram cuidado técnico que não se alcança do dia para a noite. Os atores brincantes, do idoso Ferrinho à menina Maria Fernanda, fizeram composição, com suas alegorias, volteios e expressões, com o todo musical em palco, revelando a essência da proposta folclórica do Grupo.

A linguagem, como diz a própria descrição no fascículo, é contemporânea. A cultura popular não é estática, imóvel, com cheiro de mofo de museu tradicional. É ágil, viva, dinâmica, como o cheiro acanelado das folhas espalhadas no pequeno auditório. A par da pureza e ingenuidade das lendas, está um criterioso trabalho artístico que certamente consumiu horas de pesquisa, ensaio, confecção das alegorias, mas, principalmente, uma visão lúcida dos objetivos e dos caminhos a seguir. O todo integra a tradição oral, muito frágil e que somente sobrevive da voz do avô para os ouvidos do neto, à percuciente observação do que ainda é resgatável e aquilo que integra o novo da cultura. O próprio ratambufe, apresentado no espetáculo, criação caiçara recente -- se considerarmos que a história de Ubatuba remonta ao descobrimento do Brasil pelos europeus --, mostra essa dinâmica.

As lendas retratadas pelo Grupo, entre as quais a metade dragão, metade serpente da Gruta que Chora, fazem contraponto ao contemporâneo, à redescoberta de Ubatuba como a terra dos pássaros, observáveis e fotografáveis, à nova e lendária realidade do tangará-saltador, ave-símbolo da cidade e que, na expressão de O Guaruçá, é um pássaro abençoado: quem o vê e ouve é tomado por uma alegria contagiante, irreprimível!

O que disso resulta de importante não é só para agora, o deleite acessível hoje a partir dos espetáculos e do SMD de O Guaruçá. É, certamente, referência e fonte de pesquisa, perenizada em meio digital, para as gerações imediatamente futuras, e aquelas futuras de longo prazo, que nossa escassa sobrevida só permite imaginar. Ao retratar, reproduzir e preservar a cultura caiçara, o grupo O Guaruçá está, ele próprio, produzindo cultura e fazendo a história do povo caiçara.

O Grupo Folclórico Alegórico O Guaruçá tem endereço na internet. É necessário ter uma conexão de internet rápida (coisa rara na própria Ubatuba,. onde os excluídos digitais abundam), mas vale a pena conferir e ouvir as faixas de O Auto do Boi de Conchas, disponível em    http://www.oguaruca.com/
.