quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ubatuba gasta com assassino do português?

Reprodução 
Trecho da página inicial do endereço www.camaraubatuba.com.br. - 
Imagem: © Reprodução

O Moura não sabe, e nem eu, quanto custará ao povo de Ubatuba o site paralelo (por enquanto convivem os dois) provido por "siteoficial.ws", desenvolvido por "br4|marketing". Quase tudo como dantes no quartel de Abrantes. Mas, e sempre há um "mas", no novo site assassinaram o português. Não, nenhum bigodudo Manuel de tamancas: a língua portuguesa: "Bem-vindo à Ubatuba". Poderia ser "Bem-vindo à cidade de Ubatuba", mas não se trata de cidade. Trata-se de município e, portanto, o correto é "Bem-vindo a Ubatuba", na chamada principal da página principal. Ubatuba, que não é cidadezinha, não merece isso.
É um minúsculo detalhe? Nem tanto. Quando se paga por algo, paga-se por qualidade, tudo isso tem a ver com Educação. Como qualquer pessoa comum do povo, eu próprio ou qualquer vereador, pode errar no português. Mas quando escrevo aqui, mesmo como cidadão, por se tratar de veículo cujo conteúdo é oferecido ao público, ainda que gratuitamente, preciso tomar alguns cuidados. O vereador, quando em plena sessão confunde "ao encontro" com "de encontro", também deveria tomar alguns cuidados. E o redator do novo "site oficial", presumivelmente contratado, pago para realizar um trabalho, deveria tomar muito cuidado, porque presume-se tratar de um profissional.
Mas concedo. É detalhe, não minúsculo, mas é detalhe. A questão de fundo é a falta de consistência do portal oficial do Poder Legislativo de Ubatuba (e não da Ubatuba). Continuam os problemas de antes, no quartel de Abrantes: desatualização do conteúdo. Nem a Ordem do Dia da sessão desta terça-feira estava publicada às 13h30 desta terça-feira. O Regimento Interno, peça legal principal para o funcionamento da Câmara, continua o "ri_prov20070820.pdf", o "provisório" de 20 de agosto de 2007, todo rabiscado por alguém, mais parecendo uma apostila escolar, e cuja leitura não tira dúvidas quanto ao que vale e quanto ao que não vale.
Em tempo, ainda que fora de tempo. No site não consegui obter, mas o Moura conseguiu e publicou aqui, em O Guaruçá: a ordem do dia da sessão desta terça-feira, dia de jogo do Brasil na Copa.



- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça
16/06/2010

Ubatuba sofre mais um apagão da Telefonica


Ubatuba sofreu mais um apagão dos serviços da Telefonica, no domingo. Sumiram os sinais do Speedy e da Telefonica Data (ISP da Trix, via rádio que tenho aqui em casa), deixando toda a cidade sem internet por mais de seis horas, entre pouco antes de meio-dia e pouco depois das 18h. Mas não foi só: aqui no Perequê-Mirim (e suspeito que em toda a cidade) os telefones fixos só faziam chamadas de três algarismos (emergências, 190 e 193, por exemplo), mas nem o 10315 funcionava: só sinal de ocupado. O 190 é atendido por uma central em São José dos Campos, o que indica o funcionamento de pelo menos parte do sistema. Mas outra parte também deixou de funcionar: meus celulares Vivo ("Uma empresa Portugal Telecom e Telefónica" de Espanha - cinco séculos depois, outra invasão ibérica predatória na América do Sul).
Aqui ainda é terra de ninguém: o segundo apagão em dois meses e a Telefonica prestará contas a ninguém. Nós, pobres usuários, jamais ficaremos sabendo o que aconteceu. As "otoridades", bem, estas não se preocupam muito (nem pouco) com essas coisas. O Ministério Público, só se for formalmente acionado e, mesmo quando isso acontece, não é garantia de que vá dar em algum resultado. Anatel? Só no dia em que anão der conta de bater em gigante.
Simplificando: cá estou a choramingar, o que é coisa muito feia. Mas, por favor, entendam: é só um desabafo, de quem nada pode fazer a não ser xingar a Telefonica.
Bem, vamos esclarecer: é só de birra que não uso acentos quando se trata de Telefonica. Porque a grafia correta seria a espanhola, Telefónica. No logotipo da empresa espanhola, o mesmo usado no Brasil, o acento agudo na vogal "o" é artisticamente realizado com uma extensão da curva superior da consoante "f" que a antecede. A grafia aportuguesada seria Telefônica, mas, apesar do gigantismo da multinacional, presente em 25 países, é apenas uma Telefonica, que se pronuncia assim: "telefoníca". É grande, mas falta-lhe grandeza. A grandeza (que é o mínimo exigível) de prestar adequadamente os serviços que diz oferecer.
No mais, tento me recuperar de uma gripe que me deixou astênico, improdutivo. O rasgo de indignação de hoje é um bem-vindo sinal de recuperação.


- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 
 15/06/2010

Sou amigo da figueira e do saci

 
Faz um tempo chuvoso e deu uma boa esfriadinha. Fiquei uma semana inteirinha (e mais uns dias) de cama por causa de uma gripezinha comum qualquer. Na semana seguinte foi a vez da Marlene. Mas hoje, 4, mesmo ainda sem qualquer ânimo, precisarei rodar uns 12 quilômetros para ir ao centro da cidade, atender a chamado do Julinho, para manifestar minha amizade à figueira da rua Cunhambebe. De passagem, é bom lembrar, já sou amigo do Saci, não exatamente daquele que mora na árvore da rua Cunhambebe, mas me dou bem com todos eles. Cumprimento-os, aceno-lhes amistosamente, às vezes respondem, às vezes não, às vezes dão apenas grossa baforada no cachimbo que sempre lhes pende da boca. Tem um que vem aqui em casa.
Sou amigo da figueira porque, na verdade, sou amigo de qualquer árvore. Já plantei algumas, ao longo da vida, mas sinto-me permanentemente em débito: poderia ter plantado mais, e mais. Poderia também ter plantado menos: algumas que plantei não faziam parte do ecossistema, foram equivocadamente introduzidas onde não deveriam estar. É que esse tipo de consciência, mais apurada, só de uns anos para cá fui adquirindo.
Enquanto isso, as coisas acontecem, em Ubatuba e na região, e sinto-me sem pernas para acompanhar. Eta gripe forte e debilitante! Atrofia músculos e neurônios. Coisa muito chata.


- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça
 05/06/2010

Ubatuba, ubatubância e baixa autoestima

 
Assino embaixo, o que escreveu o culto prosador Eduardo Souza. Especialmente quando se refere a estereótipos: "Cansei desses estereótipos, desse achincalhamento de ubatubanos e ubatubenses."
Em vista de tantos problemas que afligem Ubatuba, da falta de políticas públicas consistentes, da pequeneza da política local (que beira à mediocridade), das dificuldades econômicas de uma região que depende de recursos da sazonalidade turística, não fica difícil compreender a baixa autoestima que acaba por contaminar alguns ubatubenses. Surgem, então, expressões como "cidadezinha" e "ubatubância". Não são apanágios exclusivos dos caiçaras. Em muitas cidades do interior paulista, menos dependentes da sazonalidade turística, também são encontradiços casos de baixa autoestima, em geral causada pela mesma percepção daqui, de que a cidade anda para trás ou, no máximo, de lado, qual siri; de que grassa a corrupção, de que os caciques de sempre fazem sempre o que querem.
Há um problema sério: Ubatuba não tem como discutir-se a si própria. Não há espaço minimamente organizado onde se possa debater ideias, sem troca de ofensas. A Câmara Municipal poderia ser esse espaço. Mas ela abdica, cada vez mais, de suas altas funções, para ficar apenas na política nanica. Ao Executivo municipal só interessa o oba-oba, o culto à personalidade e adoração de egos "super" inflados, a foto oficial do sorriso impecável em cada órgão municipal ou não, a arrogância (que embute um embuste) da frase-símbolo da administração. Não há espaço para diálogo, porque falta humildade.
A imprensa poderia ser o espaço para Ubatuba debater-se a si própria. O problema é que é difícil falar em imprensa, quando se trata de Ubatuba. Boa explicação sobre isso está no Observatório da Imprensa, opinião do advogado e jornalista Rogério Tavares. Melhor usar a expressão mais genérica "mídia", que abrange jornais, revistas e publicações eletrônicas, que, no entanto, padecem dos males descritos pelo advogado: "Do outro, está o resto, que se dedica à produção e a veiculação em massa de palpites, boatos, fofocas, especulações e intrigas, ou ainda à difusão de grosseira publicidade comercial ou eleitoral, do engodo, da farsa, da mentira e da manipulação, quando não faz a opção pela injúria, a difamação e a calúnia". Como é da cultura da cidade e de todo o Litoral Norte, ninguém escapa, nem mesmo o "único diário" da região, que reserva ínfimo espaço para Ubatuba. E nem mesmo nossa oca eletrônica, O Guaruçá, escapa do tom agressivo e intolerante, apesar de ser o único veículo onde se pode ler diversidade de ideias. Também pesa a seu favor recusar-se a integrar a rede de propaganda que é a publicação da maior parte dos releases da Prefeitura. Então, a mídia submissa de releases municipais também não serve como ponto para debates.
De blogs pouco há a falar, pois são manifestações pessoais, personalíssimas, não têm a universalidade de posições que a imprensa - a verdadeira - tem. O blogueiro, monocraticamente, decide o que publica e o que não publica, mesmo que seja um simples comentário. Ainda assim, os blogs cumprem seu papel, que certamente não é o de ser um grande fórum público de debates, ainda que alguns tentem.
De ONGs, ou OSCIPs, também pouco há a falar, porque geralmente se encasulam em seus próprios nichos e projetos, vendo apenas segmentos onde há um mar vasto mar de água e gente e uma vasta cadeia montanhosa. Também costumam se abespinhar à menor crítica, pois consideram-se proprietárias e guardiãs da verdade universal, ao tornarem-se autorreferentes. Além, claro, em sua imensa maioria, de beberem recursos da grande fonte que é o Poder Público, seu esteio de sustentabilidade. Não são o espaço para a troca de ideias, são espaços para pregação.
E, falando em pregação, pregador, pastor, padre, Igreja, a católica já foi, em um momento recente definido da história deste País, um espaço para debates, até trombar com o conservadorismo do adorado papa João Paulo II, grande incentivador da Opus Dei, tão na mira do ícone do jornalismo Alberto Dines. As evangélicas passam ao largo do diálogo, historicamente.
Com tal quadro e como a propaganda oficial, de tom ufanista, não tem o condão de esconder a realidade, não é surpresa que a autoestima ubatubense ande em baixa.
Sempre falo, e é verdade, cheguei há pouco de fora. Tenho título de "Guaruçá Honorário”, gentilmente concedido pela Marisa Taguada. Mas ubatubano jamais serei. No entanto, talvez, longinquamente, possua intrínseca ubatubância. Mas o que cultivo mesmo, tento cultivar, é ubatubanidade, coisa dos caiçaras mais simples e que pode, às vezes, ser confundida com ubatubância.
O fato é que, mesmo tendo declarado seu pendurar de chuteiras, Eduardo Souza (mas não César) não as pendurou, como mostra sua resenha. Está na trincheira, na boa trincheira. Que continue assim, enquanto há mínima trincheira para possibilitar a expressão de ideias.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça
30/05/2010

Burras do Fehidro no Cuidágua Indaiá

 
Foi possível notar uma certa perplexidade da coordenadora, a bióloga Alessandra Panza. No entanto, como o trabalho apresenta as características de seriedade, tenho certeza de que ela entenderá que, às vezes, a melhor contribuição que alguém estranho ao projeto pode dar é uma crítica honesta, ainda que contundente. Dizer em meio a sorrisos que está tudo bem e sonegar uma opinião ao Outro pode ser bom para amizades superficiais, mas não ajuda a avançar. De qualquer forma, a crítica oferecida foi uma opinião, nada além disso.
É que, na apresentação, sábado, da segunda fase do Cuidágua Indaiá, projeto desenvolvido pela Associação Socioambientalista Somos Ubatuba - ASSU com recursos do Fehidro, após brevíssima exposição do projeto e suas etapas houve uma dinâmica com o pequeno grupo de moradores do bairro, boa parte crianças. Os ensaios e os cuidados de produção ficaram evidentes, mas o tipo de dinâmica adotada tem um problema: não pode ser muito curta, comprimida, e funciona com grupos homogêneos de pessoas que previamente tenham sido apresentadas entre si, grupos que tenham, ainda que rudimentar, alguma maturação. O resultado é que, se a mensagem afinal foi parcialmente compreendida, apesar dos esforços a interação deixou a desejar. Uma pena, o belo acompanhamento musical perdeu impacto, porque se tratava de letra e melodia desconhecidas pelos presentes, que estavam sendo concitados à prática de outras atividades simultâneas.
A breve descrição do projeto mostrou que a primeira fase já foi realizada - faltando ainda a apresentação de relatorias. A principal atividade foi a de levantamento de campo e entrevistas estruturadas com moradores dos bairros nos quais se desenvolve o projeto, Perequê-Açu, Barra Seca, Taquaral, Casanga e Sumidouro. O mapa de pontos positivos e negativos nas margens do Rio Indaiá e do Ribeirão Capim Melado, que formam a segunda bacia hidrográfica em densidade populacional de Ubatuba, é de bom nível de detalhamento, mostrando onde são os pontos de desmatamento da mata ciliar, ocupações irregulares nas margens do rio (o Ribeirão é tributário do Indaiá) e manguezal, locais onde são depositados lixo e entulho, e pontos onde esgotos domésticos são lançados nas águas. No entanto, a avaliação não foi de todo ruim: a conclusão geral é de que há, sim, problemas com o Indaiá, mas ele ainda pode ser usado para abastecimento de água à população, desde que haja tratamento dessa água.
A segunda etapa, ora lançada, prevê oficinas nos bairros, bem como gincanas para expor os problemas e disseminar ações para preservação dos recursos hídricos. As escolas municipais e entidades comunitárias serão foco dessas atividades.

A terceira etapa, a última, pretende implantar planos de ação, com cursos de compostagem, fossa séptica, saneamento ambiental, reciclagem (inclusive com produção de bens artísticos) e agroecologia. Também está prevista dição de livreto, com encarte infantil, sobre gestão participativa da bacia hidrográfica do Rio Indaiá/Capim Melado, disponibilizando as informações obtidas às comunidades do Litoral Norte.
Entre as duas etapas, está em projeto um documentário sobre o Cuidágua Indaiá, junto com o Coletivo Arte e Realejo Filmes.
O que chamou a atenção no lançamento da segunda fase foi a falta de adesão das comunidades envolvidas. Além da pequena presença dos moradores, nem os cinco estudantes contratados em fase anterior para fazer as entrevistas estruturadas estavam suficientemente motivados para ir ao evento. Alessandra disse que o Cuidágua não pretende resolver todos os problemas e reconheceu que buscar a adesão das comunidades não é tarefa fácil, mas que, com o tempo e as atividades previstas, alguns resultados serão obtidos.
Ainda não tenho opinião formada sobre ONGs que pregam sustentabilidade, palavra-conceito do momento, mas que têm dificuldade com sua própria sustentabilidade, porque não conseguem apoio diretamente das comunidades interessadas. Então, resta apelar para as burras do Poder Público. É o que acontece com o Cuidágua Indaiá, recursos da ordem de 130 mil reais do Fundo Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo - Fehidro, para um projeto de dez meses. No entanto, há, como sempre, a burocracia emperrada, que às vezes faz o que precisa fazer - tomar prestação de contas da utilização dos recursos, trimestralmente, antes de liberar nova parcela - mas que demora: a prestação de contas foi em dezembro, mas a liberação da nova etapa de recursos só aconteceu agora.
De qualquer forma, meno male, são recursos que chegam à cidade, e, através do Fehidro, não é a primeira vez. A própria ASSU já realizou dois projetos, um deles semelhante ao do Indaiá (foi na bacia do rio Grande), com repasses do Fundo.
Imagens de satélite
O que foi vendido pelos releases oficiais para a sexta-feira, dia 21, dentro da programação do Festival da Mata Atlântica, foi uma palestra sobre monitoramento de floresta utilizando imagens de satélite, com o título “Mata Atlântica: A Floresta vista do Espaço”. Na verdade, não era bem uma palestra, mas uma atividade destinada aos alunos de Tecnologia de Meio Ambiente da Escola Técnica. Ministrado pelo geógrafo René Novaes e pela bióloga Verônica Gama, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o evento foi no Ubatuba Palace Hotel. Tema interessante, bastante técnico, para enfado de boa parte dos alunos, cuja pressa era em obter o certificado das tantas horas para compor currículo. Poucos mostraram real interesse pelo tema e houve pouquíssimas perguntas aos especialistas, algumas delas formuladas por não estudantes.
Dei uma olhada nos sites indicados pelo geógrafo René, cadastrei-me, não tive dificuldade de acesso ao programa GIS Spring, gratuito e desenvolvido pelo próprio INPE, mas nada de conseguir as fotos de satélite que, asseverou ele, estão disponíveis ao público. É que acontece algum mistério, mesmo feito o login a página recusa-se a abrir o carrinho de "compras", os pedidos das fotos. O lado bom é que o geógrafo deixou e-mail e telefone para serem usados em caso de dúvidas.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 24/05/2010

A Bandeira do Divino e a jiçara


O som da rabeca, acompanhando as cantorias da romaria do Divino Espírito Santo, chegou aqui em casa. Foi na manhã de domingo, dia 16, no Perequê-Mirim. Bem, não foi exatamente aqui: foi na casa da frente, da dona Celeste: rabeca, violão, vozes masculinas e femininas, os romeiros levaram a Bandeira do Divino para o interior da casa, que foi abençoada.
Dona Celeste Augusta de Oliveira Maia nasceu em Redenção da Serra, onde, 60 anos atrás, casou-se com com o Seu José Francisco Maia, de Pindamonhangaba. O casal morou em Itu, São José dos Campos e Taubaté, antes de mudar-se para a Enseada, em 1963. Dona Celeste e Seu José ficaram pouco tempo na Enseada: quando o filho Osvaldinho ainda era um bebê mudaram-se para o Perequê-Mirim, onde se estabeleceram definitivamente. Muito católica, Dona Celeste sempre participou das atividades da Igreja e da comunidade, e muitos aqui do Perequê-Mirim a consideram como uma verdadeira mãe. É muito respeitada e querida aqui, dona Celeste, hoje adoentada. Teve 14 filhos de seu casamento com Seu José, dos quais oito estão vivos. O casal sofreu a penúria de um sistema de saúde muito deficiente, que ceifava a vida das crianças numa proporção muito elevada. Felizmente hoje não é mais assim.
O lutiê de rabeca destas terras, Mário Gato, acompanhou a Peregrinação da Bandeira do Divino. Se em abril de 2007 o folclorista Nei Martins disse que se tratava da 141ª Peregrinação, então a Bandeira da pomba branca adornada com sete fitas coloridas está, pelo 143º ano, visitando os bairros de Ubatuba. Mário Gato aprendeu a arte diretamente do mestre Ricardo Nunes Pereira, que faleceu recentemente. Felizmente, não se perdeu a técnica nem a memória da rabeca, instrumento introduzido na península ibérica pela cultura árabe e trazida para o Brasil pelos portugueses. A Fundart tem página sobre isso. O Julinho Mendes escreveu sobre rabeca e rabequeiros em março de 2006 e agorinha, em abril de 2010. Os arquivos do portal UOL conservam uma página da edição 197 do jornal A Semana, que conta um pouco da história do mestre Ricardo.
Mário me falou um pouco sobre a tradição do Divino. O transporte é provido pela Fundart e os peregrinos do Divino, que não são esmoleres, aceitam a esmola oferecida de coração pelas casas onde passam: mantêm a dignidade e, com ela, a tradição, pois antigamente a Bandeira saía pelos bairros em toda a orla e os peregrinos não tinham como voltar para casa, precisavam comer e pernoitar. Ele disse que a esmola pode ser um alimento, algum dinheiro, ou muito dinheiro. E sonhou: um milhão de reais. Por que não uma esmola desse tamanho? Seria possível, com um valor dessa ordem, instituir um programa permanente de ensino da arte da rabeca e atividades de preservação da riqueza folclórica presente nas festividades religiosas caiçaras. E mais um mundo de coisas. Pena que o último mecenas de expressão nestas terras, o Ciccillo, seja hoje apenas uma lembrança.
Jiçara
Ouvimos outros sons interessantes no domingo. É que fomos, eu, a Marlene e minha sogra, Irene, à 2ª Festa da Jiçara, no Sertão do Ubatumirim, realizado pelo IPEMA – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica, em parceria com as comunidades, com a Akarui, Fundação Florestal, através dos Núcleos Picinguaba e Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar, das Prefeituras de Ubatuba e de São Luiz do Paraitinga. E com patrocínio da Petrobras, que contribuiu para cobrir os custos, estimados em uns 12 mil reais por Lenina, a assessora de comunicação do IPEMA.
Não, não está errado: é jiçara mesmo. O Instituto, que se dedica à preservação ambiental, deu nome oficial à festividade optando pelo vocábulo "juçara", palmeira nativa da Mata Atlântica cujo nome científico é Euterpe edulis e que demora uns seis anos para começar a produzir. Acontece que muitos caiçaras têm a mania de falar "jiçara". Até falam em "juçara" para os "estrangeiros", mas recusam-se a deixar que se perca o familiar som "jiçara".
Bolinho de inhame com jiçara, licor da jiçara do pessoal da barraca de São Luiz do Paraitinga, mel de Saci com gosto de jiçara, frango com jiçara, café com jiçara, bolo de laranja com cobertura de calda de jiçara, um mundo culinário dedicado à jiçara, em onze barracas das comunidades participantes, de Ubatuba, São Luiz do Paraitinga, Paraty. Todos comemorando a safra da jiçara, que rendeu umas duas toneladas aqui, este ano. Houve troca de sementes e mudas da planta entre as comunidades, troca de experiências culinárias e até de tecnologia de despolpamento, com uso de uma máquina feita à base de motor, polia e com estrutura de canos de ferro.
Mas a alegria da festa foram as cantorias e as danças. Não vimos todas. Marlene registrou os Tambores da Fazenda na dança do coco, com o magnífico vocal da Graziele. O Grupo de Samba do Quilombo do Campinho, de Paraty (RJ) levantou poeira. A festa teve bingo, teve rabeca, adentrou a noite, muito animada.
Não consegui conversar com o presidente do IPEMA, Alex. Não estava presente, não mora mais em Ubatuba. Responde pelo Instituto o secretário executivo Marcelo Bueno, mas também não consegui falar com ele. Quem deu informações foi a assessora de comunicação Lenina. Indaguei a razão de ter sido contratado como locutor um jornalista de São Sebastião, Ivan Quadros, que também tem programa em rádio de Caraguatatuba, patrocinado pela Petrobras. Por que não alguém da comunidade (mesmo que fale "jiçara"), ou, mesmo, de Ubatuba, onde sustentavelmente se fecha o fluxo do dinheiro? Lenina disse que foi uma "emergência", que os de Ubatuba (som, equipamento, e locução) não estavam disponíveis, talvez comprometidos com outros eventos.
Bem, não chegou a confundir Jesus com Genésio, mas caiçara com carioca, coxinha de juçara em vez de frango com jiçara, coração de bananeira, aquela ponta do cacho, com "coração de banana", essas confusões aconteceram. Fora aquela palavrinha difícil, um dos parceiros, Akarui.  Acontece! E talvez seja o ônus de contar com o patrocínio da Petrobras, que distribui verbas por toda a região, mas costuma se esquecer de Ubatuba.
A 2ª Festa da Jiçara ainda teve rabeca. Em Portugal já está praticamente extinta a cultura da rabeca, substituída pelo violino comum. Quem sabe não percamos também para o violino comum o lugar que, teimosamente, hoje ainda é da rabeca caiçara, na medida em que passemos a aceitar juçara para designar a jiçara...

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça  

19/05/2010

Bicalho é o nome na Santa Casa de Ubatuba


Não, não se trata do Doutor Bicalho, que vive aqui, em O Guaruçá, trocando figurinhas com o Palombeta. Nem tampouco, provavelmente, o Bicalho do twitter, febre (o twitter é a febre) do momento. Nem ainda Daniel Bicalho com currículo no CNPQ.
A propósito, nem tampouco o argumento "Vítor Ferreira" teve resultados no sistema de buscas do CNPQ.
Isto tudo não quer dizer muita coisa. O CNPQ (Plataforma Lattes) registra e disponibiliza o currículo de quem lá se registra, necessariamente os que têm vida acadêmica, e apenas isso. Pesquisar o nome da Marlene será uma coisa, mas só pesquisar por "Elcio Machado" (literal, entre aspas) e nada, absolutamente nada, haverá lá, o que não quer dizer que eu não exista, nem diz sobre o que produzo. Mas também jamais fui contratado por "notório saber" em lugar nenhum, nem mesmo aqui em O Guaruçá, onde, a propósito, nem fui contratado, mas meramente convidado para ser colunista, $ zero na contabilidade do Moura, na minha e na da Prefeitura, condição pétrea, que não estou à cata de dinheiros (nem de votos), mas apenas exercitando, como cidadão comum, a... a cidadania.
O Bicalho do título acima: trata-se de Daniel Bicalho, com formação em Administração e especialização em Gestão em Saúde, segundo informou Vítor Ferreira, secretário-geral da Cruz Vermelha Brasileira, lotado na filial Maranhão, e signatário, representando sua instituição, no contrato firmado com a Prefeitura para a administração da Santa Casa de Misericórdia Nosso Senhor dos Passos de Ubatuba. A cadeira do dr. Enos Arneiro foi ocupada, na manhã desta segunda-feira, pela figura jurídica Cruz Vermelha - Filial Maranhão, através de um Conselho da Cruz Vermelha, cujo coordenador é Bicalho. Um colegiado, portanto. Vitor Ferreira, na condição de supervisor (deste e de outros contratos), estará presente nos momentos necessários, mas não residirá em Ubatuba.
Sandra, a telefonista da Santa Casa, não soube dizer e passou para Regiane, da Administração, que também não soube dizer: como, logo às 8h30 da manhã desta segunda-feira, saber quem respondia pelo hospital? Mas às 10h30 Regiane já sabia para quem passar a ligação, denotando calma e segurança, bons indícios. Atendeu-me Vítor Ferreira, que reafirmou o compromisso tornado público quando da exposição do Diagnóstico e Análise, de estar sempre aberto para qualquer informação sobre o tema, que gera cáusticas polêmicas aqui em Ubatuba. E que, no dia-a-dia do hospital, Bicalho será o contato.
Consultoria da Saúde na Prefeitura de Ubatuba
Seria interessante abrir, por dois meses, os meandros administrativos da Prefeitura de Ubatuba para diagnóstico e análise por parte da Cruz Vermelha - Filial Maranhão - CV-MA, como foi feito quanto à Santa Casa. Diagnóstico e análise apresentados foram obviedades encontradiças nos manuais de administração (inclusive de postulantes a ISO 9002), seja de hospitais, de indústrias, de casas de shows, de instituições financeiras, seja de Prefeituras. O núcleo de cada item, de cada ação, cabe em qualquer estrutura organizacional, diferindo os detalhes conforme a atividade desenvolvida, em vista das especificidades. Assim, seria interessante saber qual diagnóstico a CV-MA faria da Prefeitura que acaba de contratá-la. Item importante é controladoria, que, basicamente, pergunta: está em conformidade com as normas? Está em conformidade com as normas contratar sem licitação, com base em subjetiva avaliação de notório saber na área?
Em vista da contestação, na Justiça, quanto à forma de contratação da Cruz Vermelha para dirigir o hospital de Ubatuba, mandaria dona Maria Prudência que a assinatura do contrato fosse postergada. Não foi. Dona Maria Prudência não anda sendo muito respeitada na Prefeitura. É que ela pisa em calos, não dá muita bola para egos e sorrisos, é muito rígida quando se trata do bem público, e isso desgosta os plantonistas ora na administração do Município. Plantonistas que fazem uma espécie de mandato-tampão, já que não propuseram (e menos ainda executaram) políticas públicas sólidas para áreas fundamentais para Ubatuba, como Saúde e Turismo. Foram apenas ações pontuais, reativas, algumas até de muito sucesso, como a do combate à dengue na cidade. Mas tais ações não chegam a compor políticas, a menos que a ausência de políticas seja, em si, uma política. Se for assim, falamos então de uma naniquice específica, a politicagem.
A verdade é que a decisão de contratar os maranhenses para dirigir o hospital foi uma decisão política, pontual, de responsabilidade integral do Executivo, não compartilhada com o Legislativo nem com a comunidade. Pontualmente poderá até dar certo, mas não apagará o marcar de passos que foram os últimos cinco anos de desastre administrativo na Santa Casa do Senhor dos Passos, como mostrou o Diagnóstico feito pela Cruz Vermelha. A alegada capacidade da Prefeitura de por ordem na Casa, uma Casa Santa, uma Santa Casa, mostrou-se um desfilar de tentativas tímidas, que melhoraram alguma coisa, mas não atacaram os pontos fundamentais.
Escrevo em plena segunda-feira, quase fim de tarde, e até agora não foi publicada a Ordem do Dia do Poder ausente em tudo isso, a Câmara Municipal, que abdica de suas altas funções fiscalizatórias e de propor soluções, para apenas secundar o Executivo, apenas observar, ou seja lá o que for. Mas, creiam, não ficarei surpreso se houver uma moção de congratulações de notório vereador, cumprimentando a CV-MA pelo contrato sem licitação, pelo notório saber ainda não comprovado quanto a trabalho ainda por fazer.
De qualquer forma, terminei a conversa de hoje cedo com Vítor Ferreira desejando a ele, e sua equipe, boa sorte no empreendimento que apenas começam. Questionada que seja a decisão política da Prefeitura, de contatar sem licitação os maranhenses para gerir o único hospital da cidade, há que desejar boa sorte, porque os benefícios (e eventuais malefícios) cairão sobre nós, os caiçaras legítimos por nascimento, ou em construção, moradores aqui de Ubatuba.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 
17/05/2010

Santa Casa de Ubatuba, Prefeitura e Cruz Vermelha

Informação
A gestão da Santa Casa de Misericórdia Nosso Senhor dos Passos de Ubatuba será compartilhada entre Cruz Vermelha - filial Maranhão e a Prefeitura Municipal de Ubatuba, conforme anunciou nesta sexta-feira o secretário da Saúde do Município, Clingel Antonio da Frota, junto com o secretário geral da Cruz Vermelha Brasileira - CVB, lotado na filial Maranhão da instituição, Vítor Ferreira. Nenhum dos dois entes assumirá o passivo do hospital, que hoje é de 21 milhões de reais, segundo Clingel Frota, mas ambos tentarão reduzir e, ao final, zerar o déficit mensal, atualmente entre 180 mil e 200 mil reais. A contratação da Cruz Vermelha Filial Maranhão, por um período de dois anos, custará mensalmente ao Município 50 mil reais, o que implicará, de imediato, no aumento de 450 mil para meio milhão de reais o repasse feito todo o mês pela Prefeitura ao hospital. O secretário da Saúde disse também que em breve será iniciada a construção de um Pronto Socorro municipal, desonerando a Santa Casa desse serviço.
O representante da Cruz Vermelha foi enfático ao dizer que, a curto prazo, não haverá entrada de novos recursos financeiros e que "não será feito nenhum milagre", até que o modelo de gestão proposto seja minimamente implantado. Dividiu a análise de viabilidade do contrato que chamou de parceria entre a Prefeitura e a Cruz Vermelha em três horizontes. A curto prazo, de seis meses, em que o foco será na educação permanente e capacitação do funcionalismo do hospital, bem como em medidas de racionalização, para otimizar os recursos já existentes, com incremento imediato de produtividade, qualidade e segurança dos serviços hospitalares. A médio prazo, entre 6 e 18 meses, adequação dos processos operacionais e administrativos do hospital, bem como implantação da gestão por resultados, com definição de funções e metas. A longo prazo, entre 18 e 36 meses, implantação de planejamento institucional, com equilíbrio entre captação de recursos e despesas, bem como consolidação do modelo de gestão proposto.
Os anúncios foram feitos em reunião realizada às 9 horas, no Gabinete do Paço Municipal, na presença de membros do Conselho Municipal de Saúde, representantes de entidades comunitárias, jornalistas e vereadores, que puderam dirigir perguntas aos secretários. O prefeito Eduardo César não estava presente. A celebração do contrato entre as partes, sem realização de processo licitatório, deu-se na tarde da sexta-feira, segundo nota da Assessoria de Comunicação da Prefeitura.
Adriane Ciluzzo - PMEBU
Eduardo Cesar, Vitor Ferreira, Rui Teixeira Leite, Enos Arneiro e 
Clingel Frota. - Imagem: © Adriane Ciluzzo - PMEBU
Eduardo Cesar, Vitor Ferreira, Rui Teixeira Leite, Enos Arneiro e Clingel Frota.
Uma das perguntas foi sobre o ajuizamento de uma ação popular, pelo cidadão Marcos Guerra, visando a impedir qualquer contratação entre a Prefeitura e a Cruz Vermelha sem prévio processo licitatório, bem como cancelamento do protocolo de intenções assinado entre ambos em 6 de março de 2010. Um fundamento para a dispensa de licitação seria o notório saber da entidade contratada na área de gestão da saúde, questionado pelo autor da ação popular, que também mencionou o elevado grau de endividamento da Cruz Vermelha Brasileira - CVB e pediu concessão de medida liminar, para imediato efeito de impedir a formalização da contratação.
O secretário geral da CVB, Vítor Ferreira, afirmou que a Cruz Vermelha Brasileira tem especialização e saber na área de saúde não apenas nos momentos de guerra, e que participa da gestão de muitas unidades hospitalares, através de suas diversas filiais. Afirmou também, quanto ao bloqueio de repasses dos recursos provenientes das loterias da Caixa Econômica Federal para serem destinados a projetos diversos de filantropia, que a CVB interpreta despesas com o pagamento de seu pessoal como integrante de um todo chamado de filantropia. Mas esclareceu que a situação financeira e administrativa de sua filial Maranhão está em estado de regularidade, bem como a filial São Paulo. Explicitou que a CVB e cada uma das filiais integra o sistema Cruz Vermelha Internacional, com finalidades e métodos operacionais iguais, sendo reconhecidas pelo órgão hierárquico superior máximo da entidade, mas que cada unidade tem contabilidade e gestão administrativa próprias e independentes.
O secretário Clingel Frota disse que sua Pasta realizou busca por modelos de gestão e foram analisadas várias alternativas apresentadas, dentre as quais a mais compatível com a realidade local foi a apresentada pela Cruz Vermelha do Maranhão. Justificou a escolha dizendo que há semelhança entre o que acontece com as instituições hospitalares maranhenses e a situação da Santa Casa de Ubatuba, ainda que os Estados federativos tenham grandes diferenças. Referindo-se às críticas pela escolha, sem citar nomes afirmou que "tratam de banalidades" e partem "da escória", a quem faltariam "dignidade e caráter". Disse que o presidente nacional da Cruz Vermelha, Luiz Fernando Hernandes, contestou declarações que lhe foram atribuídas, sem que isso fosse publicado.
O que muda
O secretário municipal da Saúde resumiu que a mudança será a saída da pessoa física de Enos Arneiro e o ingresso da pessoa jurídica Cruz Vermelha - Maranhão na Diretoria Administrativa do hospital, permanecendo Jair Antonio de Souza como gestor administrativo e financeiro da Santa Casa.
Respondendo a indagação de um repórter sobre qual seria "a voz maior" no comando da Santa Casa, o representante da Cruz Vermelha, Vítor Ferreira, disse que serão realizadas as mudanças necessárias, incluindo demissões e contratações, sempre mediante diálogo com os setores do hospital, sob intermediação da Prefeitura, e que as divergências serão administradas sob o critério da razoabilidade. No limite, disse, a parceria pode ser interrompida, por qualquer das partes, pois haverá previsão contratual para isso.
Na exposição do Diagnóstico do Modelo de Gestão Assistencial, dados coletados entre março e abril deste ano, Vitor Ferreira disse que os profissionais do hospital mostraram-se "solícitos, disponíveis e interessados, sem atitudes de resistência". Advertiu que o Diagnóstico não diz respeito a pessoas, que atuam ou atuaram no hospital, nem busca culpados, mas sim analisa processos, os quais são o foco da atenção.
Ao analisar a situação administrativa do hospital, disse que há ausência e inadequação de controles institucionais, que dificultam racionalidade na gestão. Considerou que o hospital integra cinco unidades industriais: nutrição, lavanderia, farmácia, hotelaria e os serviços hospitalares em si. Cada um deles apresenta fluxos de materiais e pessoal, nem todos com registros precisos, dificultando assim a própria coleta de informações. Falou que há grande deficiência de normas e instruções de trabalho, o que aumenta os riscos na prestação dos serviços, tanto para os funcionários como para os usuários do hospital. Comparou a um "apagar de incêndios" o acolhimento da clientela do hospital, em vista da porta de entrada ser o serviço de urgência e emergência. Em vista do déficit em educação permanente e capacitação funcional, os funcionários, apesar da boa vontade, não têm como prestar atendimento nos padrões desejáveis.
Sobre os sistemas de informação do hospital, Vítor Ferreira disse que não é utilizada plenamente a capacidade já instalada.
Do ponto de vista da assistência prestada, citou que é preciso cuidar dos padrões de limpeza e higiene, gerenciando mais adequadamente os riscos, inclusive de infecção hospitalar.
O passivo
Clingel Frota explicou que a Prefeitura optou pela requisição administrativa em vez da intervenção, de forma a não assumir o passivo da Santa Casa de Ubatuba. Na época da requisição administrativa, em que a gestão do hospital passou da Provedoria da instituição para uma comissão nomeada pela Prefeitura, o passivo era da ordem de 11 milhões de reais, incluindo débitos tributários e dívidas trabalhistas. Posteriormente, disse que foram localizados outros débitos tributários e que, com as demissões praticadas, aumentaram as ações propostas na Justiça do Trabalho contra o hospital, o que elevou o patamar do passivo para os atuais 21 milhões de reais. Disse que, presentemente, a Santa Casa não mais demite sem que os recursos para os débitos trabalhistas estejam orçados e disponíveis. Estimou que os custos presentes mensais do hospital são da ordem de 930 mil reais, referentes a 14 mil atendimentos/mês, dos quais somente 4 mil são contratados, sendo os demais 10 mil assumidos pela Prefeitura, que repassa, mensalmente, cerca de 450 mil reais.
Novo Pronto Socorro
O secretário municipal da Saúde anunciou que a Prefeitura iniciará, em breve, a construção de um Pronto Socorro. Sem oferecer maiores detalhes, disse que a construção será no Jardim Carolina e que se integrará à Unidade de Pronto Atendimento. Com isso, parte dos serviços hoje prestados nessa área pela Santa Casa serão desonerados.
Em outro momento de sua exposição, Clingel Frota disse que a Santa Casa é um dos componentes do sistema de saúde do Município, que inclui também unidades nos bairros e no centro. Assim, as mudanças no hospital também terão reflexo nas demais unidades.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça
15/05/2010

Ubatubanidade, coisa de cidadezinha


Julinho sisqueceudimiavisá. Fim de feriado de 1º de maio, bem num sábado, solito aqui em casa, só não fiquei a ver navios porque a controversa temporada deles já acabou. Fiquei sabendo que teve, que o Julinho foi, porque vi foto no Ubatuba Víbora: 1º Festival de Viola “Luiz Ernesto Kawall”. As coisas serão agora diferentes, não estarei mais sozinho, solitário. Marlene, finalmente, chegou de vez, trazendo os dois gatos, a Elis e o Goya (a cachorrinha vira-lata Toca já estava aqui).
Ubatuba. Ubatubâncias, as citadas por Leão Machado e pelo Julinho Mendes, mas também ubatubanidade, que combina com urbanidade. E rima com solidariedade. Chegou, enfim, a mudança capitaneada pela Marlene. Caminhão-baú daqueles bem altos, trucado (três eixos, dez rodas, grandão), placas da cidade de origem, Assis, não conseguiu passar pela rua do poste. É assim, "rua do poste", como é conhecido pelos motoristas dos caminhões que coletam lixo, o trecho da rua da Mangueira que dá acesso ao Cantinho que Marlene e eu temos, aqui no pé do morro do Funhanhado, nesta Ubatuba que é o paraíso a construir. Alguns caminhões passam, outros não. O bauzão não passou. Desolado, o motorista avisou que não era falta de perícia, mas impossibilidade mesmo. Pura verdade, acreditem. Então, não teve jeito: perdi a conta, foram mais de 18 curtas viagens de camionete velha naquele pequeno quarteirão da "rua do poste", para carregar e descarregar bugigangas, móveis, mesa de bilhar das meninas, e caixas e mais caixas de tudo e de livros, e plantas e livros, e televisão e livros, e utensílios e livros, e colchões e uns livros, e ventiladores e umas penas de pavão, que adornam vaso que acabou ficando no canto da sala.
Num exercício de ubatubanidade, os muitos usuários da rua da Mangueira, metade da população do Perequê-Mirim, esperaram pacientemente o ajeita-aqui-ajeita-ali do caminhão e da camionete na rua estreita, antes de poderem seguir seus trajetos. Fim de tarde, fim de aulas na Escola Municipal Maria da Cruz Barreto (sobrenome do Paulinho, filho dela, meu vizinho da esquerda), pais e mães e carros e bicicletas e gente a pé esperando o andar da carruagem da mudança, andar demorado. Mas com ubatubanidade, respeito, simplicidade e paciência.
Ubatubanidade: por conta dos imprevistos, o caminhão da mudança chegou com dois dias de atraso e com um motorista e só um dos dois prometidos funcionários-carregadores. Mas, como não passava pela rua do poste, ubatubanidade: o Osvaldinho, meu fiel amigo, vizinho e caiçara, filho da dona Celeste, num instante juntou o Samuel e mais uns caiçaras legítimos que, desinteressadamente, pegaram o touro Ratambufe à unha e deram conta do recado, inclusive da incrivelmente pesada mesa de bilhar. É das pequenas, simples, mas tem uma ardósia polida de uns 8 centímetros de espessura, que pesa, e pesa. Ubatubanidade, minhas vizinhas Zélia e Sandra, uns dois dias de muito trabalho, junto com minha sogra Irene e com a Marlene, desmontando caixas e caixas e organizando e limpando e organizando. Todos com sorrisos e bom humor estampados na face, em completo contraste com o completo traste dessas horas, eu, euzinho, numa tensão e mau-humor ímpares, cara amarrada - é que sou assim, mas só tenho cara feia, não mordo. Ainda preciso aprender ubatubanidade, faz parte do meu processo de caiçara em construção.
Ubatubanidade: se for neologismo, reivindico autoria. É coisa de cidade que não é mais pequena cidade, que não é cidadezinha, mas que preserva aquilo que de melhor têm as pequenas cidades, as cidadezinhas, sejam as do Interior caipira, sejam do Litoral caiçara. Um certo e indefinido sentimento de comunidade, de urbanidade, de solidariedade, de pegar emprestado com o vizinho um pouco de açúcar, uma enxada, uma ferramenta qualquer, uma mangueira de água, ajudar na mudança, sorrir. Nossa grande pequena cidade é também feita disso.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 
 14/05/2010

Cruentata: escrevi bobagens


Quando escrevi sobre a morte da minha Cruentata, escrevi bobagens. Quem me alertou foi o autor da belíssima foto à qual link naquela matéria remete, o biólogo Vinícius Dittrich. Ele teve a gentileza de, delicadamente, me explicar que nomes científicos de espécies sempre são escritos com a primeira palavra - o gênero - com inicial maiúscula e com a segunda palavra - o epíteto específico, que caracteriza o gênero e define a espécie - com inicial minúscula. Sendo assim, o nome do bicho é Nephilengys cruentata. Depois de feita uma primeira citação nesse formato, pode-se falar em N. cruentata. Como, isoladamente, a palavra "cruentata" não tem sentido em nomenclatura biológica, seu uso em outro contexto não poderia ser em itálico, pois se trataria, então, de uma forma aportuguesada.
Expliquei a ele, então, a historinha sobre a Cruentata. Da primeira vez que a vimos, logo que começamos a mudar para Ubatuba, um ano e meio atrás, pareceu-nos uma viúva negra. Minha mulher, Marlene, é fotógrafa e participa de grupos do Flickr, e fez uma pesquisa para tentar identificar qual era aquela aranha. Apesar de algumas informações desencontradas, finalmente estabelecemos que se tratava da Nephilengys cruentata. No entanto, não havia meio de me lembrar do nome científico dela, só me lembrava de "cruentata". E assim foi ficando: Cruentata daqui, Cruentata dali, virou o nome próprio da primeira delas, a mãe. E, por extensão, depois, da filha, a que foi citada no texto. Então, realmente, a minha Cruentata fica fora das regras de nomenclatura.
Quem escreve acaba, em algum momento, ou em muitos momentos, escrevendo bobagens. Essas descritas creio que será possível reparar, ainda que precise torrar a paciência do editor de O Guaruçá, para republicação do texto com as correções.
Vinícius foi, por anos a fio, frequentador assíduo de Ubatuba, "mas essa fase acabou", disse. Ele é, hoje, professor doutor em Universidade pública da Bahia. Ponderei com ele que "Aqui continua sendo um paraíso, bem verdade que um paraíso a construir, porque muito do ambiente daqui já está degradado, e a luta é para interromper esse processo e recuperar o que for possível." E sugeri que volte a frequentar Ubatuba, onde será muito bem recebido aqui no pé do morro do Funhanhado.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 


13/05/2010

Croniqueta: morte, ciclo da vida


Nephilidae - Nephilengys cruentata
cruentus:
manchado com sangue, corado
A foto, garimpada na internet, é de Vinícius Antônio de O. Dittrich, tirada no Araribá, perto do Sertão da Quina, aqui em Ubatuba. Com certeza é alguma parente próxima, tia, tataravó, da minha Cruentata, da qual tenho fotos, mas nenhuma tão bem feita como essa do Vinícius.
Morreu numa sexta-feira, 16, corrente o mês de abril, minha Nephilengys cruentata, uma Nephilidae cuja mãe viveu mais de ano e deixou centenas de filhotes. A filha não só morreu bem antes de completar um ano de vida como, parece, não deixou descendentes. Pelo menos, não os consegui divisar.
Não tenho certeza de que esse povo que dedica vida profissional aos táxons tenha a cabeça no lugar, ou o olho, ou o olhar sobre as cores. A dúvida é vernacular, Latim que seja o vernáculo: cruentata, avermelhada, vem de cruentus, manchado com sangue, corado. Minha Cruentata era toda preta, exceto por linda faixa entre o amarelo e o alaranjado, que lhe definia, era o frontispício, de seu imenso abdome. Talvez, portanto, em péssimo e inexistente latim, alaranjadae...
Fez sua teia entre caibros do telhado da varanda coberta, esticando um longo fio até a base de uma luminária pendente do teto. Bela teia, grande, com um casulo de moradia diurna: essas aranhas só são ativas, só caçam insetos à noite, os desafortunados que caem, às dezenas, em sua teia. Durante o dia, dormitam, o que lhes vale um dos muitos nomes populares: aranha-ermitã. Alguns, mas nem todos, dizem que sua origem é africana.
Fato é que morreu, faleceu, de causas naturais, que aqui era seu abrigo inviolável: Zélia et al, faxineira e auxiliares, sabiam que aqui a aranha grande e bonita era intocável. Aqui, porque alhures sempre foi ameaçada pela semelhança com sua distante, longínqua prima, a viúva negra, esta sim venenosa. Minha Cruentata era absolutamente inofensiva (exceto para os insetos, neles inclusos os pernilongos caipiras, os Culex, chatos mas inofensivos, e os Aedes aegypti, os da dengue, chatos e perigosos).
Seria demais, hipocrisia até, dizer que choro por ela. Mas faz falta aqui, a Cruentata com sua faixa alaranjada no abdome negro.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 

03/05/2010

As placas na rodovia e o diálogo


Fernando Pedreira, faz uma semana, teve a gentileza de me citar em texto sobre Placas na rodovia estadual SP-55. E, sentindo-se um dos Bebe, quer saber onde nos encontrar. Esse é um dos problemas da Tribo dos Bebe: ela não se reúne, exceto aqui, na oca eletrônica do sirizinho Ocypode quadrata, e por uma ou outra escapadinha para uma cerimônia de batismo ou um almoço azul. Julinhobebe não bebe. Eu próprio só bebo, socialmente, cerveja ou vinho (mas não destilados) aí pela hora do almoço. À tarde e à noite, não dá certo, não cai bem. Mas quando acontecer alguma atividade do Grupo Folclórico e Alegórico O Guaruçá nos encontraremos, tenha certeza. Ou pode ser que qualquer dia eu apareça para tomar um sorvete, não qualquer um, somente se for diet, com absolutamente nada de açúcar.
Sobre as placas na rodovia, Fernando discordou de minha assertiva, quanto ao cumprimento da lei: "Não é assim que deve funcionar?" Diz ele que "não deveria, pois as leis deste País são feitas para regulamentar o que existe e não por um planejamento prevendo situações". E então, deve ser, não deve ser, podemos nos aventurar nos pensamentos kantianos, que não domino bem, sou um completo leigo. Qual a razão prática de regulamentar placas ao longo das rodovias? Dar segurança ao trânsito, seria uma boa razão prática. No entanto, segundo o pensamento de Kant, a relação entre nós, sujeitos, e o objeto, a segurança no trânsito, depende de como os dados objetivos são apreendidos. Nossa mente não capta a coisa em si, mas apreende o ser das coisas enquanto fenômeno, à medida em que os dados objetivos vão aparecendo, conforme nossa sensibilidade e racionalidade, atributos de qualquer pessoa. Seria pura elucubração mental criar, planejar, um sistema de rodovias e sinalizações, e previsão de placas de propaganda e previsão de ajardinamentos ao longo das rodovias, antes da existência, por exemplo, dos carros, ônibus e caminhões. As rodovias, tais como as conhecemos hoje, só puderam existir depois que vieram os veículos rápidos. E os problemas só apareceram com o uso delas. E, ainda, a solução de muitos problemas deveu-se a erros e acertos, à custa de grandes desastres e morte de muita gente.
É claro que hoje temos uma experiência acumulada no uso e na gestão das rodovias, o que permite à sociedade legislar tendo como base o que já aconteceu mas, por similaridade, prevendo o que pode acontecer. Prevendo e disciplinando, que esse é o objetivo da norma. Lei é assim mesmo, vem para disciplinar o que já existe, pretendendo dar uniformidade disciplinada ao que virá a existir. Nem sempre consegue, é bom constar.

Kant nos faz instigante proposta: que tal tornar universal o que pensamos? Se é o correto, se é bom para mim, então deve ser correto e bom para todos. Vamos às placas. Se posso colocar uma placa tal como acho que fique bom, e útil, e seguro, então quero que todos e qualquer um possa colocar placas tal como ache bom, e útil, e seguro. Eu não gostaria de dirigir numa rodovia dessas, Fernando.
O mundo dos fenômenos não é estático. As coisas mudam todo dia, a toda hora. Podemos prever (e acertar ou errar) grandes tendências, mas não os detalhes. Nossa orla, e a rodovia que passa por ela, tem peculiaridades que talvez exijam disciplina própria, para atender a duas necessidades: segurança no trânsito e informação ao turista. Um exemplo do que seria considerado absurdo em qualquer rodovia, mas que, no caso da Tamoios e da Rio-Santos foi a solução possível, são as tais "faixas auxiliares" e a completa inexistência de acostamento (mas o bom mesmo seria o governo gastar dinheiro e duplicar essas vias). Aqui se poderá pensar em algo do tipo quanto às placas, mas, como vivemos sob o império da lei, talvez precisemos mudar a lei, ou talvez até mesmo algo menor do que ela, o regulamento, a portaria, o bilhete, quem sabe.
No entanto, em qualquer hipótese, é necessário haver diálogo, conversa, muita conversa, busca de soluções.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça  
01/05/2010

Homenagens na Câmara de Ubatuba

Crônicas do Legislativo
Foram escaramuças com o site da Câmara Municipal de Ubatuba, até conseguir imagem com som da sessão ordinária desta terça-feira. Das outras vezes foi fácil obter o áudio. Desta vez nada de áudio autônomo, só o vídeo difícil. Já eram quase 20h40 quando o sistema apresentou estabilidade suficiente para permitir acompanhar o que acontecia.
As duas últimas sessões da Câmara Municipal de Ubatuba foram pródigas em unânimes homenagens. Na penúltima, foi elogiado, por moção do vereador Rogério Frediani (PSDB), o trabalho desenvolvido pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Ubatuba na alfabetização de adultos. Foram alfabetizados 85 em 2008, 88 em 2009 e a previsão é de que sejam alfabetizados mais de 60 este ano. E, para 2011, a previsão é de 6 salas de 22 alunos. Segundo explicou Atarcísio Tadeu Astolfi, coordenador do projeto, os recursos são provenientes de repasse do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, o SENAR (estrutura semelhante a SENAC e SENAI), cuja origem é a contribuição dos produtores rurais com 0,2% do valor de cada nota fiscal emitida. O representante do Sindicato, que falou da tribuna do Legislativo, explicou que as aulas são após a jornada de trabalho. É fornecido jantar aos alunos, que concluem o curso como alfabetizados plenos, capazes de ler e compreender textos.

A aprovação de projeto do vereador Romerson de Oliveira (DEM), dando o nome de Maria Eva dos Santos ao prédio da unidade de Estratégia da Saúde da Família do Bairro do Rio Escuro, deu ensejo a várias manifestações homenageando a falecida cidadã lutadora, que presidiu a Associação de Bairro do Rio Escuro e dedicou-se a sanar carências, especialmente na área da saúde, e como voluntária da Santa Casa, para a qual obteve a doação de materiais fornecidos pelo Hospital Sírio-Libanês. Segundo o depoimento do presidente da Casa, o médico Ricardo Cortes (DEM), foram materiais de alto custo, inclusive mesas cirúrgicas e aparelhos de laser, que, por outra forma, o hospital local não teria como adquirir.
Pela família da homenageada, falou a educadora Patrícia, filha de dona Eva, que se declarou "briguenta, assim como ela". Elogiou a Santa Casa, dizendo que, dez anos atrás, da mesma tribuna da Câmara, fez críticas ao hospital, tanto quanto a recursos como quanto ao atendimento, mas agora "a gente viu o quanto melhorou", nos 38 dias que ela e familiares passaram dentro do hospital, acompanhando a mãe. "A gente pode não ter o recurso necessário, mas o recurso humano e o calor humano e a vontade e a dedicação" de toda a equipe do hospital "a gente tem", disse. Afirmou que continuará o trabalho da mãe pela saúde, com o auxílio de seus irmãos, principalmente Saad.
De autoria do vereador Adilson Lopes (PPS), o mais profícuo quando se trata de moções de congratulações, foram aprovadas homenagens ao agente de Endemias Jorge Ribeiro e alunos da Escola Olga Gil pelo trabalho de combate à dengue, e à estudante Luana Augusta dos Santos Costa, da escola Maria Alice Alves Pereira, por sua participação no certame Tabuada Vanguarda, classificada como "brilhante". Jorge e alunos fazem parte da equipe dos "Agentes Mirins de Combate a Dengue" e realizam trabalho de conscientização e, mesmo, de fiscalização em campo. Convidado a usar a tribuna, em plena Ordem do Dia, Jorge agradeceu apoios que recebeu nesse projeto e afirmou que ele se estenderá a todas as escolas do Município.
Na sessão seguinte, a de 27 de abril, continuaram as homenagens às equipes envolvidas no combate à dengue, que envolvem 29 agentes e mais a estrutura administrativa de apoio. Falou pelos agentes o coordenador de Endemias, Antenor Ricardo Benetti, que reconheceu o bom trabalho de sua equipe mas alertou: "não estamos em zona de conforto". Disse que uma parte da população não toma as iniciativas necessárias e espera a chegada do agente para fazer a limpeza de seu quintal. Mostrou preocupação com o regime de chuvas e calor atípico, este ano, para dizer que estamos no pico do risco de dengue, especialmente porque cidades vizinhas apresentam epidemias. Citou Taubaté, onde a dengue tem proporção epidêmica, e o grande número de moradores daquela cidade que têm casas no Perequê-Açu, vindo nos fins de semana para cá. E concluiu: se surgir vacina para a dengue, os problemas não acabarão. Ainda há os problemas dos ratos, dos escorpiões, por causa da sujeira que os próprios moradores deixam acumular.
Por moção do vereador José Americano (PPS), foi também homenageado o biólogo Neílton Nogueira de Lima, ao qual estão subordinados os serviços de Vigilância Sanitária e Epidemiológica, e do controle de Zoonoses. Neílton tem formação em Biologia e, em 2001, concluiu especialização em Saúde Pública, na USP. Na Prefeitura, uma carreira sempre em ascensão, ao longo de cinco mandatos de quatro prefeitos, ocupa agora a Superintendência de Proteção à Saúde, unidade que conta com mais de cem funcionários.
Neílton também ocupou a tribuna, e declarou-se pessoa realizada e feliz. Ressaltou a importância do trabalho em equipe, que permite planejamento e otimização de recursos. Disse considerar que a população tem informação suficiente sobre o problema de saúde que é a dengue, mas que ainda falta agir de acordo com essa informação. Trata-se de um trabalho educacional. E concluiu, citando frase de Cora Coralina: "Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina".
Das cidades do Litoral Norte, Ubatuba é a única onde a dengue está sob controle, ainda que existam casos da doença.
O vereador Claudinei (PSC) lembrou que, quando do surto de dengue em Ubatuba em 2008, houve críticas ao prefeito, "ele foi crucificado, mas foi algo que tomou o Brasil inteiro". "Mas ele colocou as equipes na rua" e, já em 2009, a dengue foi controlada, disse.
Depoimento
Nos últimos tempos, aqui no Perequê-Mirim, abri o portão duas vezes, para visitas de agentes de controle de endemias. As moças, muito educadas, examinaram cuidadosamente toda a área externa - impecável, porque está sob o constante cuidado de meus amigos, auxiliares e vizinhos Osvaldinho e Samuel. Falaram sobre os cuidados básicos e sobre a necessidade de jamais descuidar. Não souberam informar, entretanto, números sobre casos de dengue no bairro.
Não conheço Neílton pessoalmente. Conversei com ele por telefone, uma vez, quando escrevia sobre a vacinação contra a gripe A-H1N1. Causou-me muito boa impressão, tanto pelo conhecimento técnico como pela facilidade em se expressar de um jeito franco e aberto, e de compreender com clareza o que estava sendo solicitado. São atributos certamente fundamentais, para coordenar as equipes de Proteção à Saúde.
Naniquices, coisas de cidadezinha
O projeto do vereador Romerson recebeu emenda corretiva: o nome deve ser dado ao prédio e não à ESF. O autor do projeto, citando que o prédio do Rio Escuro está em fase de conclusão, pediu que, quando de sua inauguração, já esteja afixada a placa com o nome de dona Eva, lembrando que, a despeito de lei aprovada pelo Legislativo, até hoje não foi colocada placa com o nome o Sr. França na Escola do Corcovado.
Certa vez, ouviu-se a voz do vereador Frediani, alfinetando: "Olha o veto, por causa do custo da placa..."
Ubatuba não é uma cidadezinha. O tom de desabafo que acompanha o uso dessa palavra não autoriza supor que nosso Município seja realmente uma cidadezinha: não é. E não pode ficar pensando que seja. No entanto, sobrevivem alguns hábitos que dão essa aparência. A Câmara é pródiga em fazer homenagens, mesmo quando se trata da área da Saúde, mas evitou cumprir suas altas atribuições quanto à Santa Casa. Hoje, só fica assistindo de longe o que acontece. Apequenou-se. E permite ao prefeito fazer o que quer, do jeito que quer.
Em quebra de protocolo e regimento, o recinto legal da Câmara abrigou manifestações dos homenageados. Assim, a sessão desta terça-feira foi mais uma daquelas festivas, cheias de congratulações e aplausos e uso indevido do recinto legal. Os Legislativos têm suas liturgias. Quando se trata de sessão ordinária, na Ordem do Dia somente os vereadores têm mandato popular para se manifestar e, evidentemente, para votar, e só podem fazer isso publicamente, no recinto legal. Caso contrário, as deliberações não terão validade. Não se pode fazer sessão em local incerto e não sabido. E da sessão, só os vereadores podem dela participar. Mesmo quando da Tribuna Popular, a sessão é suspensa, entre o Expediente e a Ordem do Dia.
O Legislativo pode realizar sessões solenes, e então a liturgia é outra, mesmo o local pode ser outro que não o recinto legal. Os convidados são recebidos com pompa, formalmente, e podem falar . Mas não existe a figura da sessão festiva, a mistura indevida entre o ato revestido de forma, que é a discussão e votação de matérias, e cumprimentos, aplausos e uso da tribuna por quem não tem mandato popular. O Legislativo há que se dar o respeito.
Não é conveniente suspender a sessão durante a Ordem do Dia, exceto quando estritamente necessário para recompor quorum. Mas nada impede que as celebrações e o tom festivo ocorram logo após o encerramento da sessão. Bem, talvez uma coisa impeça: a debandada que se verifica no plenário, ao longo da Ordem do Dia, depois de votados os projetos de interesse do Poder Executivo. O que justifica mais uma alfinetada do vereador Frediani: "Mas no fim do mês, óóó!".
O valor das moções de congratulações de um Legislativo Municipal é inversamente proporcional à quantidade em que são distribuídas. O paroquialismo eleitoreiro leva à produção em massa de congratulações, banalizando o que deveria ser a exceção. No entanto, é prática antiga dos Legislativos, que em geral simplificam os procedimentos. Grande número de Câmaras pragmaticamente trata esses requerimentos em bloco, sem discussão nem votação, no chamado Pequeno Expediente. É o caso, por exemplo, da Câmara Municipal de Araraquara, cujo alentado Regimento Interno, de 372 artigos (e cujo impecável conteúdo e íntegra está no site daquele Legislativo), consolida resoluções cujas primeiras datam de 1964. A Câmara de Ubatuba ainda nos deve um Regimento Interno decentemente apresentável.
Obama recebeu prêmio Nobel antes de realizar qualquer iniciativa pela paz. Quase virou piada, ainda que o resoluto filho de imigrante africano, quando põe a cabeça no travesseiro, pense na paz, ao contrário de seu antecessor, que revelava ao travesseiro seus pensamentos belicistas. Há uma notável diferença entre a moção de congratulações aos recém-eleitos membros do Conselho Tutelar, por seu sucesso em pleito eleitoral e, portanto, pelo trabalho ainda por fazer, e a moção que parabeniza o conjunto de funcionários que atuam no combate à dengue, pelo trabalho já realizado e que permite a Ubatuba exibir os menores índices da doença em nossa região, tanto montanha acima como costa abaixo.
Ampliando - Cidade do cidadão
Terminadas estas Crônicas do Legislativo, é o caso de ampliar a abordagem do tema. Meus três ou quatro leitores talvez tenham a paciência necessária para prosseguir na leitura. Em razão de compromissos familiares, estive este mês em Araraquara, na antiga escola estadual ‘Padre Francisco Sales Colturato’, localizada na avenida de mesmo nome, transformada em Espaço Crescer, o Centro de Atenção à Criança e Adolescente. O espaço abriga Juizado, Promotoria, Delegacia de Polícia e outros órgãos ligados à infância e à juventude, mas também ao idoso, como é o caso da Seção Técnica da Vara Judiciária que cuida dessas três categorias de pessoas em situação de potencial fragilização. Por lei municipal, o Espaço Crescer denomina-se "Maria Augusta Gonçalves Mendes (Guta)", uma estudante que foi morta na noite de 30 de março de 2001, aos 14 anos, quando voltava da escola para sua casa. Estuprada e assassinada a facadas por jovens que roubaram seu relógio para comprar crack, foi vítima da violência de jovens eles próprios também vítimas do descuido, da desatenção da sociedade. Vítima de vítimas, poderia ser o resumo da placa que está afixada no prédio, um Centro de Atenção a essas vítimas.
0 UNICEF divulgou em julho de 2009, com dados de 2006, o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), que faz uma estimativa do número de assassinatos de jovens entre 12 e 18 anos nas 267 cidades brasileiras acima de 100 mil habitantes. Na região de Araraquara, seis cidades têm mais de 100 mil habitantes. Dentre elas, Araraquara foi o município com o maior índice: seu IHA é 1,06, o que significa que, dos 25.312 menores, 27 deverão morrer assassinados no período considerado. Na sequência, aparecem São Carlos (IHA 0,26) e Ribeirão Preto (0,09). Franca, Barretos e Sertãozinho estão entre as nove cidades paulistas com índice zero de assassinato de menores. Aqui por perto de Ubatuba, temos Angra dos Reis (RJ) (2,14), Taubaté (1,61), São José dos Campos (0,90) e Jacareí (0,49). Isso mesmo. Em Taubaté, 59 adolescentes mortos. E em São José, 78.
Segundo o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da Unesp de Araraquara, o cientista social José Reis dos Reis Santos Filho, o cenário estimado para aquela região, onde morei por 40 anos, reflete a falta de políticas públicas capazes de criar alternativas reais para os adolescentes. Disse o especialista que "São escassas as oportunidades de primeiro emprego e de jovens vinculados a atividades de cultura e esporte, que evitam o envolvimento deles com o crime". Não tenho a expectativa de viver mais 40 anos, mas espero viver o suficiente para saber que Ubatuba terá políticas públicas para os adolescentes e para a saúde. E com muitas atividades de Cultura, folclore inclusive, e Esporte. Além de empregos, claro, tão logo pare com naniquices e coisas pontuais e implemente uma verdadeira política pública que explore sua imensa vocação turística.
Nome e placa para Guta é o tipo de homenagem correta, tanto quanto é a homenagem a Eva Maria dos Santos. A cidade é de seus cidadãos, de gente comum do povo, de seus entes históricos, e não de coronéis e deputados e políticos e empresários muitas vezes oportunistas. É o cidadão que deve ser homenageado, com placas simples e claras, com o resumo da obra do homenageado, e sem as infames frases que os políticos gostam de inscrever nelas, junto com seus próprios nomes.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça  
30/04/2010

Ubatuba: satélites e bens públicos privatizados

Leituras de O Guaruçá
Começou mal e começou bem O Guaruçá desta segunda-feira. Mal: a matéria inaugural, das 5h26, da seção Opinião - a opinião de direita, claro -, é de autoria de uma diretora do Secovi-SP, que se autoproclama Sindicato da Habitação mas que é, na verdade, o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo. Ela defende os loteamentos fechados, que abundam por aqui. Ubatuba é dos mais antigos exemplos do que significam esses "loteamentos fechados": apropriação particular do que é público, segregação urbana e agressão ao direito constitucional de ir e vir. De resto, dificultando acesso a praias, em nosso município turístico. Como ficar choramingando não resolve, melhor será desenvolver matéria mais completa sobre isso, lembrando que o Secovi-SP tem interesse em movimentar a ineficiente máquina legislativa federal para fazer andar o projeto de lei 3057/00, há dez anos em tramitação na Câmara dos Deputados, já arquivado e desarquivado, emendado, remendado, etc. Esse projeto quer substituir a Lei Lehmann, de 1979, que é a lei em vigor, e que é a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano.
Mas começou bem: na matéria das 7h35, mais um delicioso texto do Julinho Mendes, Do Capitão Deolindo ao Capitão Dudu, explicando uma conversa entre Dr. Bicalho e Palombeta, sobre a qual eu, que cheguei há pouco de fora, nada tinha entendido. Afinal, o canhão é o tal do canhão do Zé Mapiá. Ou não? Julinho me esclareceu (ou não?) uma, mas não a segunda dúvida: ele também não sabe o que é nem qual a finalidade do satélite do Capitão Dudu. Como o canhão do Zé Mapiá não vai dar conta, deve ser então um foguete, e o jeito, enquanto não ficamos sabendo, é cantarolar antiga musiquinha, de Caroço e Azeitona: "Brasil vai lançar foguete, Cuba vai lançar também...". Mas, atenção!, Cuba tem "uba" mas não "tuba" nem "toba" e começa com "C".
Qualquer astrônomo, mesmo amador, saberia que, da latitude capricorniana de Ubatuba, seria inviável lançar qualquer satélite: o incremento rotacional de velocidade do Equador e estreitos arredores fica quase nulo, aqui no Trópico. Então, só pode ser piada. No entanto, se alguém quiser ver satélites de verdade, é só consultar a página Heavens Above, colocando dados de latitude e longitude (o link já contém uma sugestão). Será, então, possível ver, logo de manhãzinha ou ao anoitecer, um sinal nos céus, o reflexo dos painéis solares dos satélites do sistema Iridium (Iridium Flares) ou de outros satélites (Daily predictions for all satellites...), algo bonito de ver.
A propósito, qualquer dia destes inaugurarei uma igreja, a Igreja do Sinal dos Céus, para poder arrecadar grana dos fiéis sem risco de ter de pagar impostos. Basta fazer o serviço religioso de manhãzinha ou ao anoitecer, que o sinal, garantia das ofertas financeiras, aparecerá religiosamente, conforme o cronograma do Heavens Above.
Humor e informação não são coisas excludentes. Explicar piada é uma das coisas mais chatas que pode haver, mas quando apenas se exibe o chiste, sem indicar qual a informação associada, O Guaruçá não avança quando se trata de informar, e informar deve ser sempre um dos objetivos da revista eletrônica. E abre caminho para interpretações as mais diversas.
Então, vou dar minha interpretação, meu pitaco. Como não sei essa história de Canhão e Satélite, que talvez seja mesmo uma verdadeira piada ubatubense, vou sugerir uma explicação menos piadística: talvez tenha a ver com a contratação, pela Prefeitura de Ubatuba, ao custo de mais de um milhão de reais, de um projeto de georreferenciamento, com uso do programa ARCGIS, de uma empresa de São José dos Campos. A nota da Assessoria de Comunicação da Prefeitura fala o valor, mas não qual a empresa contratada. Essa informação está na edição eletrônica do jornal Imprensa Livre. Trata-se de fotos de alta resolução, ferramenta cara e moderna que, se bem usada, é poderoso auxiliar no planejamento urbano e no lançamento do IPTU sobre construções não averbadas no cadastro municipal. O problema, em Ubatuba, é o condicional "se". Tanto que algo semelhante já foi feito no passado, desconhecendo-se os resultados, se é que algum foi alcançado.
Curiosamente, no pé da página da Assessoria de Comunicação, há um "SaibaMais", informando que "Jogar entulho e restos de podas em calçadas de Ubatuba gera multa de R$ 200,00". Então, mais curiosamente ainda, a Prefeitura de Ubatuba aplicará multa a si própria, visto que seus funcionários (ou contratados) jogaram junto a um muro o resultado da capinação recente na rua José Egídio da Costa Ferreira, no Perequê-Mirim. Uma boa ação se não fosse finalizada com um mau exemplo. O problema, em Ubatuba, é o condicional "se".

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça   
27/04/2010

Monopólio, a desgraça da telefonia


Coisa do Serjão, sob FHC.
Não foi apenas no centro de Ubatuba que telefones fixos e speedy pararam de funcionar, como relatou 0 Guaruçá. Aqui no Perequê-Mirim, e já são 15:00h de sexta=feira, os telefones fixos fazem ligações apenas para números que tenham menos de 6 dígitos. A salvo, portanto, 190, 192, 193 e, mesmo, o 10315. Mas qualquer tentativa de falar com o restante do mundo resulta em sinal de ocupado.
Como o monopólio da Telefónica de Espanha se estende à Internet, mesmo aqui, no Perequê-Mirim, onde não existe speedy (slowly) e o ISP nominal é a Trix, via rádio, só agora voltou um quase nada de banda de internet, porque a Trix compra a banda da... da Telefoníca de Espanha, via Telefoníca Data (é bom lembrar que no original espanhol se escreve sem qualquer acento, "Telefonica", o que resulta em "Telefoníca", no português que a espanholada se recusa a assumir). Como seria bom se tivéssemos aqui em Ubatuba algum tipo de curadoria de interesses coletivos, não? Ou uma agência reguladora que regulasse e fiscalizasse, coisa que a Anatel não tem peito para fazer. Mas, vamos reconhecer, é preciso não ser anão para comprar brigar com o valentão Valente, presidente da Telefoníca em terras brasileiras e mui fiel representante da Telefoníca de Espanha em São Paulo.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça  
23/04/2010

Placas na rodovia SP-55, mas também as faixas

Não sei se devo meter minha colher de pau na briga de marido e mulher que é briga entre a administração (bem ruizinha) da rodovia e os que colocam placas e faixas na beira da dita cuja. É que não tenho opinião formada sobre isso.
O que, no entanto, não me impede de ressaltar alguns pontos, alguns contra, outros a favor, outros ainda muito pelo contrário, a partir da brecha deixada pelo Luiz Moura. Creio que há consenso, entre os especialistas e, mesmo, entre os leigos, que beira de rodovia não é lugar para distrações, coisas que, por imponência, iluminação, atraiam o olhar do motorista para outros focos que não a pista. Por causa disso, creio, é que existem normas e padronizações para placas informativas e de publicidade ao longo das rodovias. A gente nem percebe que a Rio-Santos é uma rodovia, porque para nós, de Ubatuba (e também Caraguá e São Sebastião) essa rodovia é nossa avenida doméstica, é a ligação entre os bairros, porque somos uma linguiça, espremidos entre o mar e a montanha. Mas é uma rodovia, sim, com trânsito pesado e, por vezes, mais rápido do que mandaria dona Maria Prudência.
Então, há sim que normatizar e fiscalizar, mas há também que atender necessidade fundamental em local turístico, que é a informação ao motorista. Onde fica tal (hotel, restaurante, praia, supermercado, barraquinha, quiosque, e por aí vai) lugar? Onde estou?
Pois bem, o que se nota é um exacerbado ânimo fiscalizatório, que retira placas mas não pinta as faixas de pedestre, que multa mas não capina a faixa adjacente à pista, que vê a formiga mas deixa passar o elefante. E este, o elefante, pode estar disfarçado de mera faixa, de uma plaquinha de madeirite montada num precário tripé. Aqui no km 60 de vez em quando o restaurante que fica na esquina - soa esquisito, mas é a esquina da rua de entrada do Perequê-Mirim com o km 60 da rodovia) - coloca uma faixa anunciando seus pratos, mas num elefantino ângulo que impede, ao motorista que vai entrar na pista, a visão do tráfego sentido Ubatuba-Caraguá. É uma faixa provisória e não adianta pretender que a voracidade fiscalizatória do DER a perceba. Talvez o proprietário é que precise perceber a caca que faz, ao interferir na visão que o motorista precisa ter da rodovia. Idem, ibidem, quanto a uma faixa que, de vez em quando, um grande posto de combustíveis e serviços coloca dentro do seu domínio (e então, a fiscalização nem tem como ranhetar), mas que é a elefantina obstrução da visão da pista, de quem quer entrar na rodovia vindo do bairro Estufa. Mais uma vez, é o proprietário (ou talvez o subalterno funcionário a quem é cometida a tarefa de colocar a faixa) que precisa usar da preciosidade cada vez mais em falta que é o - não o excelente, não o superior, mas comum e mais simples - bom senso.
Há consideração final: este é um Estado de Direito e quem manda é a lei. Se a lei é falha, mudê-mo-la. Mas, até lá, vamos cumpri-la. Não é assim que deve funcionar?

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 
  22/04/2010

Recorde pessoal: comi uma cavala

As mulheres podem ler, claro, mas talvez não tenham a dimensão da vivência pessoal, porque se trata de um linguajar que remete à gabolice típica de adolescente caipira, com a palma da mão abundante de pelos, mas sustentando ser o tal que, em vez de descascar a banana, finalmente afogou o ganso.
Poizé. Meu recorde pessoal. Comi uma cavala. Uma tremenda cavala, daquelas que justificariam o dito (masculino) popular "uma verdadeira potranca de criação". Tenra, curvas voluptuosas, cheirosa, macia. Suavidade em postas grandes e sem espinhos, e só um pequeno, malicioso, toque apimentado.
Marlene não estava, o que me causou uma ponta de sentimento de culpa. Como apreciar plenamente sabendo que, de nós dois, é ela quem mais curte essas carnes branquinhas? Foi, então, um almoço a três, pai, filha e amigo. Julinho me convidou para sua casa, aceitei, almoçamos na companhia de sua filha. Ele serviu, de sua própria autoria, cavala com banana verde, com retalhos longos de casca e tudo, um dos famosos pratos azuis. Até o pirão, delicioso, tinha a banana verde. Ao lado, um pote de uma pimenta que se pode chamar de "ao ponto": nem pouco, nem muito ardida. Uma salada abundante e, na própria panela, o prato que é minha perdição: arroz bem soltinho, de grandes grãos brancos bem cozidos. Esclareço: minha dieta tem restrição de carboidratos e o arroz é a Vossa Excelência dos carboidratos, só perdendo para a batata. E aí temos o ponto positivo: a banana verde lembra a consistência de uma batata, mas de sabor próprio suavemente acentuado. Só que com bem menos carboidratos, apesar de sua frutose. Numa palavra, tudo perfeito e delicioso, ao modo caiçara, com discreto tempero e um quase nada de sal - este também muito restrito em minha dieta.
Foi um recorde pessoal porque, talvez devido a traumas adquiridos na infância, tenho um medo infantil de peixe. A carne é sim apetitosa para o meu paladar, mas é só pensar em espinhos que a garganta trava.
É interessante como o mundo da realidade virtual permite intuir afinidades. É como considero a internet e seus múltiplos recursos, um mundo real do qual tomamos consciência pelo meio virtual. O que nela acontece é real, permitindo, por vezes, a evolução do contato virtual para o contato pessoal, este sim concreto, o aperto de mão, o olho no olho. E às vezes até mais, como podemos atestar eu próprio e a Marlene, que depois de um ano já estávamos juntos, apesar de separados por 300 quilômetros. Isso já faz década.
Os deliciosos textos do Julinho, com seu humor próprio, permitiram uma empatia que se confirmou quando pude conhecê-lo pessoalmente. O povo ama seus artistas, desde a tietagem desenfreada produto da televisão, até aquele discreto e envolvente bem-estar quando se está na presença do artista, quando se ouve a cantoria, o som do violão e do ratambufe, se vê o próprio violão decorado e colorido, telas com estilo próprio e objetos com volume como, por exemplo, o Saci, com o qual topei na casa do Julinho. O artista tende a ser bom em várias expressões, não exclusivamente em uma. É um dom, que certamente não tenho, mas que aprecio muito. Estou mais para Juliano e Ligia do que para Tatiana e Elka, meus filhos. Estas são artistas e exercem sua sensibilidade em múltiplas expressões, a começar pelas artes cênicas.
A visita ao quintal da casa evocou todo um mundo. Uma canoa caiçara típica, escavada do tronco de uma árvore que caiu, porque suas raízes não foram suficientes para sustentá-la em uma pesada tempestade. Uma horta, com vários canteiros enfileirados, que atende as necessidades alimentares vegetais da família, mas também fornece folhas e raízes para as galinhas do cercado, um conjunto que compõe o familiar clima rural dos sonhos de (quase) todos nós. Árvores frutíferas, um destaque para a planta brasileira por excelência, a jabuticabeira, de porte não muito avantajado e que dá frutas miúdas, dulcíssimas.
E, oh!, um belíssimo cão pastor alemão, um adulto jovem, calmo quando na presença de seu dono, entretido com um belo osso. Lembrou-me a Jade, sobre a qual ainda não estou preparado para falar.
Já de saída, vi, na calçada, ao rés do chão, um objeto que povoa meu banco de projetos. Muito desconfio de que as coordenadas inscritas no relógio de sol foram calculadas pelo próprio Julinho, que também é dado a essas artes geográficas de visadas e ângulos e senos e cossenos, e que gosta de saber exatamente onde está pisando. Hoje qualquer um pode ter um GPS, eu próprio tenho um desses baratinhos, de mão, mas o Julinho usa ferramentas de topógrafo.
E, tendo já vencido um medo, continuarei minha caminhada em me acaiçarar: da próxima vez o peixe será aqui em casa, no pé do morro do Funhanhado. Tenho outro medo, o de água, não sei nadar. Então, por enquanto, o peixe virá da peixaria do Jorginho, aqui perto. Bananas verdes as há em cachos na beira do corguinho que flui mansamente no fundo do quintal. E o fogão ficará por conta da Marlene e do Julinho.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 
18/04/2010