quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ubatuba: satélites e bens públicos privatizados

Leituras de O Guaruçá
Começou mal e começou bem O Guaruçá desta segunda-feira. Mal: a matéria inaugural, das 5h26, da seção Opinião - a opinião de direita, claro -, é de autoria de uma diretora do Secovi-SP, que se autoproclama Sindicato da Habitação mas que é, na verdade, o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo. Ela defende os loteamentos fechados, que abundam por aqui. Ubatuba é dos mais antigos exemplos do que significam esses "loteamentos fechados": apropriação particular do que é público, segregação urbana e agressão ao direito constitucional de ir e vir. De resto, dificultando acesso a praias, em nosso município turístico. Como ficar choramingando não resolve, melhor será desenvolver matéria mais completa sobre isso, lembrando que o Secovi-SP tem interesse em movimentar a ineficiente máquina legislativa federal para fazer andar o projeto de lei 3057/00, há dez anos em tramitação na Câmara dos Deputados, já arquivado e desarquivado, emendado, remendado, etc. Esse projeto quer substituir a Lei Lehmann, de 1979, que é a lei em vigor, e que é a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano.
Mas começou bem: na matéria das 7h35, mais um delicioso texto do Julinho Mendes, Do Capitão Deolindo ao Capitão Dudu, explicando uma conversa entre Dr. Bicalho e Palombeta, sobre a qual eu, que cheguei há pouco de fora, nada tinha entendido. Afinal, o canhão é o tal do canhão do Zé Mapiá. Ou não? Julinho me esclareceu (ou não?) uma, mas não a segunda dúvida: ele também não sabe o que é nem qual a finalidade do satélite do Capitão Dudu. Como o canhão do Zé Mapiá não vai dar conta, deve ser então um foguete, e o jeito, enquanto não ficamos sabendo, é cantarolar antiga musiquinha, de Caroço e Azeitona: "Brasil vai lançar foguete, Cuba vai lançar também...". Mas, atenção!, Cuba tem "uba" mas não "tuba" nem "toba" e começa com "C".
Qualquer astrônomo, mesmo amador, saberia que, da latitude capricorniana de Ubatuba, seria inviável lançar qualquer satélite: o incremento rotacional de velocidade do Equador e estreitos arredores fica quase nulo, aqui no Trópico. Então, só pode ser piada. No entanto, se alguém quiser ver satélites de verdade, é só consultar a página Heavens Above, colocando dados de latitude e longitude (o link já contém uma sugestão). Será, então, possível ver, logo de manhãzinha ou ao anoitecer, um sinal nos céus, o reflexo dos painéis solares dos satélites do sistema Iridium (Iridium Flares) ou de outros satélites (Daily predictions for all satellites...), algo bonito de ver.
A propósito, qualquer dia destes inaugurarei uma igreja, a Igreja do Sinal dos Céus, para poder arrecadar grana dos fiéis sem risco de ter de pagar impostos. Basta fazer o serviço religioso de manhãzinha ou ao anoitecer, que o sinal, garantia das ofertas financeiras, aparecerá religiosamente, conforme o cronograma do Heavens Above.
Humor e informação não são coisas excludentes. Explicar piada é uma das coisas mais chatas que pode haver, mas quando apenas se exibe o chiste, sem indicar qual a informação associada, O Guaruçá não avança quando se trata de informar, e informar deve ser sempre um dos objetivos da revista eletrônica. E abre caminho para interpretações as mais diversas.
Então, vou dar minha interpretação, meu pitaco. Como não sei essa história de Canhão e Satélite, que talvez seja mesmo uma verdadeira piada ubatubense, vou sugerir uma explicação menos piadística: talvez tenha a ver com a contratação, pela Prefeitura de Ubatuba, ao custo de mais de um milhão de reais, de um projeto de georreferenciamento, com uso do programa ARCGIS, de uma empresa de São José dos Campos. A nota da Assessoria de Comunicação da Prefeitura fala o valor, mas não qual a empresa contratada. Essa informação está na edição eletrônica do jornal Imprensa Livre. Trata-se de fotos de alta resolução, ferramenta cara e moderna que, se bem usada, é poderoso auxiliar no planejamento urbano e no lançamento do IPTU sobre construções não averbadas no cadastro municipal. O problema, em Ubatuba, é o condicional "se". Tanto que algo semelhante já foi feito no passado, desconhecendo-se os resultados, se é que algum foi alcançado.
Curiosamente, no pé da página da Assessoria de Comunicação, há um "SaibaMais", informando que "Jogar entulho e restos de podas em calçadas de Ubatuba gera multa de R$ 200,00". Então, mais curiosamente ainda, a Prefeitura de Ubatuba aplicará multa a si própria, visto que seus funcionários (ou contratados) jogaram junto a um muro o resultado da capinação recente na rua José Egídio da Costa Ferreira, no Perequê-Mirim. Uma boa ação se não fosse finalizada com um mau exemplo. O problema, em Ubatuba, é o condicional "se".

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça   
27/04/2010

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