quarta-feira, 23 de junho de 2010

Homenagens na Câmara de Ubatuba

Crônicas do Legislativo
Foram escaramuças com o site da Câmara Municipal de Ubatuba, até conseguir imagem com som da sessão ordinária desta terça-feira. Das outras vezes foi fácil obter o áudio. Desta vez nada de áudio autônomo, só o vídeo difícil. Já eram quase 20h40 quando o sistema apresentou estabilidade suficiente para permitir acompanhar o que acontecia.
As duas últimas sessões da Câmara Municipal de Ubatuba foram pródigas em unânimes homenagens. Na penúltima, foi elogiado, por moção do vereador Rogério Frediani (PSDB), o trabalho desenvolvido pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Ubatuba na alfabetização de adultos. Foram alfabetizados 85 em 2008, 88 em 2009 e a previsão é de que sejam alfabetizados mais de 60 este ano. E, para 2011, a previsão é de 6 salas de 22 alunos. Segundo explicou Atarcísio Tadeu Astolfi, coordenador do projeto, os recursos são provenientes de repasse do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, o SENAR (estrutura semelhante a SENAC e SENAI), cuja origem é a contribuição dos produtores rurais com 0,2% do valor de cada nota fiscal emitida. O representante do Sindicato, que falou da tribuna do Legislativo, explicou que as aulas são após a jornada de trabalho. É fornecido jantar aos alunos, que concluem o curso como alfabetizados plenos, capazes de ler e compreender textos.

A aprovação de projeto do vereador Romerson de Oliveira (DEM), dando o nome de Maria Eva dos Santos ao prédio da unidade de Estratégia da Saúde da Família do Bairro do Rio Escuro, deu ensejo a várias manifestações homenageando a falecida cidadã lutadora, que presidiu a Associação de Bairro do Rio Escuro e dedicou-se a sanar carências, especialmente na área da saúde, e como voluntária da Santa Casa, para a qual obteve a doação de materiais fornecidos pelo Hospital Sírio-Libanês. Segundo o depoimento do presidente da Casa, o médico Ricardo Cortes (DEM), foram materiais de alto custo, inclusive mesas cirúrgicas e aparelhos de laser, que, por outra forma, o hospital local não teria como adquirir.
Pela família da homenageada, falou a educadora Patrícia, filha de dona Eva, que se declarou "briguenta, assim como ela". Elogiou a Santa Casa, dizendo que, dez anos atrás, da mesma tribuna da Câmara, fez críticas ao hospital, tanto quanto a recursos como quanto ao atendimento, mas agora "a gente viu o quanto melhorou", nos 38 dias que ela e familiares passaram dentro do hospital, acompanhando a mãe. "A gente pode não ter o recurso necessário, mas o recurso humano e o calor humano e a vontade e a dedicação" de toda a equipe do hospital "a gente tem", disse. Afirmou que continuará o trabalho da mãe pela saúde, com o auxílio de seus irmãos, principalmente Saad.
De autoria do vereador Adilson Lopes (PPS), o mais profícuo quando se trata de moções de congratulações, foram aprovadas homenagens ao agente de Endemias Jorge Ribeiro e alunos da Escola Olga Gil pelo trabalho de combate à dengue, e à estudante Luana Augusta dos Santos Costa, da escola Maria Alice Alves Pereira, por sua participação no certame Tabuada Vanguarda, classificada como "brilhante". Jorge e alunos fazem parte da equipe dos "Agentes Mirins de Combate a Dengue" e realizam trabalho de conscientização e, mesmo, de fiscalização em campo. Convidado a usar a tribuna, em plena Ordem do Dia, Jorge agradeceu apoios que recebeu nesse projeto e afirmou que ele se estenderá a todas as escolas do Município.
Na sessão seguinte, a de 27 de abril, continuaram as homenagens às equipes envolvidas no combate à dengue, que envolvem 29 agentes e mais a estrutura administrativa de apoio. Falou pelos agentes o coordenador de Endemias, Antenor Ricardo Benetti, que reconheceu o bom trabalho de sua equipe mas alertou: "não estamos em zona de conforto". Disse que uma parte da população não toma as iniciativas necessárias e espera a chegada do agente para fazer a limpeza de seu quintal. Mostrou preocupação com o regime de chuvas e calor atípico, este ano, para dizer que estamos no pico do risco de dengue, especialmente porque cidades vizinhas apresentam epidemias. Citou Taubaté, onde a dengue tem proporção epidêmica, e o grande número de moradores daquela cidade que têm casas no Perequê-Açu, vindo nos fins de semana para cá. E concluiu: se surgir vacina para a dengue, os problemas não acabarão. Ainda há os problemas dos ratos, dos escorpiões, por causa da sujeira que os próprios moradores deixam acumular.
Por moção do vereador José Americano (PPS), foi também homenageado o biólogo Neílton Nogueira de Lima, ao qual estão subordinados os serviços de Vigilância Sanitária e Epidemiológica, e do controle de Zoonoses. Neílton tem formação em Biologia e, em 2001, concluiu especialização em Saúde Pública, na USP. Na Prefeitura, uma carreira sempre em ascensão, ao longo de cinco mandatos de quatro prefeitos, ocupa agora a Superintendência de Proteção à Saúde, unidade que conta com mais de cem funcionários.
Neílton também ocupou a tribuna, e declarou-se pessoa realizada e feliz. Ressaltou a importância do trabalho em equipe, que permite planejamento e otimização de recursos. Disse considerar que a população tem informação suficiente sobre o problema de saúde que é a dengue, mas que ainda falta agir de acordo com essa informação. Trata-se de um trabalho educacional. E concluiu, citando frase de Cora Coralina: "Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina".
Das cidades do Litoral Norte, Ubatuba é a única onde a dengue está sob controle, ainda que existam casos da doença.
O vereador Claudinei (PSC) lembrou que, quando do surto de dengue em Ubatuba em 2008, houve críticas ao prefeito, "ele foi crucificado, mas foi algo que tomou o Brasil inteiro". "Mas ele colocou as equipes na rua" e, já em 2009, a dengue foi controlada, disse.
Depoimento
Nos últimos tempos, aqui no Perequê-Mirim, abri o portão duas vezes, para visitas de agentes de controle de endemias. As moças, muito educadas, examinaram cuidadosamente toda a área externa - impecável, porque está sob o constante cuidado de meus amigos, auxiliares e vizinhos Osvaldinho e Samuel. Falaram sobre os cuidados básicos e sobre a necessidade de jamais descuidar. Não souberam informar, entretanto, números sobre casos de dengue no bairro.
Não conheço Neílton pessoalmente. Conversei com ele por telefone, uma vez, quando escrevia sobre a vacinação contra a gripe A-H1N1. Causou-me muito boa impressão, tanto pelo conhecimento técnico como pela facilidade em se expressar de um jeito franco e aberto, e de compreender com clareza o que estava sendo solicitado. São atributos certamente fundamentais, para coordenar as equipes de Proteção à Saúde.
Naniquices, coisas de cidadezinha
O projeto do vereador Romerson recebeu emenda corretiva: o nome deve ser dado ao prédio e não à ESF. O autor do projeto, citando que o prédio do Rio Escuro está em fase de conclusão, pediu que, quando de sua inauguração, já esteja afixada a placa com o nome de dona Eva, lembrando que, a despeito de lei aprovada pelo Legislativo, até hoje não foi colocada placa com o nome o Sr. França na Escola do Corcovado.
Certa vez, ouviu-se a voz do vereador Frediani, alfinetando: "Olha o veto, por causa do custo da placa..."
Ubatuba não é uma cidadezinha. O tom de desabafo que acompanha o uso dessa palavra não autoriza supor que nosso Município seja realmente uma cidadezinha: não é. E não pode ficar pensando que seja. No entanto, sobrevivem alguns hábitos que dão essa aparência. A Câmara é pródiga em fazer homenagens, mesmo quando se trata da área da Saúde, mas evitou cumprir suas altas atribuições quanto à Santa Casa. Hoje, só fica assistindo de longe o que acontece. Apequenou-se. E permite ao prefeito fazer o que quer, do jeito que quer.
Em quebra de protocolo e regimento, o recinto legal da Câmara abrigou manifestações dos homenageados. Assim, a sessão desta terça-feira foi mais uma daquelas festivas, cheias de congratulações e aplausos e uso indevido do recinto legal. Os Legislativos têm suas liturgias. Quando se trata de sessão ordinária, na Ordem do Dia somente os vereadores têm mandato popular para se manifestar e, evidentemente, para votar, e só podem fazer isso publicamente, no recinto legal. Caso contrário, as deliberações não terão validade. Não se pode fazer sessão em local incerto e não sabido. E da sessão, só os vereadores podem dela participar. Mesmo quando da Tribuna Popular, a sessão é suspensa, entre o Expediente e a Ordem do Dia.
O Legislativo pode realizar sessões solenes, e então a liturgia é outra, mesmo o local pode ser outro que não o recinto legal. Os convidados são recebidos com pompa, formalmente, e podem falar . Mas não existe a figura da sessão festiva, a mistura indevida entre o ato revestido de forma, que é a discussão e votação de matérias, e cumprimentos, aplausos e uso da tribuna por quem não tem mandato popular. O Legislativo há que se dar o respeito.
Não é conveniente suspender a sessão durante a Ordem do Dia, exceto quando estritamente necessário para recompor quorum. Mas nada impede que as celebrações e o tom festivo ocorram logo após o encerramento da sessão. Bem, talvez uma coisa impeça: a debandada que se verifica no plenário, ao longo da Ordem do Dia, depois de votados os projetos de interesse do Poder Executivo. O que justifica mais uma alfinetada do vereador Frediani: "Mas no fim do mês, óóó!".
O valor das moções de congratulações de um Legislativo Municipal é inversamente proporcional à quantidade em que são distribuídas. O paroquialismo eleitoreiro leva à produção em massa de congratulações, banalizando o que deveria ser a exceção. No entanto, é prática antiga dos Legislativos, que em geral simplificam os procedimentos. Grande número de Câmaras pragmaticamente trata esses requerimentos em bloco, sem discussão nem votação, no chamado Pequeno Expediente. É o caso, por exemplo, da Câmara Municipal de Araraquara, cujo alentado Regimento Interno, de 372 artigos (e cujo impecável conteúdo e íntegra está no site daquele Legislativo), consolida resoluções cujas primeiras datam de 1964. A Câmara de Ubatuba ainda nos deve um Regimento Interno decentemente apresentável.
Obama recebeu prêmio Nobel antes de realizar qualquer iniciativa pela paz. Quase virou piada, ainda que o resoluto filho de imigrante africano, quando põe a cabeça no travesseiro, pense na paz, ao contrário de seu antecessor, que revelava ao travesseiro seus pensamentos belicistas. Há uma notável diferença entre a moção de congratulações aos recém-eleitos membros do Conselho Tutelar, por seu sucesso em pleito eleitoral e, portanto, pelo trabalho ainda por fazer, e a moção que parabeniza o conjunto de funcionários que atuam no combate à dengue, pelo trabalho já realizado e que permite a Ubatuba exibir os menores índices da doença em nossa região, tanto montanha acima como costa abaixo.
Ampliando - Cidade do cidadão
Terminadas estas Crônicas do Legislativo, é o caso de ampliar a abordagem do tema. Meus três ou quatro leitores talvez tenham a paciência necessária para prosseguir na leitura. Em razão de compromissos familiares, estive este mês em Araraquara, na antiga escola estadual ‘Padre Francisco Sales Colturato’, localizada na avenida de mesmo nome, transformada em Espaço Crescer, o Centro de Atenção à Criança e Adolescente. O espaço abriga Juizado, Promotoria, Delegacia de Polícia e outros órgãos ligados à infância e à juventude, mas também ao idoso, como é o caso da Seção Técnica da Vara Judiciária que cuida dessas três categorias de pessoas em situação de potencial fragilização. Por lei municipal, o Espaço Crescer denomina-se "Maria Augusta Gonçalves Mendes (Guta)", uma estudante que foi morta na noite de 30 de março de 2001, aos 14 anos, quando voltava da escola para sua casa. Estuprada e assassinada a facadas por jovens que roubaram seu relógio para comprar crack, foi vítima da violência de jovens eles próprios também vítimas do descuido, da desatenção da sociedade. Vítima de vítimas, poderia ser o resumo da placa que está afixada no prédio, um Centro de Atenção a essas vítimas.
0 UNICEF divulgou em julho de 2009, com dados de 2006, o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), que faz uma estimativa do número de assassinatos de jovens entre 12 e 18 anos nas 267 cidades brasileiras acima de 100 mil habitantes. Na região de Araraquara, seis cidades têm mais de 100 mil habitantes. Dentre elas, Araraquara foi o município com o maior índice: seu IHA é 1,06, o que significa que, dos 25.312 menores, 27 deverão morrer assassinados no período considerado. Na sequência, aparecem São Carlos (IHA 0,26) e Ribeirão Preto (0,09). Franca, Barretos e Sertãozinho estão entre as nove cidades paulistas com índice zero de assassinato de menores. Aqui por perto de Ubatuba, temos Angra dos Reis (RJ) (2,14), Taubaté (1,61), São José dos Campos (0,90) e Jacareí (0,49). Isso mesmo. Em Taubaté, 59 adolescentes mortos. E em São José, 78.
Segundo o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da Unesp de Araraquara, o cientista social José Reis dos Reis Santos Filho, o cenário estimado para aquela região, onde morei por 40 anos, reflete a falta de políticas públicas capazes de criar alternativas reais para os adolescentes. Disse o especialista que "São escassas as oportunidades de primeiro emprego e de jovens vinculados a atividades de cultura e esporte, que evitam o envolvimento deles com o crime". Não tenho a expectativa de viver mais 40 anos, mas espero viver o suficiente para saber que Ubatuba terá políticas públicas para os adolescentes e para a saúde. E com muitas atividades de Cultura, folclore inclusive, e Esporte. Além de empregos, claro, tão logo pare com naniquices e coisas pontuais e implemente uma verdadeira política pública que explore sua imensa vocação turística.
Nome e placa para Guta é o tipo de homenagem correta, tanto quanto é a homenagem a Eva Maria dos Santos. A cidade é de seus cidadãos, de gente comum do povo, de seus entes históricos, e não de coronéis e deputados e políticos e empresários muitas vezes oportunistas. É o cidadão que deve ser homenageado, com placas simples e claras, com o resumo da obra do homenageado, e sem as infames frases que os políticos gostam de inscrever nelas, junto com seus próprios nomes.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça  
30/04/2010

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