quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ubatuba, ubatubância e baixa autoestima

 
Assino embaixo, o que escreveu o culto prosador Eduardo Souza. Especialmente quando se refere a estereótipos: "Cansei desses estereótipos, desse achincalhamento de ubatubanos e ubatubenses."
Em vista de tantos problemas que afligem Ubatuba, da falta de políticas públicas consistentes, da pequeneza da política local (que beira à mediocridade), das dificuldades econômicas de uma região que depende de recursos da sazonalidade turística, não fica difícil compreender a baixa autoestima que acaba por contaminar alguns ubatubenses. Surgem, então, expressões como "cidadezinha" e "ubatubância". Não são apanágios exclusivos dos caiçaras. Em muitas cidades do interior paulista, menos dependentes da sazonalidade turística, também são encontradiços casos de baixa autoestima, em geral causada pela mesma percepção daqui, de que a cidade anda para trás ou, no máximo, de lado, qual siri; de que grassa a corrupção, de que os caciques de sempre fazem sempre o que querem.
Há um problema sério: Ubatuba não tem como discutir-se a si própria. Não há espaço minimamente organizado onde se possa debater ideias, sem troca de ofensas. A Câmara Municipal poderia ser esse espaço. Mas ela abdica, cada vez mais, de suas altas funções, para ficar apenas na política nanica. Ao Executivo municipal só interessa o oba-oba, o culto à personalidade e adoração de egos "super" inflados, a foto oficial do sorriso impecável em cada órgão municipal ou não, a arrogância (que embute um embuste) da frase-símbolo da administração. Não há espaço para diálogo, porque falta humildade.
A imprensa poderia ser o espaço para Ubatuba debater-se a si própria. O problema é que é difícil falar em imprensa, quando se trata de Ubatuba. Boa explicação sobre isso está no Observatório da Imprensa, opinião do advogado e jornalista Rogério Tavares. Melhor usar a expressão mais genérica "mídia", que abrange jornais, revistas e publicações eletrônicas, que, no entanto, padecem dos males descritos pelo advogado: "Do outro, está o resto, que se dedica à produção e a veiculação em massa de palpites, boatos, fofocas, especulações e intrigas, ou ainda à difusão de grosseira publicidade comercial ou eleitoral, do engodo, da farsa, da mentira e da manipulação, quando não faz a opção pela injúria, a difamação e a calúnia". Como é da cultura da cidade e de todo o Litoral Norte, ninguém escapa, nem mesmo o "único diário" da região, que reserva ínfimo espaço para Ubatuba. E nem mesmo nossa oca eletrônica, O Guaruçá, escapa do tom agressivo e intolerante, apesar de ser o único veículo onde se pode ler diversidade de ideias. Também pesa a seu favor recusar-se a integrar a rede de propaganda que é a publicação da maior parte dos releases da Prefeitura. Então, a mídia submissa de releases municipais também não serve como ponto para debates.
De blogs pouco há a falar, pois são manifestações pessoais, personalíssimas, não têm a universalidade de posições que a imprensa - a verdadeira - tem. O blogueiro, monocraticamente, decide o que publica e o que não publica, mesmo que seja um simples comentário. Ainda assim, os blogs cumprem seu papel, que certamente não é o de ser um grande fórum público de debates, ainda que alguns tentem.
De ONGs, ou OSCIPs, também pouco há a falar, porque geralmente se encasulam em seus próprios nichos e projetos, vendo apenas segmentos onde há um mar vasto mar de água e gente e uma vasta cadeia montanhosa. Também costumam se abespinhar à menor crítica, pois consideram-se proprietárias e guardiãs da verdade universal, ao tornarem-se autorreferentes. Além, claro, em sua imensa maioria, de beberem recursos da grande fonte que é o Poder Público, seu esteio de sustentabilidade. Não são o espaço para a troca de ideias, são espaços para pregação.
E, falando em pregação, pregador, pastor, padre, Igreja, a católica já foi, em um momento recente definido da história deste País, um espaço para debates, até trombar com o conservadorismo do adorado papa João Paulo II, grande incentivador da Opus Dei, tão na mira do ícone do jornalismo Alberto Dines. As evangélicas passam ao largo do diálogo, historicamente.
Com tal quadro e como a propaganda oficial, de tom ufanista, não tem o condão de esconder a realidade, não é surpresa que a autoestima ubatubense ande em baixa.
Sempre falo, e é verdade, cheguei há pouco de fora. Tenho título de "Guaruçá Honorário”, gentilmente concedido pela Marisa Taguada. Mas ubatubano jamais serei. No entanto, talvez, longinquamente, possua intrínseca ubatubância. Mas o que cultivo mesmo, tento cultivar, é ubatubanidade, coisa dos caiçaras mais simples e que pode, às vezes, ser confundida com ubatubância.
O fato é que, mesmo tendo declarado seu pendurar de chuteiras, Eduardo Souza (mas não César) não as pendurou, como mostra sua resenha. Está na trincheira, na boa trincheira. Que continue assim, enquanto há mínima trincheira para possibilitar a expressão de ideias.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça
30/05/2010

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