quarta-feira, 23 de junho de 2010

Câmara de Ubatuba indaga sobre o Lar Vicentino

Crônicas do Legislativo
Terça-feira é dia de sessão da Câmara Municipal de Ubatuba. Na última terça-feira de março, decidi finalmente conhecer a faccia dos vereadores, talvez até algum faccia tosta, como dizia minha avó italiana Josefa. Mas, como cheguei há pouco de fora, fiei-me na foto estampada no portal do Legislativo, que exibe o belo edifício histórico do Paço Nóbrega. Fiei-me também na página "Registro Histórico", onde está escrito, com todas as letras, "Atualmente a Câmara Municipal de Ubatuba, localizada à avenida Iperoig nº 218". Mas, faglia nostra, reconheço, bastaria dar uma olhadinha no pé da página, e lá está o endereço correto: rua Hans Staden 467. Ou então, ir ao link "Localização", que abre uma página que tem até mapinhas.
O fato é que o Paço Nóbrega estava às escuras e, decepcionado, passei ao segundo item de minha viagem ao centro da cidade: uma farmácia. Pois não é que, no quarteirão das farmácias da rua Hans Staden, dei de cara com o recuado prédio da Câmara, fervilhando de vida? Só que cheguei nos últimos 30 segundos da sessão ordinária, uma sessão, talvez, bem ordinária, tão curtinha que foi, menos de meia hora. Fazer o quê? Sentei-me quietinho numa das últimas cadeiras estofadas do auditório de 81 lugares, para me refrescar um pouco naquele ambiente de ar condicionado. Não sou o, mas uso uma, bermudinha surrada. É minha indumentária usual, muito comum aqui entre os caiçaras do Perequê-Mirim. Estava, o que é raro, trajando calça jeans, porque não sabia direito qual o protocolo do Legislativo de Ubatuba. Mas percebi que o protocolo admite, sim, bermudas: um senhor de cabelos brancos estava a gravar entrevistas com os vereadores, trajado muito informalmente. Divisei, ao longe, a faccia do vereador Mico, muito conhecido aqui no bairro, o mais votado nas últimas eleições, já vi fotos, ainda que eu próprio nunca o tivesse visto pessoalmente até aquele momento. Tentei, ao longo deste ano e meio no Perequê-Mirim, falar com ele por três vezes, mas não obtive sucesso. Deixei até recado com Marcelo, uma espécie de assessor (e talvez pretendente a sucessor) dele aqui no bairro, mas nada aconteceu. No entanto, aquela terça-feira não era, para mim, o dia de procurá-lo. E, assim, quedei-me sentado.
Como é infalível em ambientes legislativos, logo fui surpreendido por um tapinha das costas, de algum (para mim) desconhecido - ah, infalível - faccia tosta, que me cumprimentou com largo sorriso, como se me conhecesse de longa data. Não imagino quem seja, cheguei há pouco de fora, sou um completo desconhecido aqui, exceto no meu bairro de caiçaras e para dois amigos da cidade que conheci pelo meio virtual. Logo depois, outro tapinha, de algum edil que estava a deixar o prédio. Em ambos os casos, minha resposta foi apenas um sorriso. Aprendi a me divertir com essas peculiaridades dos ambientes onde circulam políticos.
Nesta primeira terça-feira de abril, entre bermudinha surrada e calça jeans, preferi a segunda, não por respeito a algum suposto protocolo da Câmara, mas pelo simples fato de que estava chovendo e a temperatura estava ao redor dos 16 graus. Quando a camionete velha chegou ao cruzamento com a rodovia, no quilômetro 60, estava chovendo tanto que desisti, e voltei os três ou quatro quarteirões até minha casa. Resolvi por à prova meu ressurecto computador, a precária internet da Trix, e a oferta de sessão ao vivo do portal do Legislativo. Bingo! Tudo funcionou (o áudio da sessão estava impecável).
Ouvi com atenção a sra. Sônia Maria Bonfim, que ocupou a Tribuna Popular e discorreu com elegância e precisão sobre o significado de manifestações públicas apartidárias mas, sim, políticas. Referiu-se à recente manifestação em defesa de um sistema digno de saúde em Ubatuba, manifestação que não pode ser desqualificada por seu caráter político. Com propriedade, e de maneira até mesmo didática, explicou que o caráter político é inerente às manifestações da cidadania, fazem parte da vida do cidadão e da pessoa, desde - e então forçou um pouco - o momento do nascimento. Falou por si, mas também pelo Movimento Ubatuba em Rede. Não ouvi aplausos e os vereadores não fizeram comentários. Fiquei com a impressão de um certo clima de constrangimento no ar, daqueles que acontecem quando alguém leva um pito e sabe que foi merecido. Não se pode generalizar, é claro, mas o Legislativo, por maioria, teve a oportunidade de intervir nos rumos dos serviços de saúde pública de Ubatuba, e, no entanto, preferiu limitar-se em sua intervenção no caso.
A Câmara interessou-se, também, pelo que acontece com o Lar Vicentino, sobre o qual pesa o anúncio de que fechará as portas em maio, se não encontrar solução para suas dificuldades financeiras. Um tanto tardiamente, porque o anúncio da grave crise na instituição tem já algum tempo, o Legislativo agora quer tomar pé da situação, indagando formalmente do Executivo a quantas anda o repasse de recursos para o Lar dos velhinhos sem família. Outras indagações também estão em pauta, como, por exemplo, quanto, sob qual forma e a que título se dá o repasse financeiro de um quiosque de praia à instituição. Os vereadores José Americano e Rogério Frediani mostraram algum conhecimento da situação, mas por certo incompleto. O vereador Pastor Claudinei manifestou interesse em saber do Lar qual é o custo idoso/mês, dado que pode ser comparado ao de entidades similares na região. No que todos concordaram foi que a gestora do Lar Vicentino, a sra. Maria Célia Pereira da Cunha Canto, realiza há muitos anos profícuo trabalho na instituição.
O vereador Mauro Barros também participou do debate, mas de maneira um tanto preconceituosa, ao usar o termo "infestada" ao considerar que a cidade tem grande número de moradores de rua, que se abrigam provisoriamente na frente do prédio da CEF e em praças. E, como contribuição, revelou que Paraibuna, município vizinho, repassa à entidade que cuida dos velhinhos naquela cidade, 25 mil reais mensais, em contraposição aos 7 mil reais/mês em Ubatuba.
No decorrer do debate, ficou evidenciado que esse valor, 7 mil reais/mês, está sem reajuste há 8 anos, o que poderá ser confirmado mediante a resposta formal do Executivo ao pedido de informação aprovado na terça-feira, por unanimidade.
Outra unanimidade foi a votação de um substitutivo do vereador Rogério Frediani ao projeto referente a novas concessões para táxis. O substitutivo, parece, significa a conclusão das negociações que envolveram os vereadores e os taxistas, chegando-se a uma solução sem maiores traumas e sem, basicamente, mexer no número de táxis em circulação pela cidade. O projeto institui uma ordem de classificação dos pretendentes a novas concessões, baseada em responsabilidades sociais (familiares) e na renda familiar mensal, fixada em um máximo de dois salários mínimos valor-referência nacional.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 
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