quarta-feira, 23 de junho de 2010

Croniqueta: morte, ciclo da vida


Nephilidae - Nephilengys cruentata
cruentus:
manchado com sangue, corado
A foto, garimpada na internet, é de Vinícius Antônio de O. Dittrich, tirada no Araribá, perto do Sertão da Quina, aqui em Ubatuba. Com certeza é alguma parente próxima, tia, tataravó, da minha Cruentata, da qual tenho fotos, mas nenhuma tão bem feita como essa do Vinícius.
Morreu numa sexta-feira, 16, corrente o mês de abril, minha Nephilengys cruentata, uma Nephilidae cuja mãe viveu mais de ano e deixou centenas de filhotes. A filha não só morreu bem antes de completar um ano de vida como, parece, não deixou descendentes. Pelo menos, não os consegui divisar.
Não tenho certeza de que esse povo que dedica vida profissional aos táxons tenha a cabeça no lugar, ou o olho, ou o olhar sobre as cores. A dúvida é vernacular, Latim que seja o vernáculo: cruentata, avermelhada, vem de cruentus, manchado com sangue, corado. Minha Cruentata era toda preta, exceto por linda faixa entre o amarelo e o alaranjado, que lhe definia, era o frontispício, de seu imenso abdome. Talvez, portanto, em péssimo e inexistente latim, alaranjadae...
Fez sua teia entre caibros do telhado da varanda coberta, esticando um longo fio até a base de uma luminária pendente do teto. Bela teia, grande, com um casulo de moradia diurna: essas aranhas só são ativas, só caçam insetos à noite, os desafortunados que caem, às dezenas, em sua teia. Durante o dia, dormitam, o que lhes vale um dos muitos nomes populares: aranha-ermitã. Alguns, mas nem todos, dizem que sua origem é africana.
Fato é que morreu, faleceu, de causas naturais, que aqui era seu abrigo inviolável: Zélia et al, faxineira e auxiliares, sabiam que aqui a aranha grande e bonita era intocável. Aqui, porque alhures sempre foi ameaçada pela semelhança com sua distante, longínqua prima, a viúva negra, esta sim venenosa. Minha Cruentata era absolutamente inofensiva (exceto para os insetos, neles inclusos os pernilongos caipiras, os Culex, chatos mas inofensivos, e os Aedes aegypti, os da dengue, chatos e perigosos).
Seria demais, hipocrisia até, dizer que choro por ela. Mas faz falta aqui, a Cruentata com sua faixa alaranjada no abdome negro.

- Texto originalmente publicado na revista eletrônica O Guaruça 

03/05/2010

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